Prefácio:

Tudo começa com a ecologia clássica. Ou seja, a Natureza vive em equilíbrio, cada elemento, planta ou rocha, fungo ou estrela, possui o seu lugar para manter essa dança numa harmonia inspiradora. A Natureza é sábia, a Natureza é bela. De repente, no meio desse todo coeso e autorregulado surge a corrupção. O ser humano, antes aos poucos, agora de maneira cada vez mais vertiginosa, se afasta de suas origens, quebra o alegre pacto da vida, torna-se uma aberração.

Portanto, acima de tudo e antes de mais nada, nós, entre todas as pessoas ignorantes e violentas, nós, que somos conscientes e prestativos, devemos voltar para o caminho. E dada a urgência em que vivemos a cada momento, precisamos ajudar a Mãe Natureza, coitada, tão explorada, tão fora de si.

Ecologia e cibernética foram ciências complementares, uma baseada na noção de equilíbrio, a outra na de autorregulação. No século XIX, junto com a “ciência” que pretendia inferir comportamentos étnicos através das medidas do crânio, a crença no Equilíbrio natural foi usada como dispositivo colonial: para que o universo funcione, cada ser necessariamente tem o seu lugar, e o da aristocracia europeia era o de senhores da Terra. Qualquer deslocamento botaria tudo a perder.

No meio do século XX a moda mudou, porém os pressupostos continuavam muito semelhantes. De Salazar a Hitler, a identificação do Bem com a Natureza fez criar a ideologia de que um povo saudável e poderoso é aquele diretamente vinculado à terra. Isso porque estar em contato com o chão, as plantas e os rios nos aproxima do Equilíbrio natural. João Bernardo aponta, no texto selecionado nessa coletânea, que “segundo Walter Daré (ideólogo nazista), a população sedentária que compunha o mundo agrário fora o elemento fundador da raça nórdica e continuava a fornecer-lhe o esteio mais sólido e duradouro, em contato orgânico com a terra, regada pelo sangue dos antepassados”.

Apesar de efeitos potencialmente diferentes, defensores da agroecologia e apologistas do modo de vida indígena partem dessa mesma ideia. Existe um jeito certo de estar no mundo. Por mais perturbador que isso possa parecer quando dito com todas as letras, aí está a chave para entender a fusão, muito possível, entre ecologia e fascismo.

Uma vez ajudei a organizar uma atividade que buscava evidenciar a autonomia que nós já possuímos. Começamos descrevendo um cenário hipotético: imagine que foi deflagrada uma greve de caminhoneiros e que, portanto, esta cidade não receberá mais combustíveis. Como toda cidade é um local de concentração e subsequente distribuição de recursos e serviços, no momento em que o transporte para o centro é interrompido, a distribuição interna não tem mais como acontecer. Imaginando esse cenário, lançamos a primeira pergunta: o que, a partir de agora, nós, com nossos próprios corpos e relações, teremos que cuidar? Usamos meia hora para juntar, através de uma chuva de ideias – onde não discutimos, apenas somamos –, todos os campos da vida: energia, comida, comunidade, saúde, arte, transporte, abrigo, etc. Neste pouco tempo, as pessoas presentes facilmente concordaram ao elencar o que lhes era caro para viver. Não havia dúvidas nem conflito.

Depois de uma rápida sintetização do que foi falado, dividimos as várias ideias em algumas poucas áreas. Isso visava a divisão das pessoas em grupos menores para debates mais focados. Assim, a segunda questão que lançamos, com base nesse campo comum de necessidades, foi: o que nós, com nossos próprios corpos e relações, já fazemos hoje para cuidar e atender a essas necessidades?

O resultado foi negativamente surpreendente: um silêncio frustrante cobriu o espaço, sendo rompido somente por uma ou duas ideias delirantes sobre o que deveríamos fazer, e não descrições de práticas reais que já compõem nossas vidas.

Pode ser que essa tenha sido a primeira vez que aquelas pessoas haviam pensado no assunto. Talvez elas nunca tivessem passado por dificuldades materiais. Talvez elas fossem privilegiadas o suficiente para já receberem da sociedade o que precisavam. Talvez, tendo vivido sempre numa cidade, essas pessoas não haviam desenvolvido outras habilidades que não aquelas relacionadas à burocracia e à obediência. Independente do que possamos supor sobre a razão daquele silêncio, o fato é que ninguém está preparada para uma situação de crise. Seja individual ou socialmente. Se a água acabar (São Paulo, 2014-2016), se a eletricidade faltar (Brasil, 2001-2002), se não houver mais combustíveis (BR, 2018), o que faremos? O que fizemos?! Afinal, quem poderá nos defender?

Será que esse é o efeito de 10 mil anos de autoritarismo e submissão? Será que a obediência ensinada na família, na escola, no trabalho, nas instituições enfim, cria as condições para nossa confusão sobre o que fazer? Instila na sociedade essa falta de confiança em nós mesmas? E será que a combinação de tudo isso resulta na imensa dificuldade de nos organizarmos socialmente?

Como aponta Lierre Keith, no livro “O mito vegetariano”, “a sociedade civil estará sob uma tremenda pressão num futuro próximo. À medida que as configurações básicas da sociedade industrial comecem a falhar, o fascismo é um dos resultados mais prováveis. Quando as pessoas estão desesperadas, elas são muito vulneráveis a soluções fáceis e autoritárias, especialmente aquelas que utilizam bodes expiatórios”.

Ao montarmos esta coletânea, tivemos em vista que o futuro será catastrófico e que a socialização básica do ser humano há muitos séculos é a submissão. Nos parece que as habilidades e os recursos para levarmos nossas vidas com autonomia estão longe de nossas mãos. Será que temos noção dessa incrível vulnerabilidade?

Os textos a seguir visam sacudir a poeira dessa alienação e são um convite desconfortável para percebermos como os inegáveis valores ecológicos vêm gerando práticas autoritárias.

Em “O mito da natureza”, João Bernardo aborda em três partes como esse mito foi um dos pilares ideológicos do fascismo. A primeira, analisa de modo geral a tensão entre ecologia e desenvolvimento técnico, culminando na figura do camponês, como interface nacional de conexão com a natureza. A segunda olha para o desenvolvimento fracassado da agricultura familiar no fascismo europeu, enquanto o último aponta como o nazismo, levando ao extremo a noção de equilíbrio natural, promoveu uma guerra pelo “solo e o sangue”.

As críticas de João Bernardo à agroecologia nos fizeram pensar muito sobre as origens e condições da fome crônica, mesmo discordando no geral da sua análise marxista do inevitável desenvolvimento da sociedade.
Em “Ecofascismo revisto”, William Gillis faz um comentário amplo e cheio de digressões sobre o livro “Ecofascismo, lições da experiência alemã” e o contexto do meio anarquista do seu lançamento nos anos 1980. Com um estilo mais informal e abordando questões filosóficas, Gillis, assim como João Bernardo, traça uma genealogia da ideologia nazista baseada na defesa da natureza. O tradicionalismo resultante possui uma semelhança assustadora com posições primitivistas. “É preciso se deixar levar”, “as coisas precisam acontecer naturalmente”, “foi a razão que nos trouxe à beira do abismo, logo, temos que abandoná-la”, pensamentos como esses colocam uma venda sobre nossa capacidade crítica (científica ou não) tornando-nos ora seres dóceis nas mãos de poderosos carismáticos, ora irascíveis seguidores da lei do mais forte.

Por se tratar de uma resenha permeada por relatos pessoais, em muitos momentos esse texto se apresenta confuso ou difícil. Nem sempre uma mente acadêmica se beneficia de uma linguagem coloquial. Entretanto, em muitos momentos Gillis traz questões que nos parecem de importância crítica para esse debate.

Por fim, extraímos o 5º capítulo do livro “Colapso” de Carlos Taibo e o posicionamos aqui a título de conclusão. Apesar da grande quantidade de “poréns” e “entretantos”, Taibo apresenta novamente a história catastrófica do século XX, mas para além disso, avalia possibilidades sociais futuras tendo em vista a trágica virada ambiental que se avizinha.

Quem nunca ouviu frases como “tem gente demais no mundo” ou “onde tem pobre, tem lixo”? Numa situação de colapso devido ao aquecimento global e à escassez de recursos naturais, a “solução fácil” proposta pelas pessoas de bem não será outra que o extermínio daqueles que não se alinham com a (sua) defesa da Mãe Natureza. E não há nenhum problema de consciência nisso. Afinal, “é preciso fazer alguma coisa para salvar a Terra!”

O ecofascismo já mostrou sua cara durante o século XX, principalmente na Europa. Não sem fortes contradições, gigantescas máquinas de guerra estatais, arrancando incansavelmente matérias-primas para a destruição de populações vizinhas, promoveram políticas públicas de preservação ambiental e o enaltecimento da vida no campo. O ponto não é verificar se eles eram “verdadeiros” ecologistas, mas mostrar o que se pode fazer com uma ideologia. Enquanto continuarmos vendo nossa responsabilidade como indireta, belas palavras seguirão nos fazendo sorrir com tranquilidade, somos crianças aquecidas por Fukushima, alimentadas pela soja do Mato Grosso.

Hoje, a ascensão de governos de extrema-direita em contexto de catástrofe iminente apontam para o que virá. A classe média vem adotando e exigindo valores ecológicos, sem mostrar nenhum interesse por quem produz a sua comida ou o que é feito com sua merda. Coisas como energias renováveis e comidas orgânicas vão se tornando senso comum, ao mesmo tempo que o senso comum elege Bolsonaro. Para muitos, a Amazônia queima lá longe (há décadas!), uma catástrofe distante, que não tem nada a ver com o seu conforto. Nos parece muito possível que essa mesma classe média incentive a construção de formas democráticas de expurgos, desde que alguém faça o trabalho sujo e a responsabilidade esteja tão afastada que não consigamos vê-la.

Alguma start-up a fim de desenvolver um aplicativo que intermedeie essa nossa salvação?

O Ecofascismo

(Capítulo 5 do livro Colapso – capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo, de Carlos Taibo)

“Existem razões para estarmos inquietos, porque agora sabemos que vivemos em um tipo de sociedade que possibilitou o Holocausto e que não tinha nada que pudesse evitar que o Holocausto acontecesse” Zygmunt Bauman

“O passo da barbárie à civilização exigiu um século; o passo da civilização à barbárie necessita apenas um dia” Will Durant

Já indiquei que a contribuição dos movimentos através da transição ecossocial não é a única resposta imaginável ao colapso. É preciso prestar atenção, em vez disso, a uma outra muito diferente, que vem da mão do que alguns estudiosos chamam de ecofascismo. Este último é baseado na intuição de que para resolver eficientemente o problema geral da escassez não há outra solução do que propiciar um rápido e forte declínio no número de seres humanos que povoam o planeta.

Tal aposta carrega, claro, a marginalização, e, neste caso, o extermínio, de boa parte da população, amparada na aplicação de delicados critérios para determinar quem fica e quem não. Se às vezes a opção de exclusão e de extermínio justifica-se em virtude de códigos religiosos, outras invoca um mero poder material e algumas vezes se vale de presumidas exigências naturais, ela sempre opera com base em uma ideia matriz: a de que a Terra não pode mais.
Admito que, inevitavelmente, o emprego do prefixo eco-, comumente conotado de forma positiva, acaba produzindo alguma surpresa quando usado para retratar uma realidade tão negativa como a que agora me ocupa. Terei a oportunidade de destacar, no entanto, que distintas manifestações da ecologia estiveram presentes, de forma indelével, nas formulações ideológicas, e nas práticas cotidianas, de movimentos de corte fascista. É importante deixar claro, contudo, que hoje, ao falar de ecofascismo, não estou pensando – ou não estou pensando fundamentalmente – em eventuais versões verdes de forças políticas de extrema direita, mais ou menos marginais. Penso, pelo contrário, em abordagens que vêm à luz no ceio de instâncias políticas e econômicas de primeira ordem. Convém discutir, em qualquer caso, que, falando propriamente, o ecofascismo seja uma resposta frente ao colapso: na verdade, parece que ele é, pelo contrário, uma manifestação precisa deste último.

O ecofascismo primeiro: a Alemanha hitleriana

Ecofascism Revisited (O ecofascismo revisitado), o livro de Janet Biehl e Peter Staudenmaier, é, acima de tudo, um estudo da proposta ecofascista assumida pelos nazistas alemães. Nas páginas dessa obra, recorda-se prontamente que no Partido Alemão Nacional Socialista operava um influente grupo de pressão ecologista dedicado a tarefas variadas, como a adoração da natureza, o renascimento da vida rural ou o vegetarianismo. Essa corrente foi o produto de uma síntese muito singular entre naturalismo e nacionalismo de Estado, forjada ao calor da influência do irracionalismo anti-ilustrado próprio de determinadas manifestações do romantismo alemão. Por trás de muitas destas posições era fácil notar, além disso, um vínculo entre pureza ambiental e pureza racial. As tradições e a língua se relacionavam então com uma paisagem ancestral que desenhava seres humanos vinculados a ela e outros totalmente afastados. Os primeiros se referiam, no caso que me ocupa, à “essência alemã” da que fala Rudolf Bahro. Era preciso separar, então, em virtude da lei natural, umas culturas de outras e privilegiar, como faz Herbert Gruhl, as que possuem as melhores perspectivas em matéria de sobrevivência. Ou seja, as que estão mais bem armadas e as que sabem preservar seus recursos. Desse ponto de vista, e adicionando-se, claro, a noção do autoritarismo e da repressão, é possível entender o extermínio dos judeus europeus durante a segunda guerra mundial e a rejeição abrupta dedicada aos imigrantes. Biehl conclui, com argumento certeiro, que “esta combinação de nacionalismo, autoritarismo e admiração por líderes carismáticos, legitimada por uma ‘ecologia’ mística e biologicista, é potencialmente catastrófica no terrenos social”. Staudenmaier aponta que a guerra travada com esses fundamentos não foi apenas genocida: teve também um caráter ecocida plasmado num formidável exercício de violência contra a natureza.

Biehl e Staudenmaier ressaltam que seria, contudo, um erro considerar esta corrente ecologista como um mero adorno da parafernália tecnocratica-industrial dos nazistas. Nos fatos, e antes deles, a maioria dos ideólogos nacional-socialistas participava de um romantismo agrário e de um anti-urbanismo que reclamava um processo de re-agrarização. Em março de 1933, foram aprovadas leis que acarretaram, em todos os níveis, programas de reflorestamento, medidas de proteção de animais e plantas, e decretos que limitavam o desenvolvimento industrial. Em 1935, ganhou corpo, por outro lado, uma lei de proteção da natureza voltada a proteger a flora, a fauna e os “monumentos naturais” do Reich. É importante enfatizar, contudo, que o fenômeno que me atrai agora não foi de modo algum exclusivo da Alemanha hitlerista. Se fez valer também, muito pelo contrário, na Itália fascista, sob a forma de políticas de desenvolvimento ruralizantes e de esforços de reflorestamento, estreitamente ligados, como se poderia esperar, com uma ideologia nacionalista e racista. Os exemplos mencionados nos colocam de sobreaviso, é claro, frente a possíveis usos abjetos da ecologia.

Convém, no entanto, dar mais um passo e formular alguma consideração relativa ao contexto em que ganhou corpo o ecofascismo primeiro. O melhor guia a esse respeito é por acaso um livro de Carl Amery que leva o título de Hitler aus Vorläufer: Auschwitz – der Beginn des 21 Jahrhunderts? (Hitler como precursor: Auschwitz, começa o século XXI ?). Essencialmente, Amery ressalta que seria um grande erro concluir que as políticas abraçadas pelos nazistas alemães remetem a um momento histórico singularíssimo, conjuntural e, por isso, afortunadamente irrepetível. Amery nos exorta, pelo contrário, a estudar em detalhes essas políticas dado que elas podem reaparecer, nos próximos anos, dessa vez não defendidas por grupos ultra-marginais de neonazis, mas postuladas – já sugeri isso antes – por alguns dos principais centros de poder político e econômico, cada vez mais conscientes da escassez geral que se aproxima e cada vez mais firmemente decididos a preservar esses recursos escassos em umas poucas mãos em virtude de um projeto de darwinismo social militarizado.

Sobram, além disso, razões para afirmar que existem estreitos vínculos entre o nazismo, por um lado, e o racismo e o imperialismo característicos do século XIX, por outro. Zygmunt Bauman apontou muito bem que “o Holocausto nasceu e foi executado em nossa moderna sociedade racional, num alto estado de nossa civilização e no auge da realização cultural humana, e por essa razão é um problema de nossa sociedade, civilização e cultura”. Theodor W. Adorno, por sua parte, viu no nazismo a manifestação de uma barbárie “inscrita no princípio mesmo da civilização”. Em toda esta trama, é muito relevante o conceito de Lebensraum (espaço vital). Goebbels apontou que o objetivo da guerra era garantir aos alemães “um grande café da manhã, um grande almoço e uma grande janta”, sem que para alcançá-lo, aparentemente, houvesse importância que as pessoas não alemãs morressem de fome. Essa promessa de uma vida melhor que se circunscrevia aos nossos reclamava, nas palavras de Amery, um “programa assassino que seria executado por um povo superior” e que outorgaria a este o “poder e bem-estar através de uma agressão permanente, ao mesmo tempo que combatia a limitação dos recursos do planeta mediante a correspondente submissão e dizimação dos povos escravos”. Com Hitler, também se revelou a defesa de uma espécie de “destino manifesto”, de um direito cuja legitimidade não precisava ser demonstrada, já que beneficiava uma raça ontologicamente superior. Na mesma esteira, e em seu artigo Eichmann em Jerusalém, Hannah Arendt nos lembrou que os nazistas queriam “decidir quem devia e quem não devia habitar este planeta”. Nos bastidores, e retornemos a Amery, os próprios nazistas demonstraram uma formidável capacidade na hora de amedrontar os cidadãos alemães e transmutá-los em seres entregues à mais estrita e irracional obediência.

Entre as consequências da aposta hitleriana estavam a autoatribuição de uma “missão civilizadora”, a implantação de uma dupla guerra – colonial, contra os eslavos, e anticolonial, contra os judeus –, um culto às raízes que se associa com uma rejeição xenofóbica das pessoas que não as compartem, a degradação da imagem das vítimas, que muitas vezes foram convertidas em opressores, e uma visível rejeição da imigração acompanhada de uma obscena defesa da eutanásia. Como resultado, encontraram-se natureza e política, ecossistema e habitação, necessidade e desejo. E nesta ordem de coisas, é preciso destacar – volto ao argumento – que em muitas ocasiões o extermínio, ou a marginalização, não se justificou sobre as bases das necessidades do capital, mas, pelo contrário, em virtude das restrições que se derivaram da natureza.

Demografia e autoritarismo

O projeto ecofascista coloca em primeiro plano uma discussão demográfica que tem seu fundamento maior na ideia de que na Terra estão sobrando muitos de seus habitantes. Falou-se do efeito, e por exemplo, de uma possível população planetária de 1000 a 2000 milhões de seres humanos para o ano de 2100, entendendo-se que essas cifras não são necessariamente o produto de um ecofascismo: elas poderiam constituir, sem mais, a resposta da adaptação a um cenário marcado pelas numerosas restrições derivadas do colapso. Para Hamilton, e numa perspectiva próxima, a redução da população se produzirá com ou sem ecofascismo.

Mas também não é demais mencionar propostas como aquela que pretendia reduzir a população do planeta a 600 milhões de pessoas – um cenário compatível com a sobrevivência da biosfera –, presumivelmente realizada pelo chamado Clube Bilderberg na sequência de muitas das iniciativas ironicamente retratadas por Susan George no Relatório Lugano 566. George sugere que, perante uma crise geral, as autoridades mais altas teriam chegado à conclusão de que a única forma de salvar o sistema é uma “estratégia de redução da população”. Nos encontraríamos frente a um tipo de resposta biológica do grande capital, que desfrutaria de uma adesão adicional resgatada por Amery, para quem “se está partindo do pressuposto de que, graças às últimas inovações técnico-científicas, apenas vinte por centro da população planetária é suficiente para satisfazer toda a produção desejada da economia mundial”, com as consequências esperadas. Na mesma linha argumentativa, há que recordar as já numerosas teorizações que, na onda de Naomi Klein, enxergam nas catástrofes naturais uma oportunidade, não para mudar drasticamente nossas formas de vida e nossas relações, mas para, na verdade, melhorar a economia. Destacarei que aos olhos de Milton Freidman as sequelas do furacão Katrina em Nova Orleans ofereceram uma oportunidade única para reformar de maneira radical o sistema educativo, na medida em que retiraram muitos dos obstáculos que dificultavam as reformas desejadas. O mesmo aconteceu com a reconstrução do Haiti, tão proveitosa para um sem-número de empresas privadas. A própria lógica do capitalismo verde, que concebe o meio ambiente como um negócio, se encaixa perfeitamente em suas considerações. Na verdade, nada retrata melhor o que significa simbolicamente o capitalismo verde que essas gigantescas torres edificadas, no meio do deserto, em Dubai, totalmente insustentáveis mesmo utilizando as técnicas mais modernas em matéria de economia de energia e recuperação de água.

Já apontei – e volto a fazê-lo – que se no passado a eutanásia dos pobres se justificava sobre a base das necessidades do capital, agora se começa a acrescentar, para cimentá-la, um suposto compromisso com o planeta e sua preservação. É certo que os critérios de seleção de quais pessoas devem ser salvas nem sempre são claros, por muito que sejam, isso sim, fáceis de intuir. Entre os beneficiados estarão, com certeza, muitos dos habitantes dos países ricos e as elites dos países do Sul – são frequentes os exemplos de habitações de gente abastada preparadas para o colapso, como também os de estoques de vacinas e medicamentos –, e entre os perdedores a maioria da população dos países pobres, as minorias estrangeiras, os idosos e os deficientes. Embora se espere que o grosso da população de determinados espaços geográficos se salve, não cabe descartar, inclusive nestes cenários, a implementação de medidas de proibição de imigração, de estrito controle de nascimentos, de extensão do aborto e do infanticídio no caso de malformação, do fechamento de horizontes vitais para os idosos e da eutanásia voluntária. Em termos gerais, não interessarão, tirando as elites, as pessoas que nem sequer servem como força de trabalho ou, o que é quase o mesmo, aquelas que não trabalham nem consomem.

Não surpreende a afirmação de que o ecofascismo reclama um projeto político manifestamente hierarquizado.

Cabe supor que seus impulsionadores, que se autointitulam como salvadores, serão em alguns casos líderes carismáticos. Receberão o apoio das camadas da população que preferirão perder direitos às custas de manter – ou de intuir que manterão – certos privilégios. Esses impulsionadores talvez criem novas instituições que apontarão para uma franca militarização da vida coletiva e espalharão o terror e o medo. E não apenas isso: destacarão a ideia de que é preciso fazer frente a um sem número de inimigos hostis. E provavelmente estimularão as divisões religiosas, étnicas, linguísticas e de classe. É verdade, contudo, e como tenho a oportunidade de recordar em várias ocasiões nesta obra, que a quebra das relações de mando e controle que virão, em uma ou outra medida, com o colapso será traduzida em problemas na implantação de uma imaginável maquinaria ecofascista.

Impérios e países do Sul

Parece evidente que boa parte da discussão que acabo de desenvolver se sobrepõe a uma história que vem de longe: a dos impérios e a das rédeas usadas por eles nos países do Sul. Tentarei delinear alguns argumentos para explicar como o horizonte do ecofascismo se vincula com as lógicas imperiais e com a pilhagem desses países.

Começarei pelos impérios, hoje em dia imersos em numa irrefutável fuga para frente que se manifesta, e me fio nos exemplos vinculados com o conteúdo geral deste livro, no projeto de abrir uma nova via de comunicação marítima no Ártico e na possível exploração de novos depósitos de matérias-primas. A primeira coisa que é preciso destacar em relação aos impérios é a dificuldade de mantê-los, o que vai de mãos dadas com a necessidade de empregar uma força que não estará tão claramente à sua disposição em um momento de escassez geral de recursos. Vaclav Smil sublinhou que os EUA se converteram em um império em boa medida por meio do emprego muito extenso de uma energia que obviamente faltará. A debilidade repentina das tecnologias a serviço do ecofascismo pode traduzir-se, por outro lado, numa maior violência num cenário marcado por um paradoxo: os impérios mostram uma extrema dependência com respeito aos territórios dominados. O que durante muito tempo deu força aos impérios, a centralização, está a ponto de se converter em um problema agudo, na medida que o resultado será um sistema insustentável. E não parece que o tipo de disseminação de instrumentos de intervenção que se prepara, amparada por uma mistura de forças armadas regulares e exércitos privados ou tropas mercenárias que funcionarão de maneira mais ou menos autônoma, permita encarar os principais desafios. Os impérios terão que fazer frente, além do mais, a fluxos regionais autônomos cada vez mais significativos e, ao mesmo tempo, a uma menor ligação entre as diferentes áreas do planeta.

Faz sentido identificar alguns dos problemas militares precisos que previsivelmente sucederão. No caso dos Estados Unidos, Greer estima que os três maiores problemas serão o que se espera que aconteça com a dissuasão nuclear, a sobrevivência de aliados como Israel e, em suma, o controle da fronteira meridional do país. Saltam à vista, de qualquer forma, as delicadas tecituras que podem se revelar no que se refere à manutenção e ao uso de armas nucleares, que necessitam um controle exaustivo e permanente. A isso se somarão, previsivelmente, a perda de informação sobre sua localização e as incógnitas que se derivam da proliferação deste tipo de armas. Juntamente com as cinco potências nucleares tradicionais, desponta hoje a presença de países como Israel, Índia, Paquistão ou Coreia do Norte. Quem pagará, por outro lado, e num terreno próximo, os contratos dos técnicos e engenheiros encarregados de manter as usinas atômicas? O que acontecerá com os arsenais de armas químicas e biológicas? Não haverá problemas com barcos, aviões e submarinos, dado suas altas tecnologias dificilmente sustentáveis, com a informática como um delicado calcanhar de Aquiles? Não terão sido, enfim, os sucessivos fiascos dos militares estadunidenses no Afeganistão, no Iraque e na Síria uma prévia do que acontecerá em larga escala?

No que concerne aos países do Sul, também encontramos paradoxos. Parece que serão o terreno, antes de mais nada, da enésima operação de rapina imperial, à mercê de uma renovada pulsão que tanto aspirará ao controle de matérias-primas escassas como à ocupação de espaços de importância geoestratégica. Falo, além disso, de regiões do planeta bastante afetadas pela mudança climática e muito vulneráveis frente a eventuais subidas nos preços da energia. Segundo uma estimativa, um aumento de 10 dólares no preço do petróleo provocará um retrocesso de 3% no PIB destes Estados. São países, além disso, muito mais permeáveis à expansão de enfermidades, cenários habituais das revoltas do pão, que arrastam gravíssimos problemas sociais que afetam acima de tudo as mulheres, crianças e idosos, com situações particularmente críticas nas grandes cidades e com Estados manifestamente falidos, dotados de instituições muito frágeis marcadas pela corrupção e a deterioração de todas as relações. Claro que se apresentarão circunstâncias delicadas nos países do Sul, como é o caso dos efeitos do afundamento do comércio mundial, dado a péssima situação para as economias assentadas na exportação, da presumível extensão da pirataria, de um novo impulso experimentado pelas agressões ambientais – podemos prever, por exemplo, o franco desaparecimento das grandes superfícies arbóreas – ou de migrações massivas em busca de regiões mais tranquilas, comumente no norte do planeta, mas ocasionalmente, também, no sul (na Argentina e Chile, na África do Sul, na Austrália e Nova Zelândia, ou inclusive em algumas áreas da Antártida). Não faltarão, enfim, agudas confrontações internas com as pequenas ilhas protegidas – assim, e talvez, as áreas mais altas e chuvosas do continente africano – em proveito das classes abastadas.

Porém, faria mal esquecer que existem alguns elementos que contrariam o vigor do tétrico panorama que acabo de descrever. Embora historicamente os cenários de escassez tenham sido propícios ao desdobramento de genocídios, existem algumas razões convincentes para concluir que o colapso pode beneficiar indiretamente os fracos, ou ao menos pode ser, para eles, menos prejudicial que para os poderosos. Como já sabemos, isso pode muito bem ser assim, em particular, no caso de países pouco dependentes de energias estrangeiras e tecnologias complexas, ao ponto de que não seria demais sustentar que, quanto mais pobre um país, menores serão os problemas que, não sem paradoxo, terá que enfrentar. Num tipo de mundo ao contrário 586, em muitos lugares não haverá multinacionais exploradoras nem planos de ajustes do Fundo Monetário, e as desigualdades recuarão. Kunstler afirma que, ao recuperar o controle sobre seus recursos e parar de sofrer a devastação cultural que o Ocidente promove, os países pobres optarão espontaneamente por estilos de vida mais simples como os que, no passado, desenvolveram durante muitos séculos.

Diante do colapso, será que os modelos autoritários servem?

Sou obrigado a encarar, mesmo que brevemente, uma pergunta delicada: na hora de enfrentar o risco do colapso, ou o próprio colapso, as sociedades autoritárias e hierarquizadas não estarão em melhor posição do que as que não apresentam essa duas características? Não é mais fácil que seja a China de agora, e não as democracias liberais – suponhamos que não são autoritárias e não estão hierarquizadas –, a que fará frente de maneira convincente à mudança climática? Há estudiosos que, cheios de razão, entendem que no mundo ocidental um dos principais problemas a esse respeito é o fato de que as grandes empresas dificultam qualquer abordagem séria aos elementos causadores do colapso. Cabe perguntar-se, no entanto, se em um cenário como o chinês não estão emergindo interesses e estruturas da mesma natureza ou, na falta disso, se a competição internacional na qual a China está imersa não conduz novamente a encurralar a luta contra a mudança climática ou a implementação de medidas que permitam lidar com o esgotamento das matérias-primas energéticas. É verdade que a China, para não sair do exemplo, declarou em dado momento que entre 2011 e 2015, e ao menos no papel, a maior preocupação das instituições não seria o crescimento da economia, mas a qualidade do desenvolvimento, e que em consequência, procuraria fórmulas que garantissem um menor uso do carvão e uma maior eficiência energética. Os esforços das autoridades para reduzir emissões se viram contrabalançados, entretanto, pelo rápido, e além disso irracional, crescimento da economia. Não convém esquecer, isso sim, que grande parte das emissões chinesas de CO² corresponde a produtos importados pelos países ocidentais .

Rudolf Bahro, outrora representante de um singular e heterodoxo marxismo na República Democrática Alemã, transformado num teórico importante de um tipo de ecofascismo suave – permita-se-me o oxímoro – na Alemanha destes dias, acredita que a crise ecológica deve ser resolvida em virtude de mecanismos autoritários implantados por um governo de salvação ou por um “Estado-deus”. Murray Bookchin, quem debateu na sua época com Bahro, disse que, e me junto a seu argumento, uma ditadura ecológica – em virtude de que estranho processo talvez surgisse? – seria qualquer coisa menos isso, ecológica, e acabaria, na verdade, com o planeta, além de operar em proveito de umas poucas pessoas. Acarretaria a glorificação do controle social, da manipulação, da coisificação dos seres humanos e da negação da liberdade, tudo isso em nome da resolução dos problemas ambientais. Diante da resposta de Bahro, de que semelhante afirmação não parecia prestar atenção ao lado negativo, o do egoísmo e da competição, da natureza humana, Bookchin se perguntou por que haveria de canalizar esse lado negativo através de sua institucionalização pela via da força, da superstição, do medo e da ameaça, e pela via, em paralelo, de ideologias bárbaras . Não seria razoável concluir que as instituições resultantes – acrescento –, longe de abraçarem qualquer procedimento voltado para enfrentar a crise ecológica, deixariam a rédia solta – aí está a Alemanha hitleriana para ilustrá-lo – para o lado negativo da natureza humana? A fórmula de Bahro não se converte em uma justificação subterrânea da dominação, da exploração e da hierarquia que estão, paradoxalmente, na origem das crises ecológicas? Não estaremos diante de uma transcrição de uma ideia muito difundida, de origem hobbesiana, que implica que somente um governo que faça uso de mecanismos coercitivos pode permitir que se enfrente os problemas que estão na origem do risco de colapso e, mais além deles, aqueles que são aplicados uma vez que este é verificado?

Minha franca rejeição das vias hierárquicas e autoritárias se revela em todos os âmbitos imagináveis. Não me parece outra coisa a não ser uma superstição, por exemplo, a sugestão de que os militares, por organização e disciplina, serão uma ajuda vital para lidar com o colapso. É mais fácil imaginar que eles se coloquem ao serviço dos projetos concebidos pelas classes dirigentes tradicionais. Tampouco aprecio que qualquer problema relevante seja resolvido pela defesa da necessidade de abandonar uma economia de mercado em favor de outra dirigida – seria preciso colocar-se de acordo, claro, sobre o que este adjetivo significa –, já que as economias dirigidas podem estar ao serviço, também, de um projeto ecofascista. Em outra direção, faz algum sentido imaginar que a democracia liberal, claramente subordinada aos interesses das grandes corporações, se torne em um mecanismo de salvação, no extremo, e durante urgências inevitáveis, da humanidade? Independentemente de como as coisas são, deixo o leitor nas mãos de uma pergunta provocadora: haverá um ecofascismo ocidental e outro chinês?

Ecofascismo Revisto

humaniterations.net/2018/08/10/ecofascism-reviewed
escrito por William Gillis
traduzido por Subta
revisado por Calafate

Sejamos claros: o ecocídio está em andamento.

Embora ainda possamos evitar as possibilidades mais severas do colapso ecológico global, há muito a situação tem sido sombria. E não é só uma questão do capitalismo ou do Estado estarem tomando decisões únicas e ruins, as tensões em jogo são profundas – vem do âmago do próprio homo sapiens.

A cognição humana e a colaboração social humanas criaram uma explosão evolutiva temporalmente separada de uma resposta significativa do seu entorno ecológico. A evolução biológica avança ao passo de gerações e mudanças genéticas incrementais, mas nossos pensamentos saltam à frente, capazes de gerar incríveis e complexas construções em um minuto apenas. Isso dá ao nosso meio ambiente pouco tempo para se adaptar ou reagir. A evolução tecnológica avança muito mais rápido do que os processos biológicos evolutivos possam responder de forma efetiva, e, é claro, o leviatã político e a monstruosa infraestrutura nos alienam ao ponto de não nos importarmos com qualquer resposta. Os únicos sinais que emergem das nossas técnicas introduzidas abruptamente tendem a ser cataclísmicos: a extinção completa de espécies, o colapso das cadeias alimentares. Nossas cabeças se transformaram em pequenos ecossistemas, como ilhas, acelerados em milhares de vezes, gerando doenças e criaturas (na forma de tecnologias físicas e culturais) que o resto da Terra está completamente despreparado para lidar. Nossos monstros escaparam de nossas cabeças e passaram a devastar o mundo físico.

Nós, seres humanos, somos parte da natureza, no sentido de sermos fisicamente produtos de um passado biológico, mas estamos separados do ritmo lento dos ciclos estabilizantes de retroalimentação da biosfera terrestre. Toda mente ativa e esforçada é uma pequena explosão cambriana, granadas lançadas ao mundo, arrancando a carne daquilo que existe. Não podemos ser qualquer outra coisa sem que tranquilizemos nossos pensamentos ao passo de nosso ecossistema e de suas pressões glaciais evolucionárias.

A questão é profunda: nosso contexto ecológico – inclusive nossos corpos – são complexos demais para que possamos alguma vez predizer com perfeição as consequências de nossas ações. Porém, desacelerar, recusar a refletir e repensar nossas ideias, retornar ao instinto puro irrefletido, seria matar nossa própria consciência. Pensar, refletir, é gerar possibilidades, lançando-se para além do controle de formas surpreendentes e às vezes perigosas e destrutivas. Podemos abraçar a morte que é a previsibilidade e nos tornarmos engrenagens estúpidas num ecossistema estabilizado, ou podemos abraçar os riscos e perigos da liberdade, da invenção e da exploração. Podemos recuar para a segurança da identidade essencialista, para um papel cumprido de forma obediente e irrefletida, ou podemos assumir uma responsabilidade ativa, reconhecendo que ela envolve inerentemente a criação de novos problemas ao lado de nossas novas soluções.

De certo modo, toda questão política é ou uma faceta dessa tensão fundamental, ou uma distração dela.

Anos atrás, durante o colapso da Resistência Verde Profunda (Deep Green Resistance), um primitivista, que estava gritando lixo transfóbico para aquelas de nós que confrontavam seus amigos, de repente mudou de discurso: “Eu trabalharia amarradão com os nazistas para parar a civilização! É isso que importa!” Percebendo que havia perdido o público, ele decidiu fazer uma gritaria dizendo “Do What Thou Wilt” (“Faça o que tu queres!”, pois é claro que ele fez isso.

Mas, lamentavelmente – ainda que eu tenha me oposto ardorosamente – ainda tenho um pouquinho de simpatia por aquela posição.

Apesar de ter sido primeiro publicado em 1995, eu evitei firmemente a leitura do livro Ecofascismo: Lições da Experiência Alemã, escrito por Janet Biehl e Peter Staudenmaier.

Existe uma visão, para muitos anarquistas que apareceram naquele momento, do Velho Bookchin como um vilão. Essa narrativa é bem poderosa, quase vale subir num ringue por ela. Um esquisitão, arrogante e representante da Velha Esquerda do Mal, declara guerra contra As Crianças, faz papel de bobo, eventualmente se torna tão derrotado que ele dá um discurso sobre como não era um anarquista mesmo e para de nos atormentar com sua campanha de dominação da anarquia e de nos mandar para reuniões na prefeitura.

Mesmo aqueles mais Vermelhos tendem a vender essa narrativa como “Sei que ele tinha uns bons pontos sobre alguma fração de pessoas de merda do outro lado, mas, caramba, ele virou um malucototalmente desconectado, e seus seguidores eram de dar vergonha.”

Janet Biehl é uma dessas que se autointitulava de seguidora, uma que ainda se vê orgulhosamente levando adiante o trabalho dele – chegando ao ponto de dobrar a adoção do estatismo por Bookchin, indo explicitamente mais além do que ele foi. Enquanto Peter Staudenmaier aparentemente permanece um anarquista de alguma forma, ele também segue solidamente a tradição de Bookchin. Isso tudo é incrivelmente relevante porque o livro Ecofascismo foi muito visto como uma parte bastante explícita do cabo de guerra entre o círculo de Bookchin e seus críticos.

Naqueles dias remotos, o principal racha no anarquismo era entre Verdes e Vermelhos. E os Bookchinitas – devido a todo o seu falatório sobre ambientalismo – representavam firmemente o Time Vermelho.

Nesse contexto, não havia confusão em relação a um título como “Ecofascimso” – o livro estava chamando todos os anarquistas verdes que discordavam de Bookchin, ou melhor, com quem ele discordava, de “fascistas”.

Então, por duas décadas nunca me preocupei de ler o livro. No final das contas, todo mundo sabia do que se tratava o conteúdo. Eram apenas alguns casos escolhidos a dedo, onde alguns malucos do partido nazista uma vez disseram alguma coisa boa sobre árvores, uma enorme merda ridícula que gerava culpa devido a associações discursivas frágeis. Estava mais para um derradeiro insulto desesperado do que para um livro. Quando alguém coloca cocô de cachorro num pacote de papel pegando fogo na sua varanda, você não se detém para ler o que está escrito no pacote.

É estranho que esses instintos tribais perdurem por tanto tempo e estejam tão profundamente assentados. Eu já disse publicamente que o “nihilismo” é melhor compreendido como a cola anti-intelectual que sustenta criticamente ideologias como o fascismo. Também comparei o grupo “eco-terrorista” ITS, que fetichizava o assassinato, com os fascistas, perguntando que diferença ética relevante existe entre essas duas ideologias para que tenhamos respostas diferentes de cada uma delas. A reação a essas afirmações raramente se preocupava com coerência. As velhas narrativas, as velhas identidades tribais, falavam mais alto. Para muitos pós-esquerdistas, esses meus artigos vinham apenas de mais um sujeito que estava substituindo Bookchin. Esse cara vem atacar nossa família, nos chama de fascistas, provavelmente vai tentar empurrar os antifa para nos dar uma surra já que não somos esquerdistas devotos o suficiente ao seu credo. Um anarco-policial. Ou algo do gênero. Mas, sabe de uma coisa? Ainda carrego esses mesmos vieses tribais – aquela profunda hostilidade contra a pós-esquerda – com relação ao Ecofascismo.

E embora ele seja um texto imperfeito, lambuzado com algumas posições ideológicas maçantes a la Bookchin, fiquei surpreso com a simplicidade, a objetividade e o quão não polêmico da maior parte do livro.

Antes de lê-lo, desencavei algumas reações antigas, buscando me precaver com uma boa dose de julgamentos críticos. Mas mesmo antes de ler Ecofascismo, era desalentador perceber o quão porcamente se sustentavam minhas respostas de antes. Coisas como “na real, os Verdadeiros Fascistas são aqueles que estão cortando as árvores”.

Mesmo as melhores críticas não passavam do óbvio, “Toda ideologia possui sobreposições em algum ponto com qualquer outra ideologia. Aquelas do regime nazista com o ambientalismo são irrelevantes. Até mesmo apontar isso é obviamente uma tentativa de difamar por associação.”

Já de partida, ninguém queria aceitar o termo “ecofascista”. E, de fato, é assombroso que a afirmação “isso não existe!” tenha virado uma resposta tão instintiva nos círculos pós-esquerdistas. É claro que existe um monte de fascista no movimento ecologista, mas isso não significa que você pode usar um termo para descrevê-los!

Nos círculos mais distantes dos antifascistas acadêmicos, “fascismo” é um insulto muito carregado, é “a coisa mais malvada de todas”, uma posição vazia que aparentemente está fechada para qualquer inovação. Todo tipo de avaliação crítica deve ser deixada de lado. No melhor dos casos, você até pode ler um artigo, um livro, sobre fascismo só para confirmar seu próprio viés e se recusar terminantemente a ir além disso. Não deveria ser uma surpresa que o discurso anarquista verde sobre o fascismo muitas vezes se manteve fraturado de maneira ridícula e insignificante. “Pois é, nacionalismo não é essencial para o fascismo, o modernismo sim, então os meus compadres brancos nacionalistas pagãos não são fascistas. Por definição, eles não podem ser". Até hoje, ainda tenho medo da pessoa que diz que Indivíduos tendendo à Selvageria são exatamente o oposto dos fascistas porque a sua fetichização machulenta do assassinato aleatório constitui a liberação de paixão libidinal ao invés da sua supressão.

O que está no núcleo do fascismo obviamente segue sendo uma pergunta controversa. O que define o fascismo?

E existem pontos ainda mais profundos em jogo aqui: como podemos distinguir e processar os conceitos em geral. O que define qualquer termo? Será que o anarquismo é um objetivo (uma sociedade sem classes onde todas as pessoas formam comunidades e os bens são guardados em dispensas coletivas onde toda quinta-feira, de acordo com um processo modificado de consenso, acontece…), é um filosofia ética (a busca pelo aumento da liberdade de todo mundo), é um código de conduta (nunca tome a iniciativa na violência agressiva), uma coleção variada de rituais numa subcultura (consenso, comida ao invés de bomba, dar um pau na polícia…)? Será que ele é um discurso relativamente fechado onde todo mundo lê autores semelhantes e usa termos semelhantes? Será que o anarquismo é aquilo que a grande maioria das pessoas pensa que ele é baseado no que a mídia diz (quebrar vidraças para alcançar um mundo onde todo mundo se mata porque “foda-se o sistema”)?

De maneira semelhante, será que a ciência é um fenômeno sociológico nas culturas Ocidentais Educadas Industriais Ricas e Democráticas? Seria ela um conjunto de instituições? Seria uma metodologia? Ou uma direção de pensamento, um tipo de desejo?

É claro que cada uma dessas definições possui substância, e elas podem se influenciar mutuamente e se inter-relacionar. Mas devemos ter cuidado com a pessoa que tenta embaralhar todas essas definições numa coisa só – e mais ainda caso tente tomar essas associações como um pacote único. Entender que diferentes pessoas têm diferentes definições em mente – às vezes uma fusão confusa – não é a mesma coisa que pensar que não existe uma definição mais útil. Em última instância, radicais tentam usar a linguagem e os esquemas conceituais para “destrinchar a realidade pelos ligamentos” – para enfatizar o que está mais profundamente enraizado e o que pode ser modificado. Para mapear não apenas particularidades míopes do existente, mas a amplitude total do possível.

Então, será que o fascismo significa ser mau ou dizer para as pessoas não fazerem certas coisas? Será que o fascismo é uma gigantesca máquina industrial de mortes? Será que o fascismo é uma forma de estatismo?

Por décadas, acadêmicos e eruditos antifa instauraram um consenso meio bruto: o fascismo é um ultranacionalismo palingenético anti-moderno, a ausência de empatia por estrangeiros e a fetichização de um retorno violento a um passado mitologizado – com um arquipélago de posições frequentemente conectadas como os essencialismos patriarcal e supremacismo branco. Porém, como corresponde a ativistas pragmáticos, essa é uma definição mais política do que filosófica ou psicológica.

Para tentar falar do fascismo como uma filosofia claramente será preciso deixar de lado um monte de particularidades arbitrárias como o antissemitismo. Mesmo a maioria dos racistas não argumentaria que existe um conceito de branquitude a priori. Ao invés disso, o que resta é uma intensificação da ideologia do poder que já domina o mundo ao nosso redor. Pessoas que enxergam as coisas exclusivamente em termos de coerção, identidade e hierarquia… um jogo simplista mas generalizado que elas tentam vencer. Foda-se a empatia, a ética, a compaixão, o amor e todas as outras formas de investigação intelectual. Foda-se até mesmo a mente, vamos fetichizar a brutalidade da força. Certo é o poder. A tribo imediata de um contra a de todos os outros.

Entretanto, é importante que não nos lancemos muito longe nesse tipo abrangente de compreensão filosófica enquanto a realidade política do fascismo continua em marcha.

No discurso popular, o fascismo geralmente é apontado levianamente como assassinato em massa e um Estado autoritário. Porém, por mais que essas coisas sejam muito ruins, elas não são únicas. Será que era “fascismo” quando Gengis Khan exterminou uma grande fração da população humana? Será que era fascismo quando o rei Leopoldo escravizou e massacrou milhões de pessoas1? Será que a colonização europeia e a campanha de extermínio nas Américas era fascismo? Será que o Estado de Ran Wei 2, que exterminou os Wu Hu e os Jie, era fascista? Teria sido Mao? Será que as primeiras tribos que realizavam ataques surpresas em território inimigo eram fascistas?

1 O rei Leopoldo II da Bélgica foi responsável pela morte e mutilação de 10 milhões de congoleses durante o final do século XIX.
2

Certamente podemos concluir que, em termos éticos, essas eram situações comparáveis – e até enfatizar seu caráter fascista – sem ter que, no processo, reduzir inteiramente o “fascismo” a essa fina sujeira. O maoismo, imperialismo, fascismo, todos eles podem ser horríveis cada qual de forma única. Pode ser revelador apontar as premissas de pensamento fascistas que acontecem em cada um. Pode ser produtivo falar em “fascismo vermelho” ou chamar certas forças de “fascistas”. Mas também é importante reconhecer que as ideologias que acarretam assassinatos em massa não são homogêneas. O autoritarismo implícito de Marx pode ter impregnado o marxismo com uma certa inclinação em direção aos horrores do totalitarismo, mas nunca será possível parar seja o marxismo ou o fascismo se você as mistura como uma mesma papa indiferenciada de maldade.

O primitivismo é conceitualmente distinto do fascismo.

E a ecologia não é o nacional-socialismo.

Obviamente.

Existem ideias fundamentais diferentes. E elas emergem também de alguma forma diferente. Por exemplo, as raízes marxistas de Zerzan são bastante óbvias – ele não chegou na sua visão política por Evola ou Schimitt. Mas, é claro, existem algumas raízes mais confusas, como aconteceu com muita gente da classe aristocrática que recuou para as artes liberais no início do século XX e que se colocou contra a civilização, o mundo moderno e a tecnologia. Veja por exemplo, Heidegger e muitos dos professores de Kaczynski em Harvard. Mas no geral, existem ideias distintas em amplos contextos sociais distintos.

Fascismo e primitivismo não são a mesma coisa.

Entretanto, existe uma aproximação bem óbvia entre eles. Existem sobreposições bastante grandes e significativas entre as ideologias verdes e as fascistas. E existe uma tonelada de nazistas que fundamentam explicitamente suas políticas, que justificam sua filosofia, em termos ecológicos.

Ignorar isso requer ignorar brutalmente o que é o fascismo – reduzindo-o a meramente um velho autoritarismo qualquer, ou adotando narrativas obviamente falsas e ultrapassadas sobre ele ser inerentemente capitalista, modernista ou formalmente estatista (como contraexemplo, veja os “anarquistas nacionalistas”).

Um retorno cataclísmico a um passado mitologizado, direcionar a atenção e a empatia para o que há de local, reificar a identidade essencialista, um estado natural de ser e uma ordem natural… Tudo isso brota e caminha lado a lado com os mesmos impulsos centrais que motivam todos os tipos de pessoas que falam de um retorno à natureza. Existe a mesma dinâmica subjacente seja no fascismo, seja no primitivismo.

Um anarquista sincero como Zerzan pode ter algo bem diferente em mente quando fala de natureza humana, mas em ambos casos, o componente agencial, o ético, o componente da investigação filosófica ativa é abandonado. O Bem não é algo a ser investigado, criticado, ou descoberto mais integralmente, mas apenas algo a ser adotado por padrão. Ele aparece completamente formado, como os mandamentos ou uma bíblia sagrada – e normalmente tão arbitrária quanto ambos. O que existe é apenas algum plano, algum estado de ser, alguma configuração primal que persistentemente devemos obedecer. E nesse tipo niilista de abnegação, encontramos algo enquadrado como “libertação”, liberdade de pensamento, liberdade do estresse de ter que decidir e avaliar.

As ideologias verdes dificilmente estão sozinhas nessa virada desastrosa para a falácia naturalista – daria para certamente citar vários comunistas e capitalistas -, mas elas são vitoriosas sem concorrentes nesse âmbito. E aí é onde as ideologias verdes, podemos dizer, têm algo mais em comum – na raiz – com as ideologias fascistas do que com as comunistas e capitalistas.

Nenhum primitivista, anticivilização ou ativista verde de qualquer naipe está clamando pela estética precisa de Auschwitz. Porém, podemos perceber que chamados para assassinatos em massa são relativamente um lugar comum. Não é preciso sair escancarando seu vizinho desequilibrado através de um blog que mescla merdas pagãs, primitivistas ou fascistas; existe uma longa história de lixo essencialista, racista e patriarcal nos círculos verdes. Mesmo Ivan Illich apoiava a “ordem natural” através de bases eugênicas para evitar a “degeneração genética” que ele acreditava caracterizar a era atual. As merdas reacionárias trazidas à tona por figuras influentes como Dave Foreman, Edward Abbey e Ted Kaczynski são tão numerosas que não tem como listá-las.

O meu ponto aqui é que isso reflete a tensão mais profunda e fundamental sobre como respondemos ao pensamento e à capacidade de ação humanas e seus efeitos negativos. Será que abraçamos ou suprimimos isso? O fascismo e muitas ideologias verdes estão presas na ressaca em um dos lados dessa questão, daí a propensão a dançarem juntos.

Em uma infame declaração defendendo uma publicação reacionária em particular, uns caras perguntaram recentemente a seguinte questão retórica importuna, “e se a Terra verdadeiramente estiver em primeiro lugar?”3

3 Referência ao movimento radical ambientalista Earth First! (A terra primeiro!)

Bom, num certo sentido, essa é uma questão particularmente horripilante. É pegar o slogan de verdes reacionários como Foreman e tentar extrapolar conclusões filosóficas absolutistas. E sim, as ramificações podem apenas ser algo perto do extermínio total da vida consciente. No Instituto Selvagemista (Wildist Institute), John Jacobi literalmente afirmou que as pedras têm mais valor que as pessoas. É a posição conservadora mais extrema! Pensar, ser capaz de agir, em si mesmo, isso muda as coisas e esse tipo de mudança é ruim.

Obviamente, não estou dizendo que o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães tinham “a extinção humana e a proibição da consciência” como uma plataforma política. Nem eles foram tão longe! Nem qualquer dos pivetes da “civilização ocidental” enaltecedores da “identidade” da nossa era está sonhando com uma purificação étnica que deixasse não mais que pedras pela Europa. Mas faz sentido a rejeição niilista do pensamento engajado e da empatia em favor do essencialismo? Um violento retorno a um passado mitologizado? Claramente, essas coisas estão no ar, mesmo que ainda não tenham aterrissado.

Os tipos de viagens ideológicas presentes nos mais extremos círculos verdes de diversas formas se parecem com uma limpeza das mesmas forças ideológicas em jogo na Alemanha de Hitler. Será que abraçamos as complicações ocasionadas pelo pensamento, ou nos afastamos delas? Quando a razão luta ou expõe complicações, será que redobramos a razão em si (“foi o próprio erro que nos trouxe até aqui”) ou abandonamos ela? Vamos escolher a liberdade ou a segurança?

Se existe um pecado em Ecofascismo: lições da Experiência Alemã, é que o livro não se dedica suficientemente a essas questões mais profundas. A invectiva bookchinita atinge os contornos externos, mas termos como “místico” ou “irracional” não dão realmente embasamento para ou explicam o assunto. Frequentemente, a abordagem é um empréstimo direto dos resmungos de Bookchin sobre o meio anarquista. E isso é perigoso, pois significa que um monte de argumentos são insinuados mas não diretamente apresentados. O que é um pecado necessário em alguns contextos, porém ninguém que enfia goela abaixo uma crítica do “humanismo” como apenas uma forma de “nacionalismo humano”, por exemplo, irá responder bem a referências positivas ao humanismo ou afirmará implicitamente que alguém que tem objeções a isso seja, portanto, um reacionário.

O que Ecofascismo: lições da experiência alemã tenta fazer é, ao invés de trabalhar sobre um argumento mais profundo do porquê o fascismo e a ecologia entrariam na órbita um do outro, fornece uma lista de encontros. Aí dá para ver por que a crítica fez um tremendo alarde. Porém, os exemplos de cruzamento entre os dois que o livro aponta são muito sólidos, e na verdade formam uma coleção avassaladora.

Admito que, embora eu seja familiar com muito do que Biehl e Staudenmair versaram sobre, a agudeza de alguns exemplos e a implacável tempestade deles chegaram inclusive a me chocar.

Em precursores comuns do pensamento nazista e verde, como Ernst Moritz Arndt, encontramos declarações explícitas afirmando que ambos estão interconectados como uma totalidade e, portanto, um ser humano é igualmente importante ou desimportante quanto uma minhoca ou uma pedra. Algo não muito distante de Jacobi. Capacidade de agir, consciência, e liberdade? Quem precisa delas? Esse retorno às pedras inertes chocaria muitos dos anarquistas verdes que conheço, os quais são motivados a valorizar os ecossistemas como um todo devido ao dinamismo, à fluidez e à adaptabilidade que veem neles. Porém, o “orgânico” que os nazista amavam não possui essas conotações, mas pelo contrário, lança tudo como um órgão de um todo (estático) maior. Em outros reacionários extremos influentes como Wilhelm Heinrich Reil, encontramos um discurso literal sobre os “direitos” das florestas.

Ambas figuras pegaram as tendências essencialistas e anti-senscientes do seu ambientalismo e levaram a conclusões hiper-nacionalistas e antissemitas. a TA totalidade e o espírito cósmico (Gaia?) tiveram tal influência a ponto de apagar a capacidade individual de agir e apresentaram todas as pessoas como engrenagens dentro da grande máquina da natureza, de uma biorregião, de uma nação… EA quando o inimigo é o cosmopolitanismo e a racionalidade, o antissemitismo está logo atrás.

Ernst Haeckel, quem literalmente cunhou o termo “ecologia”, ligou holismo com essencialismo biológico dentro do racismo, nacionalismo, imperialismo. O monismo amarrou esse hiper-autoritarismo diretamente ao ambientalismo: os seres humanos são arrogantes engrenagens cujas capacidades cognitivas limitadas nunca poderão jamais superar a natureza. Logo, devemos retornar ao nosso papel de engrenagens relativamente sem pensamento. É a ordem natural como uma justificativa para a ordem social.

O que Ecofascismo: Lições da Experiência Alemã destaca é a forma como o socialismo nacional emergiu de um meio alemão de movimentos conservadores e New Age que se centravam no ambientalismo e na rejeição da racionalidade. Como exemplo do lado da New Age, o movimento jovem Wandervogel pegou o misticismo e a hostilidade à razão como parte de uma agenda de “espíritos livres”, eventualmente transitando sutilmente da veneração da natureza para a veneração do Fuhrer.

Entre os filósofos reconhecidos, temos Ludwig Klages, autor de “O Homem e a Terra”, que pegou tudo isso, completou com a hostilidade ao utilitarismo e a “ideologia do progresso”, desembocando diretamente no hiper-conservadorismo, nacionalismo e antissemitismo. E – vejam só! – qual o grande mal que ele identificou por trás de todas as coisas que se opunha? Nossas mentes. Todo pensamento racional deve ser abolido.

E, é claro, todos sabemos a história de Heidegger, cuja simpatia pelos nazistas tem a ver com o essencialismo. Nos encontramos lançados no mundo, com todos os tipos de casualidades e “embutididades”, nossos corpos, contextos social, ambientes, nosso local de nascimento, etc, e ao invés de alcançar qualquer distância agencial de tais arbitrariedades particulares, o Grande Filósofo Nazista quer que as abracemos. Uma entrada fundamental e inextricavelmente anti-intelectual, ser ao invés de se tornar, identificar-se com nossas amarras situacionais ao invés da verdadeira fluidez e agência.

Tá, claro, então nazis e movimentos ambientalistas frequentemente compartilham raízes em comum, e essas figuras fundadoras viram as políticas direitistas que nós em geral associamos com o termo “reacionário” como algo obviamente vinculado com um retorno à natureza assim como com uma valorização mais profunda dela. Mas isso é apenas uma parte do contexto! O período entre guerras foi complicado e confuso. Então não seria óbvio que a conexão dos nazistas com esses movimentos ambientalistas fosse superficial, escolhida a dedo?

Bom, se pudéssemos – como os libertarianistas do Instituto Mises -, de alguma forma, ignorar que o slogan central nazista era Sangue e Solo, Staudenmaier não cede terreno, vinculando esses hiper-reacionários ano centro e ano nascimento do movimettno ambientalista ao passado nazista. Richard Walther Darre, por exemplo, é um nazista ambientalista importante, em cuja história consta uma anedota que conta que ele pessoalmente convenceu Hitler e Himmler sobre a necessidade de exterminar os judeus.

Mas talvez isso seja injusto. Que tal ouvirmos diretamente Hitler?

“Quando as pessoas tentam se rebelar contra a férrea lógica da natureza, elas acabam entrando em conflito com os próprios princípios aos quais elas devem suas existências como seres humanos. Suas ações contra a natureza necessariamente as levarão a sua queda.” (Minha Luta)

Não deveria surpreender ninguém que Hitler era muito chegado nas leis da natureza, nas forças da natureza, nas identidades naturais, nos papeis naturais, tanto ao ponto dele ser um ávido fã de numerosas práticas e noções ambientalistas. Mas mesmo que seja óbvio e conhecido por qualquer pessoa que o tenha lido, isso ainda é algo que o nosso discurso normal impede que reconheçamos diretamente. E não é apenas o essencialismo humano, mas a subjugação da consciência humana pela natureza, como aponta Robert Pois em Socialismo Nacional e a Religião da Natureza: “Por todos os seus escritos, não apenas de Hitler, mas da maioria dos ideólogos nazistas, podemos perceber uma depreciação fundamental dos seres humanos em relação à natureza”.

E a coisa continua. Walter Schoenichen, chefe da Agência para a Proteção da Natureza do Reich, vincula o nazismo com o organicismo e holismo ambientalista e fala de uma “sobrecivilização” de humanos. Hitler e Himmler embarcaram entusiasticamente em todas essas coisas.

E não era algo marginal ou enfeites estéticos divorciados da política. O Chanceler do Reich Rudolf Hess, nomeado por Hitler como seu “conselheiro próximo”, o segundo depois de Goring para suceder o Fuhrer, ajudou a implementar o ambientalismo ideológico do partido nazista através de uma série de leis, programas de reflorestamento, proteções legais para espécies, bloqueios ao desenvolvimento industrial, etc. Os nazistas criaram as primeiras reservas naturais da Europa.

Agora, pouco importa – e Ecofascismo: Lições da Experiência Alemã não transparece no seu título – que a história seja um pouco diferente na Itália, o lugar onde o “fascismo” foi lançado originalmente. As raízes primordiais do fascismo lá são interessantes e – embora menos influentes que a expressão socialista nacional – ainda prevalecem de diferentes formas nos meios fascistas contemporâneos. Um “modernismo” que quer arrancar destrutivamente todo o legado do passado inicialmente combina bem com a virada de Mussolini para um niilismo que reverencia a violência. É claro que existiam dezenas de futuristas que eram anarquistas e condenaram e lutaram contra o fascismo, e também não havia dúvida que havia alguns ecologistas que combateram o regime nazista. O livro Ecofascismo não faz nenhuma tentativa de mostrar essas complicações.

Mas vale a pena examinar o arco que vai do modernismo italiano para a ecologia alemã. Isso porque, é claro, no final, o fascismo italiano se virou contra os futuristas – emprestando dos conservadores alemães críticas sobre a cultura globalizada, logo denunciando o futurismo como uma arte degenerada. Ainda assim, ao mesmo tempo que os nazistas tinham como apelo central o passado e o essencialismo de uma forma que conflitava profundamente com certas noções “modernistas”, eles também abraçaram edifícios artificiais, paradas militares e uma máquina de guerra gigantescos. Embora acadêmicos geralmente coloquem o fascismo como principalmente anti-moderno, certamente alguns o viram como fornecedor de novas narrativas e estruturas titânicas que podiam eliminar o passado. Novas mega narrativas e estruturas? Parece meio esquisito em relação a um retorno para uma vida natural simples.

Mesmo assim, a despeito do seu nome, os futuristas se importavam menos com todas essas conotações sobre “progresso” do que com a destruição masculina violenta, a masculinidade essencializada, a violenta destruição da ordem existente. De fato, essa adoração do novo, da gigantesca guerra mecanizada, apareceu fundada na noção de um retorno à identidade essencial, natural. Então, mesmo nas correntes que mais apreciavam o horror industrial, ainda havia uma falácia naturalista que venerava um tipo de consciência e racionalidade que cheiravam a violência.

Ainda, é claro que importa muito que os nazistas tenham criado uma máquina de guerra industrial. Eles não eram primitivistas completos. Obviamente.

Os nazistas certamente acreditavam no ambientalismo e na redução dráastica da “sobrepopulação” da Europa e do mundo, mas eles eram tão comprometidos com a supremacia da raça ariana mística assim como com o projeto de Estado-nação e a máquina de guerra para poder realizar seus objetivos. Os nazis demandaram a agricultura orgânica, mas não estavam destruindo todo o setor agrário. Na sua sede por poder, construíram projetos infraestruturais gigantescos como a Autobahn (sistema de rodovias), e uma enorme vigilância burocrática para, no final das contas, fazer essa “harmonia com a natureza” não contar muito. Havia protestos internos dos verdadeiros crentes ideológicos dentro do movimento nazista contra coisas como drenagem de pântanos, mas mesmo assim isso foi levado a diante.

Os ambientalistas radicais tentaram passar a “Lei para a Proteção da Mãe Terra do Reich” e tiveram o apoio de todos os ministros menos o da economia, que estava mais preocupado com a mineração e a industrialização necessárias para realizar a guerra.

Essa é mais ou menos a história do partido nazista. Enquanto uma ideologia ecológica reacionária fundamentasse suas aspirações, eles precisavam fazer as coisas para poder alcançar seus ditos fins e isso, em última instância, significava uma máquina industrial de guerra.

Para aquelas pessoas que veem a mecanização da matança no século XX como uma forte, qualitativa e objetiva interrupção com a matança generalizada do milênio anterior, o fascismo serve apenas como o mais emblemático dos exemplos. Nessa perspectiva, é algo mais sólido como o “modernismo” que é responsável pelo nosso senso de horror com relação ao regime nazista. E certamente podemos sentir um impulso para fundir marxismo, capitalismo, e o fascismo como sendo a ideologia principal, já que os meios que elas escolhem acabam fortemente convergindo.

Porém, então, os primitivistas são familiares com esses prós e contras dos meios-e-fins. John Zerzan usava óculos. Ted Kaczynski usava tecnologia para matar pessoas. Quase sempre haverá algum pragmatismo em como alguém se engaja num mundo do qual não gosta, especialmente quando quer ver uma mudança cataclísmica. Embora eu esperasse que ninguém que esteja lendo este texto aceitasse um Estado-nação como uma máquina industrial de guerra como sendo um meio válido, devemos admitir que sempre há o perigo do utilitarismo sedutor em nossos meios.

Que o leninismo alegue, grosso modo, os mesmo valores ou objetivos que o anarco-comunismo, isso, na verdade, é motivo para parar e refletir sobre como tal divergência catastrófica “na execução” pode acontecer e se ainda existe alguma semente duradoura desse tipo na ideologia anarco-comunista atual. Só porque perdemos o desvio para o massacre industrial total levado pelo Estado-nação não quer dizer que conseguimos evitar todo tipo de corrupção. Há lugar para as críticas de anarquistas verdes que diagnosticam tendências comuns entre as máquinas industriais de morte da nossa era.

Porém, será inútil definir o fascismo meramente em termos de tais meios estatistas extremos. E a miríade de fascistas que, desde o terceiro Reich, se posicionaram contra ambos, o Estado e a sociedade industrial, deveria nos lembrar que o fascismo é uma filosofia do mal anterior aos meios malvados que ele escolhe. Hoje, podemos apontar para merdas como os Lobos da Vinlândia e Augustus Invictus (agora ele é um grande fã do tio Ted), e em 1995 certamente não faltavam exemplos para Janet Beihl. Quem pode, nessa era, verdadeiramente opor-se à frase de Wolfgang Haug que diz: "A Nova Direita, com efeito, quer, acima de tudo, redefinir as normas sociais para que a dúvida racional seja encarada como decadente e seja eliminada, e que novas normas “naturais” sejam estabelecidas."

Os atuais ecologistas ocultistas que falam de uma força vital cósmica obscura ou que divagam sobre a “natureza selvagem” e a intuição não são desvios malucos do fascismo histórico, mas estão na mesma longa e contínua linha. E não é difícil ver por que o essencialismo naturalista falacioso e a hostilidade ao pensamento se tornaram componentes comuns entre ecologia e fascismo. No livro, Bookchin é parcialmente colocado fora disso, como mostra uma citação sua: "uma ecologia que é mística, por sua vez, pode se tornar uma justificação para um nacionalismo místico”.

Mas, infelizmente, quando chegamos ao contexto moderno, Ecofascismo: Lições da Experiência Alemã lança seus ataques em parte trabalhando para a agenda bookchinita.

Na verdade, Bookchin parece bem feio de uma perspectiva antifascista. Biehl cita uma discussão que ele teve com Rudolph Bahro e dedica um bom número de páginas expondo todas as associações e afirmações fascistas de Bahro. Tudo isso desemboca numa enorme citação onde o velho Bookchin aniquila totalmente Bahro ou algo assim após aceitar um convite de fala dele. Pára tudo! Sim, você leu certo. Aceitou um convite pago para falar. Isso é tão altissonante quanto a parte que Jeff Tucker admite em seu próprio livro que um milionário nazista tentou recrutá-lo.

Podemos ter uma impressão diferente de que Bookchin – sempre propenso a uma fala paga e com sua clássica ingenuidade Sem Plataforma, de um velho dinossauro de esquerda – fez merda e agora a incumbência dos seus seguidores é limpar a bagunça que ele deixou, se esforçando para reenquadrar a narrativa como antifa.

Mas talvez a atitude de Bookchin aceitar o convite de fala vindo de um líder fascista – ou pelo menos bem fascho – era uma decisão estratégica bem esperta que fez mais bem do que mal. Quem sou eu, décadas depois, para julgar? Porém, certamente temos a impressão de que Biehl sabe que tudo isso soa muito mal e está escrevendo muito em função de reverter isso.

Dei ênfase nesta resenha, muito mais fortemente que nas minhas outras resenhas de livros antifascistas, às ideologias não-fascistas que estavam em jogo: as amplas ideologias “eco” como primitivismo, ecologia profunda, anti-civ, selvagismo, eco-extremismo, etc, uma misturança de posições muito próximas que tratei de uma maneira meio jogada, mas também as posições dos atacantes aqui, o bookchinismo, a ecologia social, o municipalismo libertário, etc. É difícil fazer diferente. Esse é um livro que serviu como uma arma na guerra ideológica, mas distante do próprio fascismo, mesmo sendo um livro sólido sobre fascismo.

Vale ressaltar que Bookchin se via como um verde. Ele tentou desenhar um caminho do meio que evitava o conflito entre a capacidade de ação e a natureza, entre pensamento e estase. Ele viu a subida histórica de Estados e hierarquias sociais como um erro profundamente irracional, um artefato de uma transição turbulenta da evolução biológica para a evolução social.

“Após dez mil anos de evolução social bastante ambígua, devemos reentrar na evolução natural”, e instaura “não menos a humanização da natureza como a naturalização da humanidade”. (Ecologia da Liberdade)

E assim,

“a evolução natural desembocará na autoconsciência, no cuidado, e na compaixão com a dor, com o sofrimento, e com os aspectos incoerentes de uma evolução largada à própria sorte, que geralmente se desdobra de maneira instável.

Aqui vem o pepino: e se tudo isso é impossível?

E se os seres humanos simplesmente não conseguem interagir extensivamente com a biosfera de um jeito benéfico para ambos?

Bookchin era péssimo na compreensão ou disputa com a complexidade e a teoria da informação. Sua visão econômica era uma tremenda burocracia participatória – de intermináveis reuniões – que quase instantaneamente repele toda anarquista, não importa o quão interessado ela possa estar. Era também, como é óbvio para qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de economia, impossível. Simplesmente não dá para fazer crescer em escala a tomada de decisão coletiva de forma que ainda seja favorável ou que satisfaça os reais indivíduos para além de um pequeno projeto rural. Projetos ou produtos tecnologicamente complexos – e menos ainda qualquer economia inovadora ou fluidamente adaptativa – requer dinâmicas de mercado.

Dessa forma, será que é de se surpreender que Bookchin tenha falhado em lidar com as questões de complexidade em jogo na nossa integralidade ecológica?

Os cérebros humanos não conseguem lidar ou compreender produtivamente a biosfera muito mais do que os planejadores do soviete central conseguiram lidar ou entender o mercado. Mas tampouco podemos silenciar a destrutividade inata de nossa criatividade e nossa capacidade investigativa de vivermos em “harmonia” dentro da natureza puramente como engrenagens instintivas.

Com isso, não estou sugerindo um chamado para uma guerra de extermínio, mas um divórcio – o mais agradável possível, espero, e com pensão alimentícia. Uma justiça restaurativa perfeita é impossível, mas podemos fazer o mínimo essencial: retirar os pavimentos, fechar as saídas de dejetos das fábricas, replantar o Saara, recuar para cidades fechadas, e por fim, sair da Terra.

Pensamento ativo inerentemente significa risco, instabilidade e ruptura. Não podemos abraçar a integralidade como Seres enquanto, ao mesmo tempo, expandimos nossa liberdade para o interminável processo de Vir-a-Ser. A ecologia social de Bookchin foi, no final das contas, uma tentativa equivocada e desesperada de unir coisas incompatíveis.

Uma vez tiradas as escolhas mais fundamentais, torna-se aparente que fascismo e primitivismo não são ideologias absurdamente diferentes que se misturam de forma bizarra – não, elas são muito próximas porque elas brotam da mesma raiz. O mesmo impulso reacionário a aceitar o estável e o preexistente.

Essa é uma realidade que Bookchin era péssimo em compreender porque 1) ele era avesso a realmente examinar a inclinação a falácias naturalistas que ele herdou de Kropotkin, e 2) porque ele certamente não era muito consistente com relação à liberdade.

Então, a avaliação de Bookchin permanece superficial: o problema é que os verdes maus rejeitam a bagagem histórica da esquerda, como o Iluminismo e a racionalidade. Porém, o problema é que termos como “modernismo”, “racionalidade”, e “o Iluminismo” há muito tempo se tornaram uma massaroca tanto de coisas boas quanto de coisas ruins, permitindo que as pessoas ora usem-nos para criticar, ora para se defender. Termos como “razão” foram sequestrados e deformados em certos discursos até que conotem não o pensamento crítico, mas a imposição de certos regimes de administração codificada.

E, caramba, como Bookchin adorava umas distopias burocráticas de tirania coletiva. Assim, as mesclas mais problemáticas tornaram-se piores pelos seus defensores, envenenando o discurso anarquista por mais de uma geração.

Ecofascismo: Lições da Experiência Alemã está profundamente montado em toda essa história. Hoje, ele parece um cadáver de um conflito ideológico onde nenhum dos combatentes tinha futuro. Isso é uma pena, pois diferente de livros mais rigorosos como A Política do Sangue e do Solo: Ideais Ambientalistas da Alemanha Nazista, ele foi confeccionado de uma maneira linda para ser sucinto e acessível para o todo do movimento anarquista.

Botei um monte de lenha na fogueira falando da ideologia responsável pelo livro, mas, cá entre nós, eu gostei. O que me preocupa é que só consegui fazer uma leitura generosa estando décadas afastado do conflito e tendo queimado minhas próprias pontes com o pós-esquerdismo. Duvido que muitas outras pessoas, curtidas há tanto tempo no tribalismo da pós-esquerda, terão qualquer motivação para pegar o livro, ou, a essa altura, tenham qualquer coisa nas suas veias.

Hitler ser vegetariano foi por muito tempo o clássico exemplo fácil de uma posição ideológica irrelevante.

Mas e se não era?

E se toda a papagaiada “hippie direitista” dos nazis não era um barulho aleatório, mas estava profundamente relacionada à sua ideologia fundamental? E se o, aparentemente, insano balaio de gato de posições que os nazis sustentavam fosse, na verdade, relativamente coerente?

O livro Ecofascismo não é uma confusão de associações marginais. Ele apresenta, de maneira convincente, o papel significativo que a ecologia teve no desenvolvimento do socialismo nacional. A variante do fascismo de Hitler – de longe, a mais influente – estava profundamente ligada às narrativas da “ecologia”, e aos essencialismos diretos e à rejeição do pensamento que isso proporciona. Entretanto, para entender de fato essa forte associação, e menos para combatê-la, requer irmos além da confusa perspectiva que Bookchin fornece.

O Mito da Natureza

João Bernardo

passapalavra.info/2011/11/98773

a mitificação do camponês

25/11/2011

A aceitação do mito do equilíbrio natural corresponde ao triunfo absoluto da tradição. Por João Bernardo

Desde há mais de um século que a extrema-esquerda prognostica com uma insistente regularidade a crise do capitalismo, e quanto mais revolucionários se pretendem esses profetas, tanto mais anunciam que se trata da crise definitiva e derradeira. Apesar disso o capital tem-se acumulado e concentrado, a economia tem crescido e o sistema tem-se reforçado e desenvolvido, o que não impede as habituais previsões de se repetirem. Mas estes erros de óptica não se devem apenas ao facto de a generalidade dos revolucionários tomar os desejos por realidades e construir as estratégias em cima de sonhos. Deve-se também a uma instabilidade inerente ao capitalismo.

crise-2O capitalismo é o único modo de produção a exigir a instabilidade, quando todos os sistemas económicos anteriores procuraram garantir que as suas condições de funcionamento se conservassem inalteradas. Os antigos sistemas tendiam a reproduzir a mesma profissão nas mesmas famílias e os mesmos tipos de produção nos mesmos lugares, mas o capitalismo alterou decisivamente este panorama e instituiu como regra a mobilidade da força de trabalho e a mutabilidade dos tipos de produção. Por isso o capitalismo não pode sobreviver nem desenvolver-se sem permanentes crises sectoriais e regionais, sem a ininterrupta adopção de novas técnicas e novos sistemas organizativos, sem que estejam sempre a ser lançadas no desemprego multidões de trabalhadores enquanto outras são absorvidas por novos ramos de actividade, sem a contínua deslocação de volumes muito consideráveis de capital e a migração de enormes vagas humanas, sem uma destruição que é sempre acompanhada pela construção.

A instabilidade, em vez de indicar qualquer crise geral do capitalismo, é, pelo contrário, um sintoma da sua vitalidade. Neste sistema a instabilidade não implica por si só um desequilíbrio, porque o equilíbrio pode restabelecer-se no tempo ou no espaço, quero dizer, um desequilíbrio pode ser compensado posteriormente ou noutro lugar por um desequilíbrio em sentido contrário. É por isso que erram os profetas apressados, ao confundirem instabilidade com crise.

Aquela confusão, porém, não é desprovida de base social, porque um modo de produção que, para assegurar a vitalidade dos seus fundamentos, não pára de pôr em causa as suas formas episódicas e de substituí-las por outras parece correr um risco grave. Será que os explorados, educados a admitir a mutabilidade de todos os meios económicos e de todas as condições de existência, acabarão afinal por conceber a precariedade do próprio regime de exploração? E assim, ao mesmo tempo que uma corrente ideológica proclama os valores do progresso e anuncia que a instabilidade faz parte das necessidades da vida, outra corrente insiste na necessidade de dotar a sociedade de uma âncora conservadora. As ideologias capitalistas têm oscilado entre estas duas perspectivas e, na generalidade dos casos, combinam-nas de formas variadas. Foi neste quadro que surgiu o mito da natureza.

camponeses-8A ideia de que a sociedade industrial rompeu o equilíbrio da natureza baseia-se na suposição de que este equilíbrio tivesse alguma vez existido. Os ecologistas, que conquistaram uma larguíssima expressão pública e conseguiram um surpreendente poder de intervenção na sociedade contemporânea, admitem implicitamente, quando não o fazem explicitamente, um axioma fundamental — o mito do equilíbrio natural e da natureza como padrão perante o qual devem avaliar-se as instabilidades económicas. A tal ponto que as contradições sociais são sistematicamente apresentadas como contradições entre a sociedade e a natureza, ficando deste modo escamoteados o processo de exploração e as suas consequências. Mas atribuir à natureza um estado originário de equilíbrio e remeter para ela os postulados genéricos de todos os demais equilíbrios é procurar aí a justificação de ilusórias harmonias sociais e, portanto, é alienar da sociedade os seus modos de funcionamento. A naturalização constitui a forma suprema de reificação. A partir do momento em que um dado padrão de ordem é apresentado como natural ele torna-se eterno e indiscutível. A aceitação do mito do equilíbrio natural corresponde ao triunfo absoluto da tradição.

Isto não seria de estranhar em ideologias conotadas clara e exclusivamente com a ala mais retrógrada do capitalismo. Mas é perturbante verificar que a extrema-esquerda engoliu com isco, anzol e cana de pesca o mito da natureza — e esta é uma situação nova. Até há poucas décadas atrás a esquerda caracterizava-se pela ânsia de acelerar o futuro e os amantes de relíquias encontravam-se apenas entre os conservadores. Hoje a situação inverteu-se e é da extrema-esquerda que mais vozes se erguem apelando para os factores históricos de estabilidade, enquanto a direita, mesmo quando se pretende conservadora, não tem o mínimo receio de abrir caminho a inovações que liquidam os vestígios do passado. Aliás, por que motivo a antiguidade de uma cultura ou de um comportamento colectivo é apresentada como critério em abono da necessidade da sua sobrevivência, quando se podia com mais lógica argumentar que para algo que já dura há muito tempo teria chegado a altura de se extinguir?

Um dos artifícios do multiculturalismo é o de se insurgir contra a destruição de culturas, línguas e modos de vida arcaicos, como se eles tivessem existido desde sempre e não tivessem resultado, por sua vez, da destruição de culturas e línguas anteriores. Os multiculturalistas servem assim um duplo objectivo. Em primeiro lugar, num amplo plano estratégico, procuram manter a população pobre fragmentada numa multiplicidade de minigrupos, precisamente quando o capital, por seu lado, se encontra globalizado mundialmente. Este é um importante factor de fortalecimento do capital aquando dos confrontos sociais. Em segundo lugar, e no âmbito mais reduzido dos seus interesses profissionais, os multiculturalistas, todos eles de extracção universitária, procuram conservar em vida as suas cobaias humanas, que lhes servem para fazer as teses e artigos sobre as culturas e línguas em que se especializaram.

camponeses-4A natureza é um mito porque ela não existe senão como objecto da acção humana. Se eu fosse definir os limites da natureza, usaria termos equivalentes aos da coisa em si de Kant, ou seja, daquilo que, mantendo-se exterior à acção humana, não pode ser conhecido, porque o homem só pensa e conhece a sua própria actuação. Já desde os primórdios da humanidade esse mito foi desvendado. Os arqueólogos que têm tentado reconstituir a base das concepções vigentes no neolítico e os pesquisadores que se dedicam à análise estrutural das narrações mitológicas consideram que um dos elementos fundadores das ideologias arcaicas era a oposição entre a cultura humana e a natureza, entre o mundo civilizado e o espaço selvagem. Aristóteles inseriu-se numa longuíssima linhagem e, ao definir o homem como um animal social, estava realmente a defini-lo como um ser antinatural. O facto de Aristóteles, para estudar o fenómeno da mudança, ter recorrido a analogias extraídas da actividade artística e artesanal indica que considerava a natureza como objecto de intervenção. Enquanto princípio de mudança, a natureza, tal como ele a entendia, opunha-se por um lado ao acaso e por outro opunha-se também ao ofício do artesão e do artista. Reciprocamente, os artistas e os artesãos, embora se servissem dos mesmos materiais que a natureza, transmutavam-nos em formas diferentes; por isso, em vez de imitarem a natureza, entravam em concorrência com ela. Nesta perspectiva, no século II antes da nossa era, numa época em que as técnicas haviam começado a adquirir outra importância, o filósofo estóico Panætius de Rodes defendeu que a actividade manual dos seres humanos é capaz de completar a natureza, criando como que uma nova natureza. E nos alvores da época em que a ciência se tornou experimental, aquele clássico metodológico que é o Novum Organum de Bacon anunciou que «a técnica é o homem acrescentado à natureza», o que implicava, como observou Jean-François Revel, arguto comentador de questões filosóficas, «que a natureza sem a técnica humana não seria a natureza». A todos os desequilíbrios inerentes à natureza devemos somar mais um, o da acção social, que, sendo sempre contraditória, só pode entender-se como um desequilíbrio determinante de desequilíbrios.

carvaoAs sucessivas tecnologias não se limitaram a instaurar desequilíbrios. Todas elas, enquanto materialização de dados sistemas de relacionamento social, surgiram para resolver desequilíbrios mais ou menos agudos resultantes da apropriação social da natureza, inaugurando assim formas diferentes de desequilíbrio. Não estou a escrever aqui uma história da tecnologia em vários volumes, por isso cabe um único exemplo, ilustrativo dos demais, sem excepção. O recurso ao carvão mineral no começo da indústria capitalista, na passagem do século XVIII para o século XIX, uma fonte de energia muito poluente e a que hoje se atribuem tão grandes culpas, surgiu para resolver um enorme desequilíbrio provocado durante o regime senhorial, quando a madeira era o material empregue em praticamente todas as construções e todos os tipos de fabrico. Este uso extensivo da madeira como matéria-prima provocou uma retracção tão acentuada dos bosques e das florestas que na Grã-Bretanha a lenha teve de ser importada de países distantes, atingindo preços incomportáveis. O uso do carvão mineral veio solucionar a crise suscitada pelo uso da madeira na sociedade europeia pré-capitalista.

A indústria moderna limitou-se inicialmente a resolver os desequilíbrios insustentáveis que haviam resultado das tecnologias e das formas de exploração que a precederam, e a partir de então tem encontrado resposta aos desequilíbrios que ela própria criou, avançando para outras modalidades contraditórias e, por isso, desequilibradas. Nem sequer se deve julgar que a sociedade industrial atingiu uma potencialidade destruidora superior, em termos relativos. Bem pelo contrário, pode definir-se como regra que quanto mais rudimentares forem os meios técnicos empregues por uma sociedade tanto mais vastas serão as repercussões da sua acção sobre a natureza, por comparação com os resultados obtidos no plano da produção material. Não faltam os estudos de sistemas económicos tanto de povos pré-históricos como de povos contemporâneos utilizando tecnologias arcaicas que confirmam esta regra. Limito-me a dois exemplos. Os grupos sociais nómadas que usavam instrumentos de pedra lascada não os voltavam a afiar quando o gume estava embotado, mas punham-nos de lado e talhavam outros instrumentos. Em prazos muitíssimo breves, agrupamentos humanos diminutos conseguiam esgotar completamente pedreiras consideráveis, estabelecendo-se então junto a uma nova fonte de abastecimento, até que a tivessem consumido também, e assim sucessivamente. Como o mesmo sistema era aplicado às outras matérias-primas e aos alimentos, em pouco tempo se provocava a depredação de enormes territórios. Uma das técnicas que os pequenos grupos itinerantes de colectores usavam para caçar animais consistia em lançar fogo a uma floresta ou uma savana quando o vento fazia as chamas correr em direcção a um precipício, levando os animais a despenhar-se para fugir às chamas. Ficava assim queimada uma enorme área e matava-se um número de animais superior às capacidades de consumo, porque, não sendo ainda conhecidos métodos de conservação a longo prazo, a carne só era comida enquanto não apodrecia. Quando partia para outro lugar, esse pequeno grupo humano deixava atrás de si uma destruição incomparavelmente superior aos benefícios que retirara da caçada. Podia somar interminavelmente exemplos, todos eles demonstrativos de uma regra única, a de que, proporcionalmente ao nível de produção pretendido, as tecnologias mais toscas são as que ocasionam efeitos secundários mais consideráveis e que perturbam áreas mais vastas.

a-1O mito do equilíbrio natural é inseparável do mito do bom selvagem, do ser humano primitivo em harmonia com o meio circundante. A própria concepção moderna de selvagem, elaborada por uma sociedade europeia possuidora de algumas técnicas de produção bastante avançadas, resultou de uma distorção da capacidade de observação dos navegantes e colonizadores, que não conseguiam ver a considerável sofisticação daquela humanidade que abordavam pela primeira vez. Procurando nos outros apenas aquilo que eles mesmos possuíam, os europeus chegaram, evidentemente, à conclusão de que os outros nada tinham, ou muito pouco, quando na realidade essas sociedades, embora mantivessem em formas simples certos âmbitos de actividade que na Europa tinham atingido uma grande complexidade, haviam desenvolvido a complexidade de outros âmbitos, que não ultrapassavam entre os europeus um estado rudimentar. Difundiu-se assim, para o bem e para o mal, a noção da existência de selvagens em comunhão com a natureza, em vez de se entender que essas pessoas actuavam também sobre a natureza, destruíam-na e recriavam-na em moldes sem dúvida diferentes dos europeus, mas nem por isso menos carregados de consequências.

camponeses-2O mito do bom selvagem, continuado por antropólogos que curiosamente, no panorama político actual, gostam de se situar na esquerda, tem reforçado as implicações socialmente conservadoras do mito da natureza. Se a terra, mãe comum, fosse a fonte inesgotável de uma tradição perene e imutável, então os homens e as mulheres pretensamente desprovidos de técnica seriam os actores de uma vida exemplar. O tipo de racismo surgido nos países germânicos com o romantismo, na passagem do século XVIII para o século XIX, introduziu uma alteração neste mito, entronizando como modelo da tradição não a gente de outras peles e outros narizes, mas aquela parte da população europeia que fora relegada para o emprego de instrumentos arcaicos, ou seja, os camponeses. A noite dos tempos é a ignorância dos historiadores e a imutabilidade das técnicas arcaicas é a ignorância dos comentadores triviais acerca das mutações operadas. Quem procura na história uma estabilidade que jamais existiu está a adulterá-la para servir as conveniências políticas do presente. Pouco importa hoje aos entusiastas do arcaísmo camponês que desde as pesquisas de Lefebvre des Noëttes e depois, noutra perspectiva, de Marc Bloch e dos seus seguidores, bem como de Haudricourt, se saiba que as técnicas rurais, longe de se terem mantido imutáveis, haviam sofrido numerosas adaptações e mesmo, por vezes, remodelações muitíssimo profundas e relativamente rápidas, destinadas a resolver desequilíbrios provocados pelas técnicas anteriores e inaugurando assim desequilíbrios novos. Numa obra dedicada ao regime senhorial europeu entre o século V e o século XV (ver as Referências no final deste artigo) analisei detalhadamente as transformações operadas nas técnicas agrárias e o leitor muito interessado encontrará aí abundantíssima bibliografia. Mas servirá para alguma coisa? É de mitos que se trata, e estes são tanto mais sólidos quanto mais cegamente resistem às demonstrações que os invalidam. Os camponeses europeus foram considerados pelo romantismo como estando imemorialmente apegados a técnicas que, por comparação com as velozes mutações difundidas na indústria, eram apresentadas como neutras, efectivamente não-técnicas.

Ilustrativo deste percurso ideológico é o caso de Ernst Moritz Arndt, um dos expoentes do racismo e nacionalismo romântico de conotação linguística, que derivou da apologia do campesinato para a apologia da terra. A natureza era, para Arndt, uma totalidade orgânica, em que plantas, pedras e seres humanos estavam inter-relacionados, sem que uns fossem mais importantes do que os outros. E assim o solo e a raça eram apresentados como partes de um mesmo conjunto.

camponeses-9No círculo de intelectuais formado pelo romantismo germânico tornou-se um lugar-comum a ideia de que as florestas haviam moldado a maneira de pensar teutónica e, portanto, haviam condicionado as características cerebrais da raça, e Martin Bernal, historiador que se deteve nestas questões, referiu «a insistente propensão dos românticos para deduzirem o carácter de um povo a partir das paisagens da sua terra natal». Note-se que eles não estavam a escolher o factor geográfico em detrimento do factor racial, mas a uni-los ambos num conjunto indiferenciado, porque a visão de dados panoramas naturais suscitaria uma dada linguagem, e uma dada linguagem corresponderia a uma dada estrutura cerebral. «Mal começava o século XIX», observou Peter Staudenmaier, «e já estava solidamente estabelecida a relação mortífera entre o amor à terra e o nacionalismo racista militante». Criou-se assim o mito da harmonia do camponês com a natureza ou, em termos mais drásticos, da própria integração do camponês na natureza, enquanto elemento natural. Cultivador de raízes, ele mesmo seria uma raiz, fundamente implantada na terra mãe.

Os ecologistas actuais, ao postularem o equilíbrio natural e considerarem a indústria demoníaca por haver introduzido o desequilíbrio, espartilham-se — possivelmente sem o saber — com um par de conceitos que estruturou a dialéctica da história na obra principal de Spengler, um dos monumentos do pensamento de extrema-direita nas primeiras décadas do século passado — a cultura, que corresponderia a uma essência orgânica e se definiria pela coesão interna, e a civilização, que seria meramente exterior e adventícia, não ultrapassando o plano técnico. Tratava-se para Spengler da oposição entre a vida e o artifício, entre o orgânico e o mecânico. «Cultura e civilização, isto é, o corpo vivo e a múmia de um ser animado!». Nestes termos, inevitavelmente, «a civilização representa a vitória da cidade. A civilização liberta-se da origem rural e corre para a sua própria destruição». Muito antes de se terem iniciado as lucubrações ecológicas, bastou a utilização daquele par de conceitos para que um dos clássicos do pensamento de extrema-direita chegasse à principal conclusão dos ecologistas.

Vejamos outros fios desta história.

Referências

A frase de Francis Bacon e o comentário de Jean-François Revel encontram-se em Jean-François Revel, Histoire de la Philosophie Occidentale de Thalès à Kant, Paris: Nil, 1994, pág. 357. A obra minha referida é Poder e Dinheiro. Do Poder Pessoal ao Estado Impessoal no Regime Senhorial, Séculos V-XV,. 3 vols., Porto: Afrontamento, 1995, 1997, 2002. O leitor deverá consultar o verbete Técnicas agrárias no Índice de Assuntos, no final de cada volume. A observação de Martin Bernal encontra-se na sua obra Black Athena. The Afroasiatic Roots of Classical Civilization, vol. I: The Fabrication of Ancient Greece 1785-1985, New Brunswick, Nova Jersey: Rutgers University Press, 1987, pág. 334. A passagem de Peter Staudenmaier está em Janet Biehl e Peter Staudenmaier, Ecofascism. Lessons from the German Experience, Edimburgo e San Francisco: AK Press, 1995, pág. 6. As citações de Oswald Spengler são retiradas da edição espanhola do seu livro, La Decadencia de Occidente. Bosquejo de una Morfología de la Historia Universal, Madrid: Espasa-Calpe, 1942-1944, vol. II, pág. 205, e vol. III, pág. 150.

a agricultura familiar no fascismo

02/12/201

Para não ter resultados económicos negativos, a apologia do arcaísmo rural ou ficou reservada ao plano ideológico ou foi compensada por medidas de carácter oposto. Por João Bernardo

Não poderemos entender o mito campestre sem nos apercebermos de que ele vigora num nível estritamente ideológico, servindo de adorno ao crescimento da grande produção fabril. São regimes promotores da industrialização ou até francamente tecnocráticos que propõem a pretensa harmonia rural como padrão de comportamento genérico. Assegurar a ordem e a obediência às hierarquias numa sociedade em mudança contínua, conseguir o milagre de enxertar a estabilidade dos modos de vida e de pensamento sem comprometer a necessária instabilidade da economia e os ritmos acelerados da produção — eis a ambição de quem promove o mito do campesinato e das suas raízes. As maiores companhias transnacionais sustentam hoje organizações não-governamentais destinadas a alertar a opinião pública acerca dos riscos da poluição e a promover outras boas causas, e nada há de contraditório nesta conjugação, já que os mesmos grupos económicos que poluem ou destroem o meio ambiente ganham redobradamente, depois, a vender serviços de limpeza da poluição e a reconstituir o meio ambiente. Exactamente da mesma maneira, em todos os regimes fascistas, sem excepção, existiam duas correntes, uma industrializadora e modernista, fazendo a apologia do mundo urbano e fabril, e a outra tradicionalista e ecológica, glorificando o mundo rústico.
ford-3
Um dos estabelecimentos fabris instalados por Ford nas zonas rurais (junto ao rio Raisin, em Dundee, Michigan)

A mitificação da agricultura familiar foi gerada em conjunto com a produção fabril em série. Henry Ford é uma figura que qualquer pessoa associa imediatamente à indústria de massas, mas ele foi também um incansável apologista da sociedade agrária e da agricultura familiar. «Sou um homem do campo», afirmou em 1918, uma das muitas declarações do mesmo estilo que prodigou ao universo. «Quero ver cada acre da superfície terrestre coberto por pequenas quintas, onde habitem pessoas felizes e satisfeitas». Estes devaneios ruralistas não eram politicamente inocentes, porque foram desenvolvidos poucos anos depois em The International Jew (O Judeu Internacional), uma obra que Ford assinou e que tanto contribuiu para divulgar o anti-semitismo, exercendo uma influência directa sobre o racismo alemão e nomeadamente sobre Hitler. Na primeira edição de Mein Kampf Hitler classificou Henry Ford como um «grande homem» e durante vários anos ornamentou com uma fotografia dele a sua mesa de trabalho. Aliás, mais tarde o Terceiro Reich homenagearia Henry Ford com uma condecoração. «A teoria mais desastrosa», escreveu ou mandou escrever o grande industrial, «é a que estabelece um contacto íntimo e uma harmonia entre as ideias modernas e as catástrofes delas resultantes, dizendo que “tudo são sinais de progresso”, porque, se realmente forem, então será de um progresso que conduz ao abismo. Ninguém pode assinalar um progresso efectivo no facto de que, onde os nossos antepassados usavam moinhos de vento ou hidráulicos, nós empreguemos motores eléctricos. Sinal de um verdadeiro progresso seria a resposta a esta pergunta: que influência essas rodas exercem sobre nós? Foi a sociedade da época dos moinhos de vento melhor ou pior do que a actual? Foi mais uniforme nos costumes e na moral? Tinha mais respeito pela lei e formava caracteres mais elevados?».
«O Judeu Internacional» foi originariamente publicado em folhetim no jornal de Ford.
«O Judeu Internacional» foi originariamente publicado em folhetim no jornal de Ford

Estas linhas, assinadas por um dos empresários que mais contribuiu para tornar obsoletos os velhos moinhos e propagar os novos motores, só parecerão extraordinárias se não virmos, na continuação do livro, que Ford pretendia defender o que considerava serem valores autenticamente norte-americanos contra o cosmopolitismo e o desenraizamento atribuídos aos judeus. Não eram os motores das suas fábricas mas os agentes da finança internacional judaica quem poria em causa as harmonias agrárias, e assim o ruralismo de Ford fazia parte do seu anti-semitismo. Ele considerava que os tractores saídos das suas linhas de montagem contribuiriam para revitalizar as famílias rurais, e com o mesmo objectivo defendia a implantação de pequenos pólos industriais disseminados nos campos e movidos pela energia hidráulica. «As fábricas e as quintas deviam ter sido organizadas não como concorrentes mas como colaboradoras», postulou Ford. O certo é que, pondo o dinheiro onde pusera as palavras, mandou construir alguns pequenos estabelecimentos fabris, integrados no complexo de indústria automóvel e cuja mão-de-obra estava dispensada do trabalho industrial nas ocasiões em que precisasse de atender às exigências da agricultura. Aquele fanático da produção fabril de massas nunca perdeu o entusiasmo pelas excursões campestres nem o gosto pelas danças aldeãs, e parecia encontrar na calma dos campos as mesmas lições de humildade, de modéstia e de respeito que o chefe do fascismo português professava.

«A agricultura», disse Salazar em Maio de 1953, «pela sua maior estabilidade, pelo seu enraizamento natural no solo e mais estreita ligação com a produção de alimentos, constitui a garantia por excelência da própria vida, e, devido à formação que imprime nas almas, manancial inesgotável de forças de resistência social». Estas timoratas palavras foram proferidas a propósito do primeiro Plano de Fomento, e como o presidente do Conselho receava que o desenvolvimento económico provocasse o colapso do seu morigerado país, explicou que «aqueles que não se deixam obcecar pela miragem do enriquecimento indefinido, mas aspiram, acima de tudo, a uma vida que embora modesta seja suficiente, sã, presa à terra, não poderiam nunca seguir por caminhos em que a agricultura cedesse à indústria». E avaliando a situação enquanto financeiro e enquanto ideólogo, Salazar concluiu: «Sei que pagamos assim uma taxa de segurança, um preço político e económico, mas sei que a segurança e a modéstia têm também as suas compensações».
campanha-do-trigo-1
Cartaz da Campanha do Trigo, no fascismo português

É interessante desvendar estas origens históricas da tese da soberania alimentar, sobretudo quando os seus promotores actuais, no MST e nos outros movimentos de luta pela terra, a apresentam como um programa de esquerda ou mesmo anticapitalista. Curiosamente, aquela tese é defendida numa época em que a altíssima produtividade conseguida pelos maiores produtores agro-pecuários e o grande volume de exportações daí resultante asseguram pela primeira vez na história um abastecimento alimentar adequado a todo o mundo. Se um país consumir exclusiva ou preferencialmente os alimentos ali produzidos e se isolar das redes do comércio mundial, a sua situação alimentar torna-se precária porque não consegue resistir às oscilações das colheitas próprias. As fomes catastróficas, que periodicamente são noticiadas pelos jornais e pela televisão e servem às organizações não-governamentais para angariar donativos, ocorrem sistematicamente em países ou regiões que por algum motivo estão isolados das redes mundiais de comércio. Não é a seca mas a incapacidade de se ligar ao mercado que provoca a fome. Porém, o facto de os resultados práticos da tese da soberania alimentar estarem patentes aos olhos de quem quiser ver não perturba os seus apóstolos, tanto mais que o tipo de socialismo que eles defendem se confunde com uma economia de escassez.

O problema é mais grave ainda porque as oscilações das colheitas agrícolas serão tanto maiores quanto menos industrializado for o cultivo e quanto mais difundida for a agro-ecologia. Soberania alimentar e agro-ecologia são elementos de uma mesma nebulosa ideológica. Basta olhar para as primeiras páginas de qualquer atlas histórico, onde está figurada a evolução das curvas demográficas, para se perceber num relance que o modo de produção capitalista permitiu um aumento sem precedentes não só da quantidade da população mas igualmente da esperança média de vida. A fome crónica e as epidemias, dois factores que nos modos de produção pré-capitalistas provocavam a estagnação demográfica, foram em grande medida solucionadas pelo capitalismo, que possui a capacidade técnica para operar uma resolução cabal. Aliás, foi precisamente este o contexto material que suscitou o aparecimento do socialismo moderno. O socialismo nasceu da compreensão de que a produção industrial de massa e a aplicação dos princípios da indústria ao campo proporcionam a satisfação de todas as necessidades materiais e tornam possível o desenvolvimento de uma civilização em que ficará ultrapassada a luta pela sobrevivência. É nesta perspectiva e nesta dimensão histórica que devemos entender a importância da agricultura industrializada e a sua consequência em termos de concentração do capital, o agronegócio. Mas não é no plano das realidades que vivem as boas almas ecologistas e, em nome do mito da natureza, preferem condenar a população à escassez e à iminência das catástrofes alimentares.
populacao-1
Crescimento populacional desde o século XIV até ao século XXI

Se pegarmos numa calculadora e fizermos o exercício de atribuir aos trabalhadores agrícolas dos principais países produtores de alimentos o baixo grau de produtividade que caracteriza os camponeses nos países e regiões onde se pratica a agricultura familiar tradicional, constataremos que se chega a uma redução catastrófica da produção agrícola e pecuária. É certo que a agro-ecologia se identifica com um socialismo da miséria; porém, a queda brutal de produtividade que seria provocada pela generalização desse sistema a todo o mundo já nem a miséria traria, mas o extermínio pela fome.

A experiência histórica dos fascismos, tal como a das empresas de Henry Ford, mostra que, para não ter resultados económicos negativos, a apologia do arcaísmo rural ou ficou reservada ao plano ideológico ou foi compensada por medidas de carácter oposto. Afinal de contas, mesmo quando o mito campestre surtiu efeitos institucionais, estas instituições tiveram a função única de servir de fachada ideológica.

Depois do que Henry Ford disse, escreveu e fez em prol da agricultura familiar, é esclarecedor que os estabelecimentos fabris que implantou em áreas rurais tivessem sido tão pouco numerosos que a sua mão-de-obra proveio de menos de mil famílias, o que mostra que aquelas noções tiveram apenas um valor de exemplo e foram desprovidas de consequências práticas. Mas mesmo enquanto exemplo estavam condenadas a fracassar. Ford defendia que a mecanização das fainas da terra, aumentando os rendimentos das famílias rurais e prolongando-lhes as horas de lazer, promoveria a aquisição de bens consumo e, além disso, permitiria aos agricultores empregar-se suplementarmente nos pequenos estabelecimentos fabris dispersos pela vizinhança, o que lhes melhoraria o nível de vida. Curiosamente para um industrial, ele considerou estas questões na perspectiva do mercado de consumo e não na dos movimentos de mão-de-obra. Na realidade, a crescente mecanização da agricultura, diminuindo o número de pessoas necessárias no campo, provocou uma debandada para as grandes cidades e pôs termo àquela sociedade rural que Henry Ford idealizara.
Mussolini na Batalha do Trigo
Mussolini na Batalha do Trigo

O efeito perverso das utopias ruralizantes verificou-se em todos os outros casos. Apesar de o movimento estético futurista ter marcado o fascismo italiano com uma inconfundível coloração industrial e urbana, Mussolini não tinha ilusões sobre a hostilidade que lhe votava o operariado das cidades. «É necessário dar ao fascismo um carácter predominantemente rural», declarou ele no conselho nacional do seu partido em Agosto de 1924, quando as repercussões do assassinato do socialista Matteotti punham em perigo o regime. Exaltando as pretensas virtudes bucólicas, Mussolini tomou uma série de medidas para reforçar o peso do sector rural na economia e na sociedade. Por um lado, a Batalha do Trigo, proclamada no Verão de 1925, procurou aumentar a produção agrícola. Com o mesmo intuito foi apresentado, em Outubro de 1928, um programa destinado a converter à agricultura vastos solos incultos e, quando conveniente, intensificar os cultivos. Por outro lado, anunciou-se em 1928 e 1929 a Batalha Demográfica, com a dupla finalidade de impedir o abandono dos campos e de colocar obstáculos à emigração para as cidades. Mas os próprios promotores destas medidas confessaram que os seus objectivos eram mais sociais do que económicos e se destinavam a reforçar a base conservadora. No plano económico foram um verdadeiro fracasso, não conseguindo suster a industrialização nem favorecer a ruralização. Foram-no igualmente no plano demográfico, a tal ponto que, para não se reconhecer publicamente a efectiva diminuição da população rural, adulteraram-se os resultados do recenseamento de 1936, classificando como trabalhadoras agrícolas as mulheres do campo que no censo de 1931 tinham sido consideradas donas de casa e aumentando indevidamente os números da população masculina dedicada à agricultura. Afinal, o que parecia ser uma política económica e demográfica resumira-se a uma encenação com intuitos propagandísticos.
Carlos Botelho pintou a visão rural do fascismo português
Carlos Botelho pintou a visão rural do fascismo português

Fazendo-se eco da política agrícola mussoliniana, a Campanha do Trigo lançada em 1929 pelo regime fascista português parece ter evitado a ruína total de boa parte dos pequenos produtores cerealíferos. Apesar disto, quer pelo sistema de preços praticado, quer pela organização do crédito, quer pela orientação dos subsídios, os principais beneficiados foram os grandes lavradores e os latifundiários, e as oportunidades de mercado criadas favoreceram mais ainda os industriais da moagem e dos adubos e os fabricantes de máquinas e utensílios agrícolas. É certo que Salazar procurou manter a pequena propriedade rural. Mas, não lhe sendo dadas condições para prosperar, agravou-se, afinal, a sua dependência relativamente aos grandes lavradores. Os camponeses modestos, que sempre figuraram em lugar de honra nas actividades culturais promovidas pelo Secretariado da Propaganda Nacional e tão frequentemente foram elogiados em termos idílicos nos discursos do presidente do Conselho, tinham um valor apenas ideológico. Uma publicação do Secretariado Nacional de Informação e Cultura Popular, continuador do Secretariado da Propaganda Nacional, proclamou que «o necessário, o verdadeiramente belo seria transformar Portugal rústico numa constante exposição viva de arte popular». Os camponeses eram vistos como peças de museu e deviam ser mantidos como tal. Já num discurso pronunciado em 1935 Salazar apelara a que «respiremos o ar puro e saudável da natureza e das mentalidades dos campos, longe destes sorvedouros de vidas, energias e saúde que são as cidades», e dois anos depois, na abertura da X Conferência da União Internacional contra a Tuberculose, ele admitiu que «a civilização materialista do nosso tempo» fosse responsável pelo recrudescimento daquela doença e enalteceu a «alegria do trabalho», a «modéstia dos desejos e ambições», a «satisfação das pequenas, simples e saudáveis coisas». Mas tudo somado, em 1966, num Portugal arrastado pela industrialização dos demais países, o ditador obsoleto reconheceu que «por mim, e se tivesse de haver competição, continuaria a preferir a agricultura à indústria; mas se quereis ser ricos não chegareis lá pela agricultura […] A faina agrícola […] é, acima de tudo, uma vocação de pobreza».

Esta «vocação de pobreza» levou o salazarismo a promover a formação de hortas na periferia de Lisboa e no interior do Porto e das outras maiores cidades. Durante os ócios, que deixavam assim de o ser, os operários eram incentivados a cultivar legumes e criar pequenos animais domésticos, produzindo suplementos alimentares que compensassem os baixos salários. Num círculo vicioso, este trabalho gratuito pressionava as remunerações no sentido da baixa, instaurando uma forma dupla de mais-valia absoluta. Aliás, não só nos fascismos mas em todos os outros regimes capitalistas a agricultura familiar tem servido de fonte de mais-valia absoluta, baseada no facto de o tempo de trabalho não ser contabilizado como custo na economia doméstica. Remeto o leitor para o que escrevi a este respeito num livro de fácil acesso (ver as Referências no final deste artigo). Mas é interessante verificar que aquela modalidade de agricultura familiar estimada pelo salazarismo é tida hoje pela esquerda ecológica como a última novidade, chegando alguns ao ridículo de cultivar hortas nas calçadas, quando ocupam simbolicamente praças por aqui e por acolá.
«A Terra Não Mente». Um camponês cumprimenta o marechal Pétain
«A Terra Não Mente». Um camponês cumprimenta o marechal Pétain

Outro exemplo das contradições implícitas no tema do regresso à natureza e da apologia da agricultura familiar foi fornecido em França pelo regime fascista conservador estabelecido em Vichy sob a égide das autoridades militares do Terceiro Reich, que ocupavam o país. Por um lado, a propaganda oficial e, mais do que tudo, os discursos do velho marechal Pétain invocavam a necessidade de regenerar a França através das virtudes rústicas e exaltavam como modelo o pequeno camponês. Mas, por outro lado, só pouco mais de mil e quinhentas famílias pediram os subsídios previstos na nova legislação e regressaram à actividade rural. E entretanto a reorganização económica do sector agrícola, em vez de obedecer aos interesses dos pequenos camponeses, foi entregue a técnicos estreitamente ligados à grande agricultura capitalista, nomeadamente à Confederação Geral dos Plantadores de Beterraba e à Associação dos Produtores de Trigo, e a intervenção do Estado destinou-se mais a estimular o aumento da produtividade do que a defender a exploração familiar.

Mas é no Terceiro Reich que melhor podemos analisar o mito da natureza e a política de promoção da agricultura familiar.

Referências

A primeira citação de Henry Ford e a terceira encontram-se em Allan Nevins e Frank Ernest Hill, Ford. Expansion and Challenge, 1915-1933, Nova Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1957, págs. 226 e 227. Note-se que na primeira citação traduzi «farmer» por «homem do campo» para evitar as ambiguidades do termo «camponês» aplicado aos Estados Unidos. A segunda citação de Ford foi extraída do seu livro El Judío Internacional. Un Problema del Mundo, Leipzig: Hammer, 1932, pág. 121 (sub. orig.). A opinião de Hitler sobre Henry Ford encontra-se em Mein Kampf, Londres: Pimlico, 1995, pág. 583. A primeira passagem citada do discurso de Salazar em Maio de 1953 encontra-se em Fernando Rosas, Fernando Martins, Luciano do Amaral e Maria Fernanda Rollo, O Estado Novo (1926-1974), em José Mattoso (org.) História de Portugal, vol. VII, Lisboa: Estampa, s. d., pág. 457. As outras duas passagens encontram-se em Fernando Rosas, «O Salazarismo e o Homem Novo: Ensaio sobre o Estado Novo e a Questão do Totalitarismo», Análise Social, 2001, XXXV, nº 157, pág. 1035. As declarações de Mussolini em Agosto de 1924 vêm citadas em Adrian Lyttelton, La Conquista del Potere. Il Fascismo dal 1919 al 1929, Roma e Bari: Laterza, 1982, pág. 406. A frase empregue numa publicação do Secretariado Nacional de Informação e Cultura Popular encontra-se em Joaquim Pais de Brito, «O Estado Novo e a Aldeia mais Portuguesa de Portugal», em O Fascismo em Portugal. Actas do Colóquio Realizado na Faculdade de Letras de Lisboa em Março de 1980, Lisboa: A Regra do Jogo, 1982, pág. 530. A citação do discurso de Salazar em 1935 pode ler-se em José Machado Pais, Aida Maria Valadas de Lima, José Ferreira Baptista, Maria Fernanda Marques de Jesus e Maria Margarida Gameiro, «Elementos para a História do Fascismo nos Campos: A “Campanha do Trigo”, 1928-38», Análise Social, 1976-1978, XIV, nº 54, pág. 354. As passagens do discurso de Salazar em 1937 estão em João Ameal (org.) Anais da Revolução Nacional, s. l.: Majesta, 1956, vol. IV, pág. 182. O trecho do discurso de Salazar em 1966 encontra-se citado em Fernando Rosas et al., op. cit., pág. 417. O meu livro referido é Economia dos Conflitos Sociais e a passagem mencionada encontra-se nas págs. 105-110 da edição Cortez (São Paulo, 1991) ou nas págs. 144-150 da edição Expressão Popular (São Paulo, 2009).

a agricultura familiar no nazismo

09/12/2011

A Alemanha, o país fascista que possuía a infra-estrutura mais avançada e as técnicas mais inovadoras, foi também aquele onde a mitificação do camponês atingiu as proporções mais delirantes. Por João Bernardo

oskar-martin-amorbachO camponês foi um dos mitos centrais do Terceiro Reich, mas para compreendermos o plano em que este mito se radicou devemos recordar que, contrariamente à maior parte dos outros fascismos, em que predominava o populismo social e económico, o fascismo hitleriano teve um carácter mais racial do que social. Em Maio de 1930, numa acerba discussão com Otto Strasser, um dos expoentes da extrema-direita populista, Hitler proclamou que «as únicas revoluções são as revoluções raciais; não pode ocorrer uma revolução política ou económica ou social — o que há sempre e apenas é a luta da camada mais baixa de raça inferior contra a raça superior dominante, e esta perde a partida se esquecer as leis da sua existência». E após ter tomado o poder, Hitler repetiu a um dignitário nazi que «qualquer política que não tenha uma base biológica ou objectivos biológicos é uma política cega».

Porém, até meados de 1934 o partido nacional-socialista teve uma vertente social, onde dominava a segunda figura do partido, Gregor Strasser, e uma vertente racial, centrada na Baviera, onde dominava Hitler e pontificava Alfred Rosenberg, o doutrinador oficial. A ascensão eleitoral dos nazis não se deveu à ala racista de Hitler mas à ala populista de Gregor Strasser, predominante no grupo parlamentar, que formulava as propostas de política económica. Isto significa que os votos de um número crescente de alemães foram mais atraídos pelo populismo do que pelo racismo. Até o anti-semitismo comum na extrema-direita germânica foi revisto e atenuado pela ala populista do nacional-socialismo. Gregor Strasser não revelou nenhum tipo de racismo que o distinguisse da generalidade dos membros das classes dominantes europeias daquela época. Por seu lado, Ernst Röhm, que durante os períodos em que chefiou as SA (Sturmabteilung, Secções de Assalto) foi uma das figuras mais influentes do partido nacional-socialista, jamais manifestou traços de anti-semitismo, e parece ter procurado refrear a política defendida por Hitler relativamente aos judeus. Mas o sangrento expurgo ocorrido na noite de 30 de Junho para 1 de Julho de 1934 liquidou os defensores de Gregor Strasser, que nessa altura já havia sido expulso do partido e foi assassinado, assim como liquidou Röhm e os seus fiéis e marginalizou as SA em benefício dos SS (Schutzstaffeln, Esquadrões de Protecção). Foi a partir de então que o nacional-socialismo se converteu num fascismo estritamente racial.

Criados primeiro como uma milícia pessoal de Hitler, os SS resumiam-se a 100 ou 200 homens em 1926 e a pouco menos de 300 em 1929, mas eram já 2.000 em 1930, 10.000 em 1931 e ultrapassavam os 50.000 por ocasião da tomada do poder, em Janeiro de 1933. Esta milícia foi convertida no principal instrumento de selecção biológica do nacional-socialismo. Recrutando os membros consoante critérios raciais e condicionando-lhes os casamentos também segundo critérios raciais, os SS pretenderam constituir uma elite biológica no interior de uma raça nórdica mais ampla, que desse lugar a uma verdadeira raça de senhores. Racismo e elitismo confundiam-se numa mesma política entendida como biologia aplicada. Podemos avaliar a dimensão deste processo ao sabermos que o número de membros dos SS subiu de 210.00 em 1936 para 350.000 em 1939 e 432.000 no ano seguinte, e que pelos Waffen SS (SS Armados), as forças militares daquela milícia, haviam passado 750.000 homens no Verão de 1942, atingindo-se os 900.000 no final da guerra.
Walter Darré
Walter Darré

Inicialmente foi sobretudo no campesinato que os SS pretenderam encontrar recrutas, consoante a orientação estipulada por Walter Darré. Amigo íntimo de Alfred Rosenberg, o doutrinador oficial do nazismo, Darré filiara-se no partido nacional-socialista em 1930 e fora nomeado conselheiro de Hitler para as questões agrícolas. Nessa época era muito estreita a colaboração entre Heinrich Himmler, Reichsführer SS, ou seja, chefe supremo dos SS, e o seu subordinado, o Obergruppenführer SS Darré, que desde o final de 1931 ficou encarregado do Departamento Central de Raça e Colonização dos SS. Em seguida, desde o Verão de 1933 até 1942, Darré foi Führer dos Camponeses do Reich e ministro dos Abastecimentos e da Agricultura.

wisselSegundo Walter Darré, a população sedentária que compunha o mundo agrário fora o elemento fundador da raça nórdica e continuava a fornecer-lhe o esteio mais sólido e duradouro, em contacto orgânico com a terra, regada pelo sangue dos antepassados. Os camponeses e os proprietários rurais, entre quem teriam outrora surgido os guerreiros e os nobres, seriam ainda a força vital da raça nórdica e deles haveria de renascer a nobreza de sangue, fortalecendo-se a nova raça de senhores. «Tal como a classe camponesa alemã é a fonte inesgotável do germanismo, devendo por isso beneficiar de um tratamento especial», teria declarado Darré a um grupo restrito de dirigentes do partido nacional-socialista no Verão de 1932, «será também necessário garantir a segurança perpétua da nova nobreza e defendê-la da degenerescência, submetendo-a às leis mais estritas da selecção biológica e ligando-a à terra de maneira muito especial. […] Desde o início do novo sistema que os membros da classe dirigente do partido que ainda não tiverem vínculos rurais deverão assumir a direcção de uma “fazenda da nova nobreza”, convertida em propriedade familiar hereditária. Daí em diante os chefes políticos do movimento deverão ser escolhidos unicamente entre os membros desta nobreza, instrumentos seleccionados do domínio mundial alemão». Já Hitler, em Mein Kampf, considerara o campesinato como o sustentáculo da raça e Rosenberg escrevera no mesmo sentido. O tema não era exclusivamente germânico, mas Darré converteu numa estratégia racial o que para outros constituía apenas a resolução de um dilema social. Heinrich Himmler, ainda para mais sendo agrónomo e membro do Conselho dos Camponeses do Reich, partilhou a mesma opinião e, como disse em 1937, também ele se julgava «pelos antepassados, pelo sangue e pelo temperamento um camponês». E no ano anterior afirmara que «a concepção de sangue defendida pelos SS está indissoluvelmente ligada à crença no valor do solo e no seu carácter sagrado».
himmler
Heinrich Himmler

Todavia, surgiu então uma discordância. Himmler começara a interessar-se pelo recrutamento sistemático dos principais empresários, dos principais gestores, dos membros mais proeminentes das profissões liberais. E como as normas de recrutamento dos SS constituíam elas mesmas um processo de depuração racial, não seria possível escamotear indefinidamente a contradição entre o quadro de selecção arcaico e rural defendido por Darré e o quadro moderno e urbano em que Himmler passara a empenhar-se. Os interesses específicos da tecnocracia SS, sobretudo quando ela adquiriu o domínio absoluto nos territórios conquistados a Leste do continente, deram azo a conflitos sérios quanto às modalidades de colonização e precipitaram para o plano prático hostilidades que até então haviam podido disfarçar-se em termos ideológicos, comprometendo a antiga convergência de pontos de vista entre Himmler e Darré. Pelo menos, com os dados de que disponho, é desta maneira que interpreto uma questão ainda controversa entre os historiadores. Obrigado em 1942 a abandonar a direcção do Ministério da Agricultura, Walter Darré foi também substituído na chefia do Departamento de Raça e Colonização dos SS.

sepp-hilzA preservação racial dos camponeses, no entanto, nunca deixou de ser defendida até ao final do Terceiro Reich e, mesmo depois de eles terem sido secundarizados enquanto base de recrutamento da nova elite racial, a agricultura familiar continuou a ser promovida cultural e economicamente.

O regime nacional-socialista sustentou uma classe de pequenos agricultores com custos tão pesados que entre 1934 e 1939, enquanto os orçamentos ministeriais aumentaram em média cerca de 170%, o Ministério da Agricultura viu o seu orçamento crescer cerca de 620%, ultrapassado apenas pelos ministérios dedicados à preparação militar e à repressão. Mesmo depois de começada a guerra, só três ministérios dispuseram de um orçamento superior ao do Ministério da Agricultura. Para firmar a nova ordem sobre uma base social e racial estável foi promulgada em 1933 uma lei, completada por um decreto três anos depois, que instaurou o sistema de morgadio em terras de pequenas dimensões, e em 1938 praticamente um terço da superfície cultivada obedecia a este sistema. Mas apesar de todos os esforços o número dos pequenos camponeses não cresceu significativamente, pois a lei de 1933 destinada a facilitar o desmembramento das grandes propriedades apenas proporcionou a instalação em terras próprias de um pouco menos de cinco mil famílias em 1935 e de mil e quatrocentas em 1938. Também na organização global da economia não progrediu a parte devida ao sector rural, desfavorecido pelos movimentos relativos dos preços agrícolas e industriais. No Reich nacional-socialista os camponeses desempenharam um papel muito mais notável nas fábulas raciais do que na vida real. «Quando os políticos idealizam o trabalho rural, estão sempre a ser hipócritas», anotou Victor Klemperer na entrada de 19 de Julho de 1937 do seu diário.

Por todo o lado a mitificação do camponês serve de biombo a uma política decididamente urbana e a industrialização prossegue ao som da lira campestre. Em regra, quanto mais uma se desenvolve no plano económico e social tanto mais se faz ouvir a outra no plano ideológico. Por isso a Alemanha, o país fascista que possuía a infra-estrutura mais avançada e as técnicas produtivas mais inovadoras, foi também aquele onde a mitificação do camponês atingiu as proporções mais delirantes. Quem observe a pintura executada no Terceiro Reich e imposta pelo gosto oficial tem de fazer um verdadeiro esforço para recordar que se estava numa das nações mais industrializadas do mundo e que o nazismo fora posto no poder para atingir taxas de crescimento económico muito elevadas. Não só a indústria era geralmente excluída da representação pictórica, identificando-se o mundo do trabalho com o meio rural, mas além disto os camponeses eram mostrados a manejar apenas instrumentos arcaicos, nunca usando a maquinaria agrícola, sem a qual a exploração moderna da terra teria sido impossível. Se bastava o lugar ocupado pelo campesinato na pintura do Terceiro Reich para mitificar a sociedade da época, a maneira como o camponês era figurado constituía uma mitificação suplementar. Tratava-se aqui estritamente de processos ideológicos.

werner-peinerComo não podia deixar de suceder no fascismo, onde a política era concebida enquanto acção estética, a ideologia apresentava-se como uma encenação. A ecologia serviu de pano de fundo no enorme palco de massas em que Hitler convertera o seu Reich, alcançando uma dimensão tanto maior quanto era necessário que cobrisse uma sociedade intensamente industrializada. Até à sua morte acidental nos princípios de 1942, Fritz Todt foi um dos principais personagens do regime. Encarregado de dirigir a construção de auto-estradas e criador da colossal Organização Todt, uma empresa de obras públicas de carácter paramilitar ligada directamente ao partido nacional-socialista, Todt procurou harmonizar a indústria e o meio ambiente, esforçando-se por integrar as grandes vias de comunicação na paisagem, ao mesmo tempo que impôs normas estritas de preservação da natureza e de manutenção do equilíbrio ecológico. «Na Alemanha, o objectivo final da construção de auto-estradas não é o mero serviço de transporte», proclamou ele. «A auto-estrada alemã deve exprimir a paisagem que a rodeia e exprimir a essência alemã».

E que essência era essa? Foi através da ecologia que os nacionais-socialistas inseriram o racismo num quadro ideológico e prático mais vasto. E de nada vale os actuais defensores da ecologia argumentarem que esta linhagem não é significativa e que o movimento ecológico, ou mesmo o MST e os outros movimentos de luta pela terra, recebendo um apoio de massas, estariam imunizados de tendências perversas, porque convém não esquecer que o fascismo foi igualmente um movimento de massas. Quando sabemos que os eugenistas colocavam os métodos de aperfeiçoamento biológico da raça humana no mesmo plano das melhorias a introduzir na criação do gado e na cultura selectiva das plantas e quando recordamos que eram muito estreitos os contactos entre as associações de criadores de gado e as sociedades eugenistas, compreendemos a íntima relação existente entre a ecologia e o racismo no Terceiro Reich.

julius-paul-junghanns-1Preservar a natureza e preservar a raça, cuidar dos animais domésticos e dos escravos eslavos considerados sub-humanos, arrancar as ervas daninhas e aniquilar os judeus, tudo isto era integrado pelos nacionais-socialistas numa esfera ideológica única. As primeiras reservas naturais na Europa foram criadas pelo Terceiro Reich, que levou a cabo um conjunto de medidas que qualquer ecologista dos nossos dias não deixaria de aplaudir. Em 1935, precisamente no mesmo ano em que foram promulgadas as chamadas Leis de Nuremberga, destinadas a assegurar a preservação da raça germânica, publicou-se um complexo legal visando a preservação da natureza, com um escopo sem precedentes. Muito claramente, foi uma mesma inspiração que presidiu a todas estas disposições, e a gratidão dos ambientalistas não se fez esperar. Em 1939 estavam inscritos no partido nacional-socialista 60% dos membros das principais associações de protecção da natureza que haviam existido durante a república de Weimar. «O artificial está por todo o lado», queixou-se Heinrich Himmler, Reichsführer SS; «por todo o lado os alimentos são adulterados com ingredientes que supostamente os fazem durar mais tempo ou ter melhor apresentação ou que os fazem passar por “enriquecidos” ou por qualquer outra coisa em que a publicidade da indústria queira que acreditemos […] estamos nas mãos da indústria alimentar, cujo poderio económico e cuja publicidade lhes permitem ditar o que podemos e não podemos comer». E este indómito defensor dos alimentos orgânicos anunciou um futuro brilhante para quando o Terceiro Reich triunfasse na guerra. «Depois da guerra tomaremos medidas enérgicas para evitar a ruína do nosso povo pelas indústrias alimentares».

georg-guntherHimmler promulgou em Dezembro de 1942 um decreto acerca da forma como o solo devia ser tratado nos territórios eslavos conquistados a Leste, em que se lê: «Os camponeses da nossa raça esforçaram-se sempre cuidadosamente por aumentar os poderes naturais do solo, das plantas e dos animais e por preservar o equilíbrio de toda a natureza. Para eles, o respeito pela criação divina é o padrão de toda a cultura. Assim, para que os novos espaços vitais se tornem uma pátria para os nossos colonos, uma condição prévia fundamental é o ordenamento planificado da paisagem, de maneira a mantê-la próxima da natureza». Já Walter Darré havia defendido que outros povos, como os celtas e os eslavos, não possuíam a mesma ligação entre sangue e solo que caracterizaria os nórdicos; e quanto aos judeus, eles seriam desprovidos de implantação na terra, já que eram um povo sem raízes. O Judeu Errante não era para os nazis só uma figura negativa do reino animal, mas igualmente do reino vegetal. No Terceiro Reich as pequenas fazendas familiares e a agricultura ecológica fizeram parte do mesmo quadro que levou ao genocídio dos judeus e à escravização dos eslavos. Assim como era preciso arrancar as ervas daninhas e domesticar o gado para «aumentar os poderes naturais do solo» e «preservar o equilíbro de toda a natureza», também — e pelas mesmas razões — se justificavam as medidas racistas. Como observou Emmanuel Ringelblum na sua crónica secreta, «Eles» — na linguagem parcialmente cifrada empregue por este historiador, «Eles», com maiúscula, designava os ocupantes nazis da Polónia — «comparam os judeus a uma planta parasitária que vive doutras plantas». Darré referira-se aos judeus como «ervas daninhas», e é conhecida a comparação estabelecida por Himmler entre os eslavos e o gado de trabalho, no aterrador discurso que proferiu em Poznan, em Outubro de 1943. «É-me completamente indiferente o que possa suceder a um russo ou um checo. […] É evidente que nunca devemos ser brutais ou cruéis sem necessidade. Nós, os alemães, que somos o único povo no mundo a ter uma atitude decente para com os animais, também assumiremos uma atitude decente para com estes animais humanos. Mas é um crime contra o nosso próprio sangue preocuparmo-nos com eles e darmos-lhes ideais […]».

A política racial de escravismo e genocídio foi apresentada pelos nazis como uma conclusão lógica do mito do equilíbrio da natureza, que fundamenta a ecologia. Por isso, em nada nos deve espantar o facto de as repercussões ambientais e paisagísticas terem sido debatidas pelos tecnocratas que dirigiram a ampliação do complexo concentracionário de Auschwitz. Entre o culto da natureza, enquanto apologia da autoridade e da tradição, e a invocação das raízes, enquanto legitimação do massacre rácico, a ecologia e a agro-ecologia contemporânea encontram o seu quadro inspirador.

Referências

A declaração de Hitler a Otto Strasser acerca da revolução racial encontra-se em Alan Bullock, Hitler. A Study in Tyranny, Harmondsworth: Penguin, 1972, págs. 157-158 e J. Droz, Le National-Socialisme, Paris: Centre de Documentation Universitaire (Les Cours de la Sorbonne, policop.), s. d., págs. 16-17. A declaração no mesmo sentido mencionada em seguida encontra-se em Hermann Rauschning, Hitler m’a dit. Confidences du Führer sur son Plan de Conquête du Monde, Paris: Coopération, 1939, pág. 274. As declarações de Walter Darré no Verão de 1932 estão reproduzidas em Hermann Rauschning, op. cit., págs. 55-56. A declaração de Himmler em 1937 pode ler-se em Roger Griffin (org.) Fascism, Oxford e Nova Iorque: Oxford University Press, 1995, pág. 147 e a declaração de 1936 está em E. K. Bramstedt, Dictatorship and Political Police. The Technique of Control by Fear, Londres: Kegan Paul, Trench, Trubner & Co, 1945, pág. 83. A citação do diário de Victor Klemperer encontra-se em Martin Chalmers (org.) I Shall Bear Witness. The Diaries of Victor Klemperer, 1933-1941, Londres: The Folio Society, 2006, pág. 268. A frase de Fritz Todt foi citada por Janet Biehl e Peter Staudenmaier, Ecofascism. Lessons from the German Experience, Edimburgo e San Francisco: AK Press, 1995, pág. 21. As declarações de Himmler em defesa dos alimentos orgânicos encontram-se em Jonah Goldberg, Liberal Fascism. The Secret History of the Left from Mussolini to the Politics of Meaning, Londres: Penguin, 2009, pág. 301. A passagem do decreto de Himmler de Dezembro de 1942 vem em Janet Biehl et al., op. cit., pág. 16. A citação de Ringelblum está em Emmanuel Ringelblum, Crónica do Ghetto de Varsóvia, ed. org. por Jacob Sloan, Lisboa: Morais, 1964, pág. 42. A referência de Walter Darré aos judeus como «ervas daninhas» está em Janet Biehl et al., op. cit., pág. 20. Finalmente, aquela passagem do discurso pronunciado por Himmler em Poznan, em Outubro de 1943, vem citada em Alan Bullock, op. cit., págs. 697-698 e Martin Gilbert, The Second World War, vol. II: From Casablanca to Post-War Repercussions, 1943-1945, Londres: The Folio Society, 2011, pág. 543.

As ilustrações reproduzem quadros de artistas do Terceiro Reich, de cima para baixo, Oskar Martin-Amorbach, Adolf Wissel, Sepp Hilz, Werner Peiner, Julius Paul Junghanns e Georg Günther.