OCUPE ESTELITA: ENTRE A NECESSIDADE DE OCUPAR E O MEDO DA RESISTÊNCIA

Desde a última quarta-feira, 21, algumas dezenas de jovens ocupam os galpões do Cais José Estelita, entre os limites da zona sul e o centro do Recife, reivindicando o direito de decidir e participar das políticas de revitalização urbana e de ocupação dos espaços públicos da cidade.

O movimento é justificado devido o Cais José Estelita ser alvo da cobiça de grandes corporações da construção civil que tentam empreender o Projeto Novo Recife, um local higienizado socialmente, com prédios residenciais de luxo, empresarial e hotel, disponibilizando seu usufruto apenas à parcela da população que pode comprá-lo.

O movimento denominado Ocupe Estelita, acontece na cidade desde de 2012 como parte de uma onda de ocupações públicas que assolou o país inspiradas pelo Ocuppy Wall Street. E entre vários coletivos, movimentos e indivídues colaboradores e simpáticos a causa existe o Direitos Urbanos, grupo que até agora foi o principal articulador em esfera jurídica e institucional, questionando o cumprimento das regularidades legais.

A atuação do Direitos Urbanos foi uma ação política fundamental que permitiu em diversas instâncias jurídicas, e através de debates públicos, uma avaliação crítica sobre os impactos sócio-ambientais da obra, sua revisão arquitetônica e estrutural e sobretudo uma análise minuciosa do projeto

Contudo, a conjuntura da ocupação atraiu lutas urgentes de populares marginalizades e invisibilidades e com isto foi evidenciado aspectos que antes não tinham sido devidamente problematizados. O questionamento mais aglutinador do Novo Recife é: ‘pra quem e pra que serve o projeto?’, mas, a proposta alternativa apresentada, até o momento, apenas expande quantitativamente as pessoas que poderiam circular no empreendimento, não considerando os interesses, demanda, necessidade e urgência dos setores, que devido a especulação imobiliária e a verticalização da cidade,encontram-se em situação de moradia extremamente precária e excluída.

A luta pela moradia nas cidades é equivalente a luta pelo direito a terra no campo, pois ambas almejam projetos políticos de caráter comunitário, autônomo e são brutalmente reprimidas pelas armas do Estado e invisibilizadas pelo fetiche da vida consumista urbana. Em tempos de crise ecológica, questionamento da democracia enquanto sistema político coerente e emergência de experiências políticas anti-hierárquicas e coletivistas se faz necessário pensar o projeto de cidade com propostas que priorizem o protagonismo político das pessoas com equidade e lhe permitam garantir suas necessidades com autonomia e liberdade, livres das imposições de mercado e regulações do poder público.

A tão rejeitada crítica à postura de classes, neste momento, vem como uma dificuldade em perceber e legitimar a urgência de pessoas que vivem de modos indgnos e inimagináveis para pessoas que sempre tiveram acesso à moradia, alimentação e educação garantidos. Durante as assembleias do movimento, a adesão de pautas populares na ocupação foi contra argumentada pela premissa de não poder garantir a segurança de mulheres grávidas e crianças numa situação de confronto com a polícia. Sobre isto cabe perguntar se no atual local onde estão completamente invisibilidades e sem apoio, estariam mais seguros? Se, ainda no local onde estão, sendo, pobres e na maioria pessoas negras, estariam isentos da violência, agressões e estupros cometidos pelos órgãos de repressão do Estado e das corporações?

Referências de ocupações urbanas questionadoras da democracia e das grandes corporações, no Brasil, como o Ocupe Sampa, Ocupe Rio e Ocupa POA, apesar de terem suas problemáticas, conseguiram reivindicar suas pautas políticas e resistirem por meses às investidas do Estado, graças a adesão de pessoas sem teto e em situação de rua. A marginalização que estes setores sofrem cotidianamente, lhes dão uma concreta propriedade para compartilhar táticas de resistência e experiências de conquistas garantidas a partir da luta. A vivência da ocupação nos movimentos citados possibilitou, entre outras coisas, trocas e interações entre pessoas de distintas classes – algo cada dia mais escasso nos espaços urbanos convencionais, organização horizontal e autogestionada e um aprendizado real sobre as lutas de resistência contra os desmandos do sistema capitalista.

Solidariedade, apoio mútuo e construção coletiva não são possíveis sem reconhecimento de privilégios. Um projeto politicamente justo, que considere as pessoas em toda sua diversidade de classe, étnica, sexual e cultural deve priorizar pautas básicas e urgentes como acesso à moradia e alimentação, bem como pensar sua execução fundamentadas a partir de iniciativas ecológicas e não predatórias como a permacultura e a bioconstrução, além de conter ações que viabilizem a autonomia alimentar, através de hortas urbanas, beneficiamento de alimentos e cooperativas de consumo, promover uma educação que colabore com as demandas da agricultura familiar urbana e organização artesanal e visem a utilização e geração de tecnologias limpas como a eólica e solar para obter energia.

O projeto alternativo proposto, infelizmente, ainda é um elogio ao concreto. Uma exaltação à vida urbana capitalista segregadora. Prevê moradias verticalizadas em 7 prédios e não especifica se ele é de cunho popular ou terão de ser adquiridos sob o pagamento de altas intercaladas às imobiliárias e construtoras. Possuí empresariais, galerias comerciais e artísticas, edifício garagem e restaurantes que na sua maioria, apesar de alegarem ser publiques, certamente, como vários lugares da cidade, será hostil aos que não atendem a normatização estética capitalista.

POR UM CAIS ESTELITA VERDADEIRAMENTE
POPULAR, AUTÔNOMO E ECOLÓGICO

FRENTE URBANA AUTÔNOMA

*este texto possuí alguns substantivos admitindo a partícula ‘e’ no seu final, como tentativa de não colaborar com a supremacia do gênero masculino na linguagem