críticas ao poliamor como projeto para lésbicas desde um viés feminista e mulher-identificado

A destruição da possibilidade de cumplicidade íntima entre mulheres é uma maneira de destruir nossas comunidades e à nós mesmas, reduzindo a sexualidade a um mecanicismo grosseiro e impedindo vinculos profundos entre mulheres. Recuperando as sensações de medo e competição que já vem nos destruindo como comunidade de mulheres.Considero quase sempre a relação aberta, uma forma de agressão e tortura psicológica mutuamente consentida num contrato coercitivo liberal e machista. Vejo que historicamente, as mulheres não tiveram segurança. Elas não podem esperar nada de um relacionamento também, ainda mais depois da contra-cultura sexual dos 70, é ser retrógrada não aceitar ser mais um objeto de troca entre homens liberados. Essa liberação privilegiada-masculina deles não é a mesma liberação que nós necessitamos.Não temos construções de relações substanciais porque são uma ameaça ao sistema. É preferível que nos instrumentalizemos.Relações são sobre responsabilidade, segurança, contenção também, e precisamos admitir isso. Neste mundo lesbofóbico, misógino e de capitalismo extremamente violento e vulnerador, temos necessidade de amparo mútuo e comunitário acentuado.Emprestar expressões machistas e masculinas de anarco-movimentos já criticados pelas mulheres que neles estiveram na história, e principalmente da contra-cultura sexual (Revolução Sexual) dos 70 que não passou de um Backlash às mobilizações e avanços feministas e de mulheres, possui riscos para nós. E não passam senão de uma estratégia machista pra colonizar nossas comunidades com ódio mútuo.Pra muitas feministas, a alternativa à relação de “pareja” é a pobreza relacional, como maneira de proteção pessoal bastante liberal. Eu não tenho nenhum acordo com essa história de que temos que ser “sozinhas”, “autônomas” num sentido bem pervertido e liberal, que é o de ‘única culpada de tudo’. “Lide isso você mesma”. A raiva de mulheres é justificada, muitas vezes o que chamam de ciúme é reivindicação de responsabilidade e igualdade de decisões em uma relação, compromisso com o que os vínculos implicam. E implicam muita coisa.Ninguém é ‘sozinha’, no sentido liberal, de que existe uma auto-subsistência totalmente individual. É preciso redefinir autonomia para não cair nos paradigmas falsos liberais que pretendem culpar a vítima e desolar sujeitos. É certo que sem sujeito não há libertação, mas tampouco sem comunidade não há libertação real e coletiva."

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eu acrescentaria ao texto que poliamor é defesa e medo de intimidade. tinha um texto muito bom de umas separatistas sobre isso, sobre o medo de intimacy, de relações íntimas… ainda acrescenta-se isso o fato de muitas lésbcias serem sobreviventes de abuso sexual infantil e posterior, muitas lésbicas tem defesa contra intimidade, sentem ela como aniquiladora, e vivem essa sexualidade da dissociação, fazem outras ter essas experiencias dissociadas em que são mutuamente conveertidas em sexo. Isso é re-objetificação. e outra, eu da ultima vez meu insight foi de que poliamor é estupro. Simplesmente porque ele força uma relação sexual na sua relação sexual com a pessoa. Geralmente as mina meio que coagem a coisa na relação, e a outra aceita porque comeu ideologia liberal (anarquismo), e acha que precisa fazer um ‘esforço’, que ela que tá errada (a ideologia RLI serve pra culpabilizar a vítima e confundir ela de noemar a violência que lhe está ocorrendo), que ela que precisa fazer um exercício gigantesco pra driblar sua angústia, que geralmente atrapalha até seu funcionamento diario. Aí geralmente o que ocorre é que as vítimas ‘cedem’ a relação que a outra tá enfiando na relação delas, muitas vezes pra não perder a relação atual. Traição é historicamente uma forma de homens machucarem mulheres, atacarem sua auto-estima, e é objetificante, a mulher se sente culpada, se sente usada, se sente falha, se sente trocada. E é uma punição por não dar o que o contrato sexual traria implícito: o sexo. Porque todas relações num heteropatriarcado tem como inspiração o contrato heterossexual que é em si uma prostituição, as mulheres aprendem desde cedo a trocar seus corpos por afeto, por teto, por segurança, etc. E essa vulneração se acentua para lésbicas. Por isso, acho que temos que cuidar muito com essa questão do RLI, essa é uma ideologia masculinista que não nos serve. Eu também não curto relações prisionais inspiradas no contrato hetero, onde me sinto tratada como uma posse. Mas pra mim a liberdade passa pelo respeito e por escolher, não pela transgressão ou pelo consumo de corpos. Uma relação RLI pode ser tão autoritária quanto essas relações de encerro, porque a mina tá decididno pela outra a relação, raramente são consensuais, uma tá decididno meter outra pessoa na relação delas, e essas triangulações são destrutivas pros vinculos entre mulheres, são anti-sororárias, colocam mulheres em situação de rivalidade, antipatia, e disputa. Porque de fato é agressivo e ante uma agressao a getne se defende, seria bem louco esperar que mulheres e lésbicas sorrissem pro que tá acontecendo com elas, que tratasse bem a mina que tá fazendo parte da tortura dela também né. E quanto a identificação com a agressora, misturada a ambivalencia emocional da situação de relacionamento intimo, torna esse ato um abuso. Pois pra mim o que define um abuso por abuso é o fato de que o abusador utiliza do vinculo de carinho e confiança da vítima pra atender seus próprios interesses, usa essa confiança e amor pra abusar, como é no caso do abuso infantil, o que apenas torna o RLI uma reedição dessa quebra de confiança experimentada no abuso.

acho que a violência pode se manifestar em ambos modos de relacionamento. Penso que ainda estamos por criar um modo próprio de nos relacionar, especificamente feminista e criado por mulheres, porque tanto a monogamia (contrato sexual) quanto o RLI foram criados pelos homens, o primeiro pelos que primeiro implantaram a propriedade privada e a família, e o segundo por anarcomachos do século XVIII. Eu vejo muita violência ser replicada no RLI lésbico. E liberalismo para culpabilizar a vítima, dizer que é ela que tá sendo violenta ao se sentir agredida pelas saídas da companheira.

O que é livre? Pra mim livre é ser garantida minha integridade emocional, eu ser respeitada, é o consenso ativo e constante, construido, a mutualidade, o respeito recíproco… a empatia, a não-objetificação, a não tratoração. Estupro é fazer eu passar meu desejo por cima do desejo da outra. Se o amor livre rola nessa dinâmica de eu passar por cima da ourta ele não é livre, é autoritarismo, é agressão, é silenciamento, é mais abuso de nossos corpos.Estaremos nos jogando de forma precipitada em propostas liberais na ânsia de nos curar de experiências de violências em relações passadas, onde ficou muito presente a marca patriarcal do aprisionamento e do confinamento, da perda da individualidade? Como construir relações que tenham realmente um ponto de partida feminista? (*)Eu acho que como feministas radicais problematizamos essa coisa da necessidade sexual e do sexo-porque-sim. Isso é muito coisa de homens, de esquerda sexual e de liberais sexuais. Tipo ah, tenho tesão por outra pessoa. Por que isso deveria ser um dos problemas mais relevantes em uma relação entre duas pessoas? Não é porque eu tenho um tesão que eu tenho que atuá-lo. Sexualidade implica éticas sim. É isso que feministas radicais tentam trazer. Eu não posso atuar sempre meu desejo, se ele implica agressão à alguém. Pode não ser um abuso direto do corpo da sua companheira, mas é um abuso quando você atua um desejo que pode ser uma agressão pra ela, que pode gerar dano emocional. Parece que se perdeu o foco feminista da questão, que tentava visibilizar o maltrato. Parece que se fala e fala em como fazer do amor livre consensual, mas pouco se debate sobre nossas sensações, nossos sentimentos, e como fomos agredidas nisso, e principalmente: por que nos desestabiliza, por que nos agride? Que modalidade de abuso é essa que se passa entre duas pessoas por meio da relação extra-conjugal? Eu não tenho que atuar todo e qualquer desejo nem ter uma sexualidade com outra pessoa porque essa é a imposição de uma sociedade que sobre-valoriza o sexo (considerando enquanto feminista, sexualidade como modalidade de exploração patriarcal). Isso implica responsabilidades, implica outra sujeita, outro psiquismo, uma subjetividade, uma integridade a ser prezada. Não é porque a pornografia te excita que você tem que consumí-la. Não é isso que justifica o consumo. Temos que ir além de valores como estes, de excitação sexual, pra pensar nossas éticas.

(3 de septiembre de 2014)