Se você tem algum contato com o feminismo atualmente poderá responder: Quantas mulheres se afastaram do feminismo nos últimos tempos? Quantas decidiram desaparecer politicamente? Quantas mulheres foram expostas de modo imaturo e por isso sumiram? Ou quantas escondem suas opiniões por medo de tal exposição? Quantas preferem se preservar psicologicamente? Quantas mulheres vocês conhecem que são silenciadas por medo de exposição? Uma… duas… várias… Por onde anda aquela amiga que estava sempre aqui nos educando politicamente? A prática da exposição está cada vez mais comum, e não adianta argumentar sobre os motivos que tal prática pode ser devastadora, porque sempre aparecerão justificativas para o ato. Sempre há um lado justificado como correto para exposição, e até dois ou mais (Não é raro ver dois “clubinhos” disputando sobre qual deles está mais errado ao expor alguma mulher.)

Em 1969 Ti-Grace Atkinson, questionando sobre sua época e sobre quem era o inimigo do feminismo, perguntou “certamente o inimigo deve ter sido definido em algum momento. Caso contrário, em quê nós estivemos atirando nos últimos dois anos? No ar?”1. Pensando no mesmo, refiz esta pergunta nos últimos dias, e não sei por que me surpreendi com a resposta. Durante todo este ano em quem nós atiramos? Em quem, além de nós mesmas? Óbvio, que ao fazer tal crítica não pretendo cair na ideia de uma sororidade que inocenta qualquer mulher de um ato falho. O que acontece é a falta de diálogo, não há leitura da outra pessoa. Não pode haver discordância, pois se houver, não há mais conversa, e sem conversa há a exposição.

Por que não se pode conversar sobre as discordâncias? Por que é difícil discordar sem atacar a outra? Por que sempre que alguém discorda politicamente de outra, rapidamente essa discordância se transforma em algo pessoal? Por que cada vez mais há a divisão entre mil “clubinhos”, parecendo um grupo de colegiais (isso na prática da exposição)? E ainda, por que há a cobrança de mulheres politicamente perfeitas? “Mulheres maravilhas” que não podem cometer um erro sequer, seja no presente ou no passado, que já são condenadas ao ostracismo. Estamos em busca da feminista perfeita, que nunca erra? Ou quem sabe uma santa feminista?

Lembram que no passado as mulheres precisavam escrever e se manifestar anonimamente, porque não era permitido tais ações por mulheres? Ou então, por medo de represálias? Hoje acontece o mesmo, ou escrevemos anonimamente, ou nos calamos. Porque o feminismo virou lugar de um erro só: errou, está exposta.

Parece que estamos correndo em círculos, por não sabermos para onde ir. Mas, por que isso? A resposta, creio eu, se volta para a mesma questão que Atkinson levantou há 47 anos atrás: quem é o inimigo do feminismo? Afinal, sem um inimigo definido a quem iremos atacar? Ao que parece, atacamos a nós mesmas. Nos atacamos porque temos posicionamentos políticos diferentes? Nos atacamos porque não conseguimos argumentar contra posicionamentos contrários aos nossos de forma impessoal. Tudo é carregado para o lado pessoal. É como se certos posicionamentos fossem incriticáveis, ou que, ao questionar um posicionamento, você está questionando a pessoa que se posiciona, até que isso se transforme em uma imensa bola de neve de ofensas pessoais. Até quando vamos nos comer internamente, e deixar o verdadeiro inimigo intocável?

Por isso, penso que o inimigo transfigurado em algo abstrato como “sociedade” ou “estrutura patriarcal” é perigoso. Sem face os ataques são desordenados, confusos, e nos perdemos. Estamos perdidas, nos atacando mutuamente, esquecendo do verdadeiro inimigo: o homem. Se houver clareza sobre quem é o verdadeiro inimigo, todos os alvos serão melhor direcionados. Enquanto nos atacamos, o verdadeiro inimigo permanece intacto.

Mas e o que acontece quando atacamos esse inimigo? Isso é conversa de um próximo texto…


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1 ATKINSON, Ti-Grace. Radical feminism. New York: The Feminists, 1969.