“As palavras e frases novas são uma medida orgânica de mudança. Capturam as transformações da percepção e muitas vezes da própria realidade”Esta frase foi escrita por Gloria Steinheim em 1982, num ensaio entitulado “Palavras e Mudança”. No seu ensaio, ela explica os modos como as feministas mudaram o nosso mundo através da linguagem, e a importância que a linguagem continua a ter na redefinição daquilo que somos como mulheres e no modo como somos compreendidas e tratadas. Uma frase que atualmente é comum nos meios de comunicação e entre os grupos de direitos das Lésbicas e Gays é orientação sexual. É usada em leis gerais e municipais feitas para acabar com a discriminação, e em ensaios de estudiosos que examinam diversos aspectos da homossexualidade. Em toda a nossa sociedade, “orientação sexual” foi codificado como o termo a usar quando se discutem questões envolvendo homossexuais. Ocasionalmente, ouvimos usar o termo preferência sexual em debates retóricos sobre questões das Lésbicas e Gays – mas isso é frequentemente um sinal que o orador é ostensivamente anti-homossexual. Então que diferença faz qual a frase que se usa? A terminologia serve o seu propósito se sabemos, apenas através da terminologia escolhida, quem apoia ou não os direitos das Lésbicas e Gays. Não é? Mas a linguagem não ajuda apenas a etiquetar a realidade – também ajuda a criá-la. Citando novamente Steinheim “Nesta onda (a segunda onda do feminismo] as palavras e a consciencialização lideraram o processo de modo a que a realidade se lhes seguisse”. As palavras que usamos para descrever questões feministas tem uma enorme importância. Precisamos dizer aquilo que pretendemos, não o que é mais conveniente ou simples. Como feministas, o nosso uso da linguagem tem sido, e continua a ser, uma das nossas armas mais poderosas na luta para atingir a igualdade.

Todavia, esta questão é complicada pelo fato de muitas Lésbicas e Gays usarem o termo “orientação sexual” para se descreverem. Muitas vezes usam este termo sabendo perfeitamente o seu significado e que implica determinados pontos de vista em relação à sexualidade humana. Por exemplo, no número de Março de 1993 da revista The Atlantic, Charles Burr escreve àcerca das novas evidências que ajudam a “provar” que a homossexualidade tem uma origem biológica. Ele escreve “Cinco décadas de evidências psiquiátricas demonstram que a homossexualidade é imutável e não patológica e um grande número de novas evidências implicam a biologia no desenvolvimento da orientação sexual”. No princípio do artigo, Burr afirma que “o termo orientação sexual, que nos anos 80 substituiu preferência sexual, põe em evidência a natureza profundamente enraizada do desejo sexual e do amor. Ele envolve nele a biologia.” Isto faz levantar questões importantes – queremos realmente envolver a biologia? Será que as feministas acreditam que a biologia é responsável pelas nossas vidas sexuais? Na verdade as feministas não falam numa voz singular; mas alguns conceitos têm um maior grau de credibilidade feminista que outros.

O debate sobre preferência versus orientação é importante para as feministas porque lida com a maneira como caracterizamos o que é “naturalmente” masculino e feminino. Ou seja, para uma pessoa sentir atração por uma categoria particular de pessoas, essa categoria deve ter definições e limites específicos. As características femininas ajudam a descrever e a definir as mulheres; se uma pessoa é inerentemente atraída por mulheres é num certo sentido inerentemente atraída pela feminilidade. Todavia, a maioria das características a que chamamos femininas foram definidas pela sociedade como tais – como é do conhecimento geral, “feminilidade” não é um termo baseado em fatos científicos ou biológicos. Como feministas, sabemos como pode ser problemático definir o que é “feminilidade” ou “masculinidade”; por isso, necessitamos ser muito cautelosas ao nos referirmos à sexualidade em termos biológicos. Afinal se nós como feministas consideramos que o gênero é uma construção social, como poderemos considerar que a atração por um determinado gênero é fundamentalmente biológica? Mais uma vez, a linguagem que usamos para nos descrever e para descrever as nossas preocupações tem uma importância crítica. Se estamos a usar linguagem que (como foi apontado por Burr) implica a biologia, deveremos sentir realmente que a biologia é responsável pelo nosso comportamento sexual. Esta crença não está limitada às discussões sobre a homossexualidade relacionando-se também com o tópico da sexualidade em geral. As feministas que apoiam os direitos as Lésbicas e dos Gays necessitam de examinar de um modo crítico os seus pontos de vista em relação à sexualidade. Como Ruth Hubbard, uma bióloga feminista da Universidade de Harvard, aponta no livro Exploring the Gene Myth (Explorando o Mito dos Genes) “ Todos nós temos uma grande variedade de sentimentos eróticos. As sociedades definem alguns como sendo sexuais e regulam o grau e os modos em que nos é permitido desenvolvê-los e exprimi-los…

A sexualidade humana é complexa e é afetada por muitos fatores. A incapacidade de arranjar uma explicação clara (para a homossexualidade) envolvendo o meio ambiente não é surpreendente e não conduz à conclusão que a resposta pode ser dada pela biologia”. Se acreditamos que a biologia não é de fato a influência determinante nas nossas vidas sexuais, então deveremos usar uma linguagem que esteja de acordo com este ponto de vista. Atualmente os meios de comunicação de grande divulgação e alternativos apresentam às suas audiências duas posições no debate sobre as origens da homossexualidade: ou apoiamos os direitos das Lésbicas e Gays e aceitamos a ideia que a homossexualidade é determinada biologicamente (a posição “ninguém escolheria ser homossexual”); ou opomo-nos aos direitos das Lésbicas e Gays e acreditamos que os homossexuais escolhem ter um comportamento de “desvio sexual”. O que está a faltar neste edifício de retórica é uma voz feminista forte. Como feministas deveremos admitir o largo intervalo de escolhas sexuais que temos, deixando saber aos outros que essas escolhas deverão ser respeitadas e encorajadas. Ou seja, o conceito de escolha sexual simultaneamente real e vantajoso deverá ser difundido em discussões com heterossexuais e homossexuais.

Todavia, considerando o amor que os Americanos tem para dar respostas simples a questões complexas, é fácil compreender os raciocínios usados para a descrição da sexualidade em termos biológicos. Este enquadramento das origens da homossexualidade torna mais fácil lidar com os nossos aliados heterossexuais da Esquerda. Dizer que a sexualidade é imutável torna mais fácil aos heterossexuais liberais e compadecidos lidar com a questão da homossexualidade. É menos intimidativo e menos complicado, porque dizer que uma pessoa escolhe ser homossexual é dizer simultaneamente que não se escolhe ser heterossexual. E alguns heterossexuais ficam incomodados ao ouvirem as suas opções de vida serem rejeitadas. No entanto, os heterossexuais não terão que se sentir criticados ou julgados sobre a sua vida sexual, se puderem defender que a homossexualidade é resultado de algum fator biológico que não pode ser controlado. Aos homossexuais também lhes agrada esse conceito de “origem biológica” porque reduz o conflito entre homossexuais e heterossexuais ao explorar das semelhanças existentes na vida das pessoas, em vez de fazer uma análise crítica das diferenças vividas pelos homossexuais e heterossexuais. As Lésbicas e os Gays tem que lidar frequentemente com sentimentos de alienação e isolamento culturais; portanto quando lhes é dada uma oportunidade de construir um sentimento de aproximação, existe um desejo de a apadrinhar. Por outras palavras, usar a biologia como explicação para a sexualidade ajuda a despolitizar o controverso debate sobre a homossexualidade.

Alguns ativistas dos direitos das Lésbicas e dos Gays também acreditam que terão mais sucesso na luta contra a discriminação nos tribunais e nas legislaturas se puderem “provar” que a homossexualidade é uma característica biológica. O Supremo Tribunal dos EUA teve que lidar no passado com casos de discriminação contra grupos minoritários “imutáveis”. Portanto as Lésbicas e Gays envolvidos em estratégias políticas acreditam que ao adotar o termo “orientação” e a filosofia que é o seu corolário (quer pessoalmente acreditem nela ou não) irão obter a curto prazo alguns benefícios políticos. Todavia, como nos lembra Hubbard, “Ter conhecimentos básicos das diferenças em biologia não acaba com os preconceitos. Pelo contrário, os Africanos-americanos, Judeus, pessoas com deficiências físicas e também os homossexuais foram perseguidos por “deficiências” biológicas, tendo havido mesmo tentativas de exterminação para evitar a “contaminação” biológica. E as mulheres também têm lutado pela equidade como grupo imutável e ainda estamos longe dessa igualdade. A vantagem política que supostamente ganhamos ao usar o termo “orientação” é no mínimo questionável.