“A detração não é, necessariamente, uma mentira. Pode ser verdadeira ou falsa. O que marca a detração é a intenção de atacar, de diminuir, de jogar lama no alvo do meu veneno. Depreciar, como já insinuamos, significa elevar a minha posição. Essa é a chave do sucesso do detrator. A infâmia anunciada pelo narrador pode nascer de fato concreto e comprovado. Pode ser invenção absoluta. O objetivo é o mesmo: quero arranhar ou quebrar o vítreo telhado alheio. O importante é puxar bem para baixo, desnudar histórias, atacar. Bem, por definição ‘puxar para baixo’ implica reconhecer que estou abaixo de quem falo mal. Esse é um dos problemas do falar mal: ele reconhece que me sinto abaixo ou, ao menos, que desejo estar por cima ao falar mal(…)
A fofoca é anárquica e cresce em progressão geométrica. No boca-a-boca clássico e presencial ou nas redes sociais, ela escapa a qualquer controle. Tememos tudo o que foge à nossa supervisão. Calúnia é comparada a um travesseiro de penas aberto em torre alta. Uma vez iniciada, entra em modo aleatório.
(…)
A malediência é uma arte, há regras. O fofoqueiro jamais pode ignorá-las. Vamos a algumas:
a) Preciso demonstrar que não falo por maldade, mas por vontade de ajudar. Revelo coisas a você para que esteja ‘precavido contra aquela pessoa’. Insinuo que gosto da pessoa da qual falo, no entanto… Destaco até alguns pontos positivos. Um elogio a meia-voz é um prólogo de uma fofoca. O detrator não pode destilar maldade sem manifestar que e uma ótima pessoa e que ressalva aquilo para ajudar.(…)
c) A maledicência deve ser crível, não pode fugir do plausível, mesmo que seja uma mentira. O bom fofoqueiro sabe que há limites.
d) A melhor detração insinua mais do que afirma. Veneno diluído é melhor aceito (…) Assim dizendo sem afirmar, elogiando quando se condena, dizendo limpar quando enlameia, o detrator-fofoqueiro terá grande sucesso(…)
A fofoca de personagens reais apresenta, de forma clara, um objetivo de poder ou de enfraquecimento dele (…) Fofocas políticas são mísseis teleguiados. A detração é uma forma de fazer alianças. Ela surge como um recurso para estabelecer jogos de poder. Tento obter informações do outro, especialmente seus pontos fracos. Tudo fica mais forte e intenso se esse outro é meu adversário.(…)
Tal como a inveja, a detração é um erro que não se assume. Ninguém afirma que quer falar mal porque gosta do veneno da conversa corrosiva. A detração política se reveste de vontade piedosa e de cidadania. Falo mal porque, afinal, quero o melhor para o meu país. Precisamos desmascarar este deputado, aquela prefeita, este governador, aquela presidenta.(…) Quase sempre, como a inveja, a detração da pessoa pública é uma seta envenenada dirigida a um ídolo. O sucesso deve ser punido. O poder é intolerável. A beleza… um insulto pessoal. Felicidade e dinheiro? Insuportáveis! O que resta como arma é o falatório, uma espécie de homenagem de vetor trocado. Mas este político não é tudo aquilo que dizem dele? Provavelmente sim e muito mais. E por isso que nos merecemos todos.
Um debate político contemporâneo, como temos assistido, não é um confronto de idéias ou propostas. Um debate político hoje é um rosário de ataques pessoais. (…) Se isso aparece e influencia o resultado, é porque o ataque pessoal goza de alto ibope”

(A Detração, Breve ensaio sobre o maldizer. Livro de Leandro Karnal. Sei que o cara é um bosta mas esse livro é útil)