Porque a crítica à Marcha das Vadias não é puritanismo

Segue outro texto sobre a Marcha das Vadias. O texto trata sobre um dos argumentos usados por algumas das pessoas que não compreendem as verdadeiras razões da crítica à Marcha, ou seja é uma resposta a esta crítica.Obviamente nem todas as pessoas engajadas na Marcha usam deste argumento.
 

A apropriação do termo Vadia – utilizada pela Marcha das Vadias – é criticada como estratégia feminista por muitas de nós, provocando um longo debate. Eu compartilho da opinião de que a apropriação do termo não trará mudanças, que pelo contrário o termo Vadia contribui para nos objetificar e subjugar, que não ajuda como estratégia contra o estupro, e que ignora a realidade de muitas de nós, principalmente das mulheres e crianças prostituídas, embora pareça se solidarizar.

Neste debate surgiu o argumento de que seria por conservadorismo e por uma sexualidade reprimida que se critica a apropriação do termo. Em contraponto, se passou a assumir como uma espécie de “vantagem” inerente às pessoas que são a favor da apropriação da palavra vadia, como sendo bem resolvidas* e/ou sexualmente ativas.

A primeira coisa que me salta aos olhos é que sexualidade reprimida não é um defeito, é um problema, e como tal não serve como acusação nem ofensa. Dizer que as pessoas são muito reprimidas como crítica a este comportamento, é culpá-las pelo que lhes foi imposto. Já, alertar para isso e incentivar que as pessoas lutem contra esta repressão é algo construtivo. Além disso, não são todas as pessoas reprimidas que são como os estereótipos que se tem de pessoas quadradas e conservadoras. Não são também todas as pessoas que não tem sexualidade ativa que são de fato reprimidas, elas podem ter outros motivos para não serem ativas, e nem é verdade que as pessoas ativas são necessariamente felizes sexualmente.

Este tipo de afirmação parte do ponto de que sexo é algo bom sempre. Sexo nem sempre é bom, porque depende da situação, do momento, com quem, e do prazer. É uma afirmação também que ignora completamente as pessoas assexuais – que não sentem desejo sexual. Pode ser difícil da gente pensar assim num primeiro momento, já que existe uma forte repressão sexual e que somos impelidxs a pensar que a luta por uma sexualidade livre significa fazermos sexo quando bem entendermos com quem bem quisermos, quando na verdade sexualidade livre significa além disso é claro, que nossas opções sexuais não sejam motivos para sermos perseguidxs, e tampouco que as pessoas sejam perseguidas ou inferiorizadas quando não são sexualmente ativas, por opção ou não.

Apropriar-se do termo vadia não é sinônimo de uma sexualidade bem resolvida. Vai muito além da sexualidade de uma pessoa (embora possa fazer parte) as opções e táticas políticas que ela toma para si. Eu diria que optar por não usar o termo vadia tem muito mais a ver com uma preocupação quanto a sexualidade mal resolvida da sociedade e todas as implicações disso (estupro, controle, objetificação…) do que com a própria sexualidade (ainda que esta seja também mal resolvida). E embora uma mulher possa adotar o termo vadia como tática política, não significa que uma mulher que se apropria do termo vadia, se torna automaticamente politizada e liberta.

Ir para a Marcha usando "roupas de vadia” e se apropriar do termo vadia, passaram a ser considerados símbolos de autonomia e de se estar bem resolvida, naturalmente que ao criticar essas formas de ação ficamos vulneráveis para sermos consideradas mulheres fechadas, conservadoras. É bem fácil de entender o receio que muitas podem sentir em questionar a Marcha, já que nos exclui automaticamente do círculo de vanguarda.

Não podemos ignorar que existe uma pressão também na mulher para provar sua feminilidade, sexualidade e sua capacidade de fêmea. A nossa sexualidade é controlada através de repressão e também de cobranças das nossas “capacidades e poderes” sexuais. É consenso de que o termo vadia é usado quando querem nos xingar, mas não é também usado para designar mulher boa de cama no imaginário machista? Estaríamos nós inconscientemente atreladas á opinião dos outrxs quanto às nossas capacidades de sedução, porque de certa forma queremos ser aceitas, estar incluídas, mesmo que numa sociedade que nos machuca? Não estou dizendo que este sentimento é o que leva à existência da Marcha, longe disso, estou apenas colocando que este sentimento pode estar presente dificultando desassociar sexualidade com participação na Marcha (que não se trata de sexualidade mas de estupro), podendo também gerar constrangimento para quem a critica, por ter sua sexualidade questionada.

Assim as mulheres questionadoras da simbologia adotada pela Marcha das Vadias são taxadas de conservadoras e de “mal resolvidas”. Pensem bem, isso não é muito diferente de dizer que feminista é mal amada,que falta um homem no seu corpo.

*O termo bem resolvida(o) também está atrelado as especificidades no contexto patriarcal, nem sempre significa algo positivo, as vezes parece até dar uma idéia contrária, de conformidade. Ademais é bastante difícil identificar conceitos como esse, numa sociedade patriarcal onde a sexualidade é um tabu. Isso passa também pela questão do consentimento, pois uma pessoa bem resolvida pode não estar atenta aos desejos dx(s) sux(s) parceirx(s) e numa outra escala, às vontades das pessoas a quem ela tenta suas investidas.

Enila Dor.
Outubro 2012

 
 

oi, quer que eu ponha no site apoiamutua esses textos? Quais são os novos? besas

 
 

opa! seria massa colocar no apoiamutua sim! obrigada!
bejas!

 
 

Segue ótimo balanço da Marcha das Vadias de Campinas: marchavadiascampinas.milharal.org/2013/...

 
 

Querida A., gosto de ver que tu (mesmo discordando, ou concordando em alguns pontos e outros não) traz pontos de vista pro debate, acho super saudável (o palavrinha careta né) a gente poder discutir e ser ouvida.

É tão dificil esta questão da marcha das vadias porém…que as vezes acabo me chateando ou ficando cansada….sei lá.

Mas em fim.

Eu queria colocar então após ler este texto que tu colocou aqui, minha opinião a respeito, pra quem sabe explicar ainda mais meu ponto de vista.

Primeiro, eu acho que não acredito em feminismos. Aí já difere bastante o cerne da questão. eu acredito em feminismo. Embora possamos ter diferenças, acho que elas são devidas a enfoques, especificidades, provavelmente em consequencia do que vivemos e do que mais nos oprime como individuas. As diferenças então estariam mais em nós mesmas, nas nossas individualidades e enfoques, mas não no feminismo em si. Então eu penso que o feminismo busca pela liberdade sexual das mulheres, pelo conhecimento, liberdade e autonomia sobre os nossos próprios corpos e outras demandas.

Além disso, eu acho que não podemos desvincular as lutas, fragmenta-las.

Então, se a marcha das vadias hoje fala sobre a nossa liberdade sexual e autonomia, ela iniciou falando e criticando a violencia contra mulher, o estupro e a lógica machista de que “nós mulheres para não sermos estupradas não podemos nos vestir como putas”. Poxa, a questão que critico, que me angustia, é de que não podemos falar sobre apenas algumas mulheres. Não podemos esquecer das mulheres prostituidas! A marcha invisibiliza a violencia que acontece a estas mulheres, ela fala apenas para as mulheres que querem poder se vestir como putas, mas não fala das mulheres que são putas de verdade e são estupradas todos os dias, varias vezes ao dia. E por isso continuo achando colonizador se vestir como puta pra ir a marcha, e também utilizar de uma simbologia que historicamente é utilizada para nos submeter, sermos objetos de desejo dos homens e sermos tratadas com desprezo e violencia sendo consideradas vadias quando eles querem que assim seja, ou quando não os agradamos. As mulheres negras também são historicamente exploradas e sendo tratadas como vadias, e lutam para se desvincular deste rótulo. E aí, mulheres brancas de classe média (em sua grande maioria) decidem se apropriar de um termo que machuca e subjuga milhões de nós. Acho que as pessoas que se envolveram na marcha não fizeram questão de ouvir estas criticas, porque acharam talvez mais fácil seguir como marcha das vadias justamente por este apelo que ela teve na mídia? Isso está acima do sofrimento de outras mulheres? É uma corrente que se solidificou no mainstream com certeza, parece que fica dificil voltar atrás. Mas eu não acho mais importante manter um nome e uma simbologia quando se tem conhecimento de que muitas mulheres estão dizendo que querem se livrar do peso de serem tratadas como vadias. A marcha se quer falar da sexualidade e não da violencia, poderia ser a “marcha da sexualidade da mulher”, “pela liberdade dos nossos corpos” em fim.Mas marcha das vadias, das putas eu acho que é um nome que ignora como já falei as opressões que outras mulheres sofrem e pior, ajuda ativamente a tornar invisível estas outras mulheres, e as realidades em que vivem.

Os argumentos que tenho visto serem usados pela marcha das vadias, não são argumentos que justificam a sua adesão. São argumentos feministas. E por isso confundem as pessoas. Obviamente que são os mesmos argumentos que os meus! Sou contra o estupro, contra a violencia domestica, sou contra o machsimo, etc, etc. O que isso explica como motivo para engajamento na marcha? As mulheres da marcha das vadias dizem basta ao machismo. Eu também digo! Só não concordo com a estratégia da marcha para dizer este basta.

Então não adianta citarem o machismo, violencia, etc.etc. como justificativa para adesão a marcha. Pois cita-se o machismo,etc.etc. como justificativa para a não adesão a marcha.

Eu também digo, mexeu com uma mexeu com todas…

em fim, a marcha das vadias não me convenceu. E isso é chato pra mim, além de toda a questão política, pessoalmente estou exposta com as minhas criticas e salve aqui e acolá, muito sozinha.

 
 

uma pergunta pra quem participou, acompanhou e/ou organizou alguma das marchas: fui só eu que senti que aumentou consideravelmente o protagonismo e a atenção dada aos “homens solidários com a causa” neste ano? Senti um pouco de incômodo com isso na própria marcha de porto alegre e na cobertura dada às marchas dos demais lugares que acompanhei na internet. Nem parei para elaborar melhor sobre isso, mas não curti…

sobre as colocações da Aline, concordo com várias, mas ainda assim considero que a marcha está cumprindo um papel importante. Acho super insuficiente, claro que tem que fazer milhares de outras coisas e críticas para estar de acordo com o que entendo por feminismo, mas ainda acho que a marcha está sendo super válida para provocar debates interessantes.

Ainda sobre os incômodos, também me incomodou a glamurização de certas “roupas de vadias”, a fetichização de certos corpos. não é sobre a roupa em si, mas perceber que a pessoa se sinta pelo menos à vontade na roupa que está usando…enfim, em algumas situações a marcha explicita também o que é considerado “a maneira correta” de ser sexy. Mas isso só nos mostra que temos muito ainda por fazer mais além de um dia de festa ;)

 
 

acho marcha das vadias bem problemático, desde o nome, além de heterocentrico, e a transposição classista de experiencia, essa coisa de se vestir de puta segundo a construção machista do que é puta, emfim tudo problemático!!!! Mas nunca fui a uma, e acho que nem iria, por todas essas coisas, desde o nome nao poderia estar num lance assim. Mas… pode ser uma forma de entrada no feminismo pra algumas… talvez se houvessem mais espaças pra falar sobre abusos e essas coisas, espaças de contenção, e tal, talvez tivessem outra entrada nessas questões que só essa marcha tá possibilitando. bjas

 
 

a dicotomia santa-puta é algo que a gente realmente nao percisa, podemos fugir dessa logica misogina. Nao escapamos a logica masculina, pra ser subversivas a coisa é ser puta. Emfim ne

 
 

pois é. acredito que o protagonismo dos homens waslala é mais um indicativo de que a Marcha não funciona muito bem, ou que é problemática como diz a freegana. não que os homens não possam se solidarizar, a questão é por que eles se solidarizam tão facilmente com a Marcha das Vadias?
eu acho que a Marcha contribui para a objetificação dos nossos corpos. demais.e que somos seres(nos mulheres) muito sexualizados, ambos conceitos do patriarcado para nos oprimir e controlar (e culpabilizar!).

a questão da “maneira correta” de ser sexy é a grande contradição da Marcha! o que é sexy?e pra quem? (boas observações “de perto” amiga)

esta questão de que a Marcha tem seu lado bom em função de trazer outras mulheres pro feminismo eu não estou certa. olha, eu coloco estas criticas todas porque eu senti necessidade de compartilhar estas questões, porque a Marcha não me representa, eu diria assim, e vejo que não representa milhões de outras mulheres. mas eu não tenho bola de cristal e nem quero estar “certa” em alguma coisa. eu penso que se a Marcha pode ser uma entrada ao feminismo, eu me pergunto, que feminismo? sei lá, vejo principalmente nas garotas muito novas esta onda digamos assim, que está as construindo de uma forma que elas teriam que depois desconstruir (o que eu penso sobre o feminismo lógico). sei lá, como se estivessemos pondo energia numa coisa pra depois colocar mais energia desfazendo, podendo nem trazer este termo (vadia)horroroso que eu nem sei o que significa e a quem ele se dirige,porque pra mim nenhuma mulher, não importa o que ela faça, é vadia.

 
 

Achei pertinente no debate: blogueirasnegras.wordpress.com/2013/06/...

 
 

viram este? marchamulheres.wordpress.com/2013/05/03...

 
 

o texto na blogueiras negras tinha visto, este da MMM não!
o texto de Ana Flavia, bogueiras negras,coloca pontos importantes.
a questão de que mulheres negras querem mais é se livrar deste rótulo de vadias, do que utilizá-lo,pois a mulher negra diferente das mulheres brancas não “precisam” de comportamentos que as levem a serem chamadas de vadias. acredito que isso em alguns momentos serve para todas mulheres, mas também acredito que é mais forte contra negras o tempo todo.
outra questão que concordo plenamente é que roupas curtas e justas não são transgressoras. e para as mulheres negras isso ainda é mais naturalizado.
também concordo que a Marcha tá acertada e ponto, no ponto de vista das pessoas, e a gente não consegue dialogar ou construir junto.pelo menos não até aqui, pode-se mudar.
o que ela coloca, o racismo que pode ser perpetuado por feministas, ou feminismo branco, acho super importante da gente refletir também.

mas me angustia ver que o feminismo parece estar representado nesta forma hoje em dia, como se fosse o novo feminismo, moderno e quase unanime. se bem que nem tanto felizmente. e também acho importante só enfatizar que as mulheres feministas negras também questionaram ao longo da história comportamentos machistas de homens negros. e que mulheres feministas negras já observaram que sofrem racismo de feministas brancas e machismo por parte de homens negros.

achei muito bom texto da Maria Julia no site da MMM.
achei muito bom isso aqui:
“Mas, curiosamente, uma mulher live é sempre colocada como alguém que veste pouca roupa e que, curiosamente, atende a todos os padrões de beleza machistas. Mulheres que usam calça de moletom não são sexualmente livres e nem tomam iniciativas?”

e essa: “E enquanto isso, os homens têm as mulheres que querem, sem precisar ser “putos”, muito menos santos, só homens.”

mas em fim, acho que não vou ficar me repetindo aqui…

e em fim “2”, são muitas as razões para eu não ir a marcha das vadias mesmo, e nenhuma delas tem absolutamente nenhuma relação com puritanismo…e não somos tão poucas que pensam ou sentem assim.

e vcs o que acharam?

 
   

o caráter e a reivindicação da marcha é heterocentrico e liberal, além de centrado no feminismo branco.

Não é liberador a todas mulheres ou lésbicas compreender-se como vadia. Não é uma identidade a ser reivindicada ou celebrada, senão a ser destruída.

acho que mesmo o feminismo de mulheres que reivindica a identidade de mulher para visibilizar um coletivo político que compartilha uma opressão parecida, mesmo não sendo esse coletivo homogeneo, nunca falou em celebrar o ‘ser mulher’, senão em destruí-lo, destruir as categorias de sexo e a produção das diferenças e desigualdades.

eu achei isso aqui por exemplo, super violento: marchavadiascampinas.milharal.org/files...
não sei porque reivindicar misoginia como empoderamento.
não entendo como podem reivindicar constructos machistas sobre a sexualidade feminina que não passam de representações masculinas da mesma como empoderamento, comprando a mensagem liberal de que temos o ‘poder do sexo’, nesse sentido esse artigo da marcha mundial das mulheres falou bastante bem. Não vejo diferença entre reivindicar ‘orgulho de ser vadia’ e aqueles videoclips da britney e outras cantantes pop, ou o ser ‘loba’ da shakira, dentro de uma jaula dançando desnuda, contemporaneamente todas representações apelam para a construção da sexualidade feminina como esse espelho do desejo masculino. A mulher poderosa é aquela que seduz.

“A ideologia patriarcal tenta convencer as mulheres de que o fato de que os homens as desejem as fazem poderosas, apesar das suas desvantagens sociais. Cicely Hamilton, feminista britanica, acusou aos homens de ter feito hincapie na capacidade sexual da mulher com o fim de satisfazer seu próprio desejo. O sexo proporcionou às mulheres “os meios de sustento”. A teórica lesbiana Monique Wittig demonstrou como a redução das mulheres à categoria de sexo contribuiu na sua opressão:

“A categoria de sexo é o produto da sociedade heterossexual que converte a metade da população em seres sexuais, as mulheres, embora extremadamente visíveis como seres sexuais, permanecem invisiveis como seres sociais"

reivindicar-se como vadia é a mesma coisa que dizer que a sexualidade é o que nos define, que mulheres=sexo.