A publicação de Problemas de Gênero coincidiu com a aparição de uma série de obras que afirmavam que “o vestido faz a mulher”, mas eu nunca pensei que o gênero fosse como um vestido, tampouco que o vestido fizesse a mulher. A isto se resume, não obstante, as necessidades políticas de um movimento queer emergente em que chegou a ocupar um lugar central no fato de dar publicidade à instância teatral.
A prática mediante a qual se produz a generização, a incorporação de normas, é uma prática compulsória, uma produção de força, embora não que ela se resulte completamente determinante. Posto que o gênero seja uma atribuição, se trata de uma atribuição que nunca se assume plenamente de acordo com a expectativa, as pessoas às quais se dirige nunca habitam por inteiro o ideal que se pretende que se assemelhem. Ademais, essa encarnação é um processo repetitivo. E a repetição poderia se construir precisamente como aquilo que mina a ambição de um domínio voluntarista designado pelo sujeito da linguagem.
Como se vê claramente em Paris Is Burning, o travestismo (drag no original) é uma postura subversiva problemática. Cumpre a função subversiva na medida em que reflete as personificações mundanas mediante as quais se estabelece e naturaliza os gêneros ideais desde o ponto de vista heterossexual e que mina o poder de tais gêneros ao produzir essa exposição. Mas nada garante que expor a condição naturalizada da heterossexualidade basta para subvertê-la. A heterossexualidade pode argumentar sua hegemonia através de sua desnaturalização, como quando vemos essas paródias de desnaturalização que reidealizam as normas heterossexuais sem questioná-las.