Algumas reflexões sobre o Mito do Abuso Mútuo entre lésbicas.

Karen Lee Asheran

A idéia de que os casais lésbicos são ‘mutuamente abusivos’ é um dos mitos mais arriscados para as vítimas. Esse mito conspira com o que uma mulher abusiva já está dizendo a sua parceira 1 – que a violência é de responsabilidade da vítima. Pessoas abusivas tem uma habilidade incomum de retratar a si mesmas com encanto e segurança como as verdadeiras vítimas, e elas colocam outras em uma realidade fraudulenta.
Sem uma investigação apropriada, tentativas de restaurar poder roubado (comportamentos auto-defensivos) da parte das sobreviventes podem parecer ‘mutuamente abusivos’. Mas quando as vítimas buscam ajuda e dizem a ela que ela é de algum modo (ou até mesmo, igualmente) responsável pela violência, ela ouve que seu agressor está certo. A mensagem é de que ela é culpada, portanto tem o poder de reparar a violência, e ela volta a sua auto-dissecação crítica que é encorajada pela parceira. Isso a mantém ainda mais profundamente atrapada no relacionamento, e consequentemente aumenta o risco de letalidade.
Em adição, dizer a uma mulher abusiva que sua parceira é igualmente abusiva libera a abusadora da responsabilidade, e elimina qualquer esperança de responsabilização. Ela acredita não apenas que ela não precisa fazer nada para melhorar seus comportamentos, mas também seu senso de si mesma como vítima é fortificado.
Quando provedores de serviço (polícia, corte, terapeutas e outros ajudadores) conspira com a agressora ao rotular um relacionamento como mutuamente abusivo, eles compartilham a culpa por meio de aumentar o risco para a vítima. A seguir, uma lista de frases que ilumina o perigo de dar credibilidade para esta falsidade comum:

“Não está para se dizer que lésbicas agredidas nunca tiveram sido violentas com as mulheres que as agrediram. Muitas sim o foram. Mas a violência é maioritariamente auto-defesa e às vezes é fúria explodida de violações passadas.”
– Barbara Hart, Naming the Violence

“Uma lésbica que foi agredida geralmente acredita… que suas experiências de violência foram ‘mútuas’, já que ela pode ter ‘nocauteado’ sua parceira para poder escapar de um quarto… ou ela pode ter violentamente expulsado a agressora de seu apartamento… ou ela pode ter agarrado um taque de beiseboll e ameaçado agredir a agressora se ela se aproximasse um passo mais, ou ela pode ter num acesso de raiva agredido a mulher que estava agredindo ela.”
– Barbara Hart, Naming the Violence

“Quando eu comecei a acreditar que eu estava sendo abusiva com ela, eu caí numa cilada. Como poderia deixar a mulher que sacrificou ela mesma a tal extensão de poder amar um monstro como eu? Foi naquele ponto que ela sequer haveria dito ‘Pule!’ e eu estaria saltando o mais alto que pudesse cada minuto de forma a tentar redimir a mim mesma. Quando eu ficasse exausta de saltar, isso seria apenas mais evidente que eu não a amava, então eu forçaria a mim mesma até começar a ficar doente.”
– Sobrevivente Anônima

“… imediatamente depois da separação com a agressora, estariam elas confusas sobre se elas haveriam sido agressoras, assim como vítimas. Seu entendimento da violência e agressão no relacionamento teria se ajustado ao sistema de crença do agressor, e isso tomou uma reflexão cuidadosa nas questões de controle e poder para a claridade emergir. Muitas vezes esse processo tomaria meses.
– Barbara Hart, Naming the Violence

“Eu teria sempre sido volátil. Eu jamais fui abusiva”
– Anonymous Survivor

“… agressoras vão ameaçar denunciar atos de violência… apontando que se a lésbica agredida tiver atuado violentamente a tal extensão que ela poderia ser criminalmente responsável, então certamente ela não teria sido agressora e teria engajado em violência mútua”
– Barbara Hart, Naming the Violence

" Agressoras quase sempre vêem a si mesmas como as vítimas da mulher agredida. 2 Essa percepção de vitimização é repetidamente compartilhada com a lésbica agredida"
– Barbara Hart, Naming the Violence

" Por quatro anos eu pensei que eu era o cara mau. Ela não tomava poder no relacionamento por gritar, mas ao invés disso por enfadar-se ou por longos silêncios hostis. 3 Eu nunca poderia colocar o dedo em por que eu era tão irritada, mas eventualmente eu sempre era quem explodia, e quando eu o fazia, ela apontava seu dedo e dizia “Credo, você é louca, você é abusiva”. Ela falava sobre quão difícil eu era de conviver com, e poderia recitar volumes em como eu estava controlando ela. Agora, eu estou começando a realizar que eu estive sempre tentando “compensar” por violações passadas, constantemente me sentindo culpada, e em um jogo interminável de tentar vencer sua confiança esquiva. Nunca teria me ocorrido parar e me perguntar até onde eu confiava nela"
– Sobrevivente Anonima

“Uma vez que todas lésbicas violentadas tiveram se engajado em tentativas extensivas de proteger sua agressora de ser exposta como uma terrorista e das consequencias de sua violência,lésbicas agredidas poderão continuar a ‘tomar conta’ da agressora por culpar a si mesmas, maximizando sua violência e minimizando aquelas da agressora"

– Karen Lee Asheran, The Myth of Mutual Abuse

“Era como se ela tivesse sempre dizendo que eu estava pisando no seu pé. Um dia eu descobri que era impossível não pisar nela porque ela estava ocupando a casa inteira"

– Sobrevivente Anônima

Muitas lésbicas agredidas são mulheres de proezas e poderes físicos substanciais… que escolhem não usar esse poder para controlar a perpetradora, ou poderia fazê-lo apenas de maneira a proteger a si mesmas ou parar a agressora. A lésbica poderosa pode não viver com medo da violência de sua parceira. Ela pode, ao invés,vi rviver o terror dos episódios violen
tos e com ansiedade de confrontações controlada. Mesmo que não temerosamente, ela altera sua vida para acomodar a agressora e se preocupa que seus esforços não irão bastar para evitar abuso.
– Barbara Hart, Naming the Violence
(rever)

“Muitas vezes as agressoras utilizam a auto-dúvida da sobrevivente para sua própria vantagem. Agressoras são célebres em rotular a sobrevivente ‘mutuamente abusiva’ de forma a evitar tomar responsabilidade pelas suas próprias ações.”

– Karen Lee Asheran, The Myth of Mutual Abuse

“Eu cheguei à conclusão de que para escapar dela eu tinha que ser o cara mau. Quase toda tentativa que eu tinha de me colocar em primeiro lugar acabava trazendo consequências. Sempre havia um custo para tudo que eu fazia por mim mesma, e geralmente aquele custo era a culpa. Quando eu me tornei disposta a ser representada como o cara mau não apenas por ela mas pela maior parte de noss@s amig@s, eu fui capaz de escapar dela.”
– Sobrevivente Anônima

“Poderá haver interações psicológicas pouco saudáveis que são mútuas nos relacionamentos, mas nós precisamos ser cuidadosas para não igualar com ‘violência mútua’. Ambas lésbicas podem ser irritáveis e machucadoras uma para a outra, mas isso é bem diferente do ‘poder-sobre’, dos comportamentos ‘esmagadores’ das agressoras.”

– Karen Lee Asheran, The Myth of Mutual Abuse

“Nossa comunidade pode ajudar a parar a agressão entre lésbicas. Nós podemos começar por reavaliar os termos que usamos que perpetuam a violência contra lésbicas agredidas. Podemos apoiar a cura de sobreviventes… por insistir que agressoras e comunidade igualmente não sejam permitidas se esconder detrás da concepção errônea de ‘agressão mútua’.
– Karen Lee Asheran, The Myth of Mutual Abuse

“Lésbicas que lutaram para defender a si mesmas não apenas sofreram pelas agressões das quais foram vítimas, mas também de sentimentos de culpa porque elas atuaram violentamente. Isso cai como luva na falsa noção de ‘agressão mútua’, que continua a camuflar o fato de que uma mulher está exercendo ‘poder’ em cima da outra. Quando uma lésbica agredida acredita que ela é ‘mutuamente abusiva’ com sua amante, ela na realidade protege a agressora de confrontar a si mesma, o que preserva a relação como ela está, e ajuda a agressora a evitar responsabilização pelas suas ações.”
– Karen Lee Asheran, The Myth of Mutual Abuse

“Quando eu descobri que eu nunca poderia pagar pelos meus pecados, tudo que eu devia a ela pelas minhas violações passadas, eu fui capaz de deixá-la. Algumas vezes eu me perguntava se ela me mantinha assim em débito para com ela emocionalmente porque eu acreditava tão fortemente em justiça, e porque ela sabia que eu nunca deixaria se eu pensasse que eu devia muito à ela"

- Sobrevivente Anônima

“Enquanto eu estive envolvida na relação, uma das minhas terapeutas a que fomos me contou que se apenas eu acreditasse que minha agressora me amava, ela poderia parar de abusar de mm. Depois, nós fomos a uma diferente terapeuta de casais. Depois de nos separarmos, a agressora me disse que nossa terapeuta havia dito a ela em uma sessão individual que ela achava que nós havíamos sido mutuamente abusivas”
– Sobrevivente Anônima

“Durante o tempo que nós fomos a terapia de casal, eu estava tão brava com todas as coisas que ela havia feito à mim e que não assumia, que eu era a única que parecia fora de controle. Esta foi a primeira vez que eu tive qualquer esperança de receber apoio peo que eu achava que estava acontecendo, então eu deixei tudo transbordar enquanto ela sentou lá calmamente fingindo preocupação. Muito rapidamente ela a agressora foi capaz de conquistar a simpatia da terapeuta para com ela sobre quão difícil era conviver comigo. Elas concordaram de que eu tinha um problema de controle da raiva, e eu fui enviada a um curso de ‘como manejar a raiva’. Depois de aprender a suprimir a raiva, eu não tinha nenhuma forma de defender a mim mesma. Eu fiquei profundamente deprimida, e finalmente, suicída”
– Sobrevivente Anônima

“Invariavelmente agressoras culpam mulheres agredidas pela violência que elas infligem – alegando que se apenas a lésbica agressora não tivesse provocado ela, as agressoras não teriam sido violentas; que a agressora está realmente sob controle da vítima, desamparada em face a seu comportamento, e levada, portanto, ao uso da violência"

– Barbara Hart, Naming the Violence

“A análise sobre as agressões em relações lésbicas supôe que é uma raridade que uma mulher que é vítima de agressão por parte de outra lésbica num relacionamento se torne a agressora mais tarde no relacionamento com a mesma pessoa que a agrediu… padrões de controle e terrorismo precipitado pela agrssora não são facilmente desfeitos. Precisaria haver um incrível deslocamento de poder da parte da parceira para que então a lésbica agredida adquirisse o poder para usar a violência como uma tática de controle e aterrorizar sua parceira. Isso poderia talvez ocorrer onde a agressora se tornasse fisicamente ou mentalmente incapacitada e consequentemente perdesse o poder por trás da ameaça implícita de violência.
Um mero realinhamento da segurança econômica entre o casal não é o mesmo que uma mudança de poder suficiente para fazer da violência um instrumento efetivo para a vítima em controlar sua agressora. Ademais, se torna cada vez menos provável que o poder e a disponibilidade da violência como uma efetiva tática de controle irá continuar a se deslocar para frente e para trás entre as parceiras enquanto o desequilíbrio de poder se movimenta”
– Barbara Hart, Naming the Violence

fonte:
www.vawnet.org/Assoc_Files_VAWnet/Thoug...

NOTAS:

1 Esse conceito se articula bem com o conceito de Gaslightining.

2 Escrever aqui sobre conceito de vitimização que tá no site abusiverelationships.com

3 Isso se articula bem com o conceito de micromachismo, a recusa a comunicação, desenvolver.