Love Politics and Rescue in Lesbians Relationships - Diana Rabenold (REVISÃO em curso)

Em Políticas do Amor e "Resgate" em Relacionamentos Lésbicos, Diana Rabenold oferece às Lésbicas um conjunto de ferramentas para identificar e resolver problemas nos relacionamentos por nós mesmas. Uma destas ferramentas, um conceito conhecido como ‘’resgate’’, desmistifica e sugere soluções para tais problemas como a ‘’fusão’’ ou ‘’simbiose’’, perda da expressão sexual, violência e desarranjo no diálogo entre casais. Ela revela os efeitos que o sexismo e heterossexismo internalizados têm nas dinâmicas pessoais de relacionamentos Lésbicos. Esta abordagem dá significado adicional à máxima feminista ‘’o pessoal é político’’. Diana Rabenold trabalha como uma Terapeuta Radical e escritora em Santa Cruz, Califórnia. Tradução por Jéssica Akemi, Monalisa e Jan. Revisão por Raposa.

Políticas do Amor e "Resgate’’ em Relacionamentos Lésbicos

Direitos autorais 1987 por Diana Rabenold. Todos os direitos reservados.

Um ensaio por Diana Rabenold

Herbooks Séries de Ensaios Lesbofeministas, nº2

Agradecimentos:
Eu quero agradecer os seguintes terapeutas, conselheiros e amigos pela assistência na preparação e escrita deste artigo: os membros do coletivo Bay Area Psiquiatria Radical – em particular, Beth Roy e Sandy Spiker; Heather Conrad; Lindy McKnight; Hogie Wyckoff; Izetta Smith e deForest Walker; Jessie Meredith; e Mary Austin.
HerBooks Série de Ensaios Lesbofeministas, editoras Irene Reti e Sarah-Hope Parmeter.

Para Mary Austin

Nos últimos anos eu tenho sentido um clima crescente de desapontamento e até mesmo cinismo na comunidade Lésbica no que diz respeito à viabilidade de nossas relações sexuais. Tenho ouvido certos comentários desanimados cada vez mais frequentemente – particularmente de Lésbicas em seus 30 ou 40 anos que estiveram em, no mínimo, um e, por vezes, vários relacionamentos sérios e duradouros – comentários que discorrem coisas do tipo: relacionamentos Lésbicos simplesmente não funcionam; eles não duram; somos muito emocionais, instáveis demais; é muito doloroso terminar; não vale a pena todos os problemas e tristezas; nós nos “fundimos” uma à outra; o sexo morre; nós fugimos com nossas amigas, etc. Em resumo, algumas Lésbicas parecem ter concluído, em seus momentos mais amargos e autodepreciativos, que Lésbicas simplesmente não podem ter bons relacionamentos, e chegam à beira de expressar o pensamento homofóbico fundamental, ‘’Talvez simplesmente não seja natural, e nós realmente estejamos todas doentes, afinal de contas’’.

No despertar desta inquietação e desilusão, muitas Lésbicas se voltaram à terapia para ajudá-las com suas parceiras românticas. Contudo, me preocupo que muitas terapeutas – até as denominadas terapeutas ‘’Lesbofeministas’’ continuam a enfatizar os contextos familiares e histórias pessoais ‘’prejudicadas’’ como os principais fatores culpados dos relacionamentos Lésbicos problemáticos, em detrimento de examinar a natureza política dos problemas de suas clientes. Em minha experiência, insights que estão restritos ao passado pessoal de uma pessoa são limitados em sua habilidade de ajudar as clientes a fazer mudanças positivas maiores em seus relacionamentos pessoais. Isso acontece porque a terapia psicodinâmica – o tipo de terapia que estou descrevendo e que ainda é o modelo terapêutico predominante ensinado nas universidades americanas – carece de uma análise coesa do poder, de uma teoria da opressão internalizada, ou de um conjunto de ferramentas concretas para lutar contra o sexismo e a homofobia internalizados. Em resumo, a compreensão revolucionária do movimento de mulheres, ‘’O pessoal é político’’, tem sido intensamente negligenciada nos círculos psicoterapeuticos, onde a ênfase parece ter retornado – até mesmo entre as conselheiras Lesbofeministas – para uma abordagem mais abrangente de ‘’o pessoal é pessoal’’, com apenas algumas migalhas das realidades políticas da opressão de mulheres e gays lançadas de tempo em tempo.

O custo de ignorar as implicações psicológicas mais profundas da opressão econômica e política é enorme. Esta abordagem não apenas priva as clientes Lésbicas de insights políticos valiosos em seus comportamentos, mas falha em desenvolver ferramentas uteis para o crescimento e mudança pessoal que emergem de tal entendimento. Finalmente, uma abordagem que enfatiza exageradamente o passado e a história pessoal frequentemente negligencia os modos nos quais os padrões de comportamento que as clientes querem mudar estão sendo reforçados no presente por fatores em seu ambiente social e econômico.

Neste artigo eu gostaria, primeiramente, de tratar alguns dos modos gerais nos quais o sexismo e heterossexismo afetam os relacionamentos Lésbicos, e então ilustrar como o clima externo de opressão pode aparecer dentro das dinâmicas pessoais do casal Lésbico. Em particular, discutirei um conceito conhecido como ‘’Resgate’’ e como um entendimento deste conceito pode ser usado como uma ferramenta para ajudar as apaixonadas a ficarem atentas sobre os modos em que elas podem estar contribuindo para modelos não-saudáveis dentro de seus relacionamentos, assim como prover meios específicos de mudar tais dinâmicas.

As lésbicas obviamente não estão sozinhas no questionamento de seus relacionamentos e no desencorajamento sobre eles: heterossexuais estão no mesmo barco. Casamentos terminam cada vez mais, e as revistas de mulheres estão cheias de vozes desesperadas de mulheres heterossexuais que têm sérias questões sobre a possibilidade de ter relacionamentos bons e longos com homens. Há razões socioeconômicas significativas para isso, relacionadas com a mudança política e econômica no papel das mulheres e da família em nossa sociedade ao longo as últimas décadas. A família na sociedade ocidental industrializada tem encolhido a seu menor tamanho na história dessa instituição, e põe um fardo no casal sexual para preencher todos os nossos requerimentos humanos para a comunidade em uma cultura cada vez mais alienada e individualista.

Opressão Econômica de Lésbicas

Além dos problemas gerais encarados pelo casal sexual na sociedade, as mulheres como um grupo estão em desvantagem econômica em relação aos homens, ganhando 63 centavos do dólar que os homens ganham. Para o casal Lésbico, no qual ambas as parceiras são alvos da discriminação sexual e heterossexista, o fardo econômico é dobrado. Em resumo, Lésbicas como um grupo socioeconômico tendem a ser pobres, batalhadoras ou marginais. Lésbicas compartilham o mesmo lote econômico (e frequentemente as mesmas vizinhanças precárias, empregos mal remunerados, entre outros estresses da pobreza) que outros em desvantagem em nossa sociedade. Essas realidades econômicas impactam fortemente a maioria dos casais Lésbicos. A maioria dos estudos sobre relações sexuais mostram o estresse econômico como um fator principal da instabilidade desses casais¹.

Casais heterossexuais (ou ao menos aqueles legalmente casados) em circunstâncias de batalhas similares frequentemente recebem apoio econômico de suas respectivas famílias: chá de panela, presentes de casamento, ‘’enxovais’’, heranças familiares passadas no casamento, presentes em dinheiro, ajuda para comprar a primeira casa, ajuda para começar um negócio, e ajuda com o cuidado e educação das crianças do casal. Por outro lado, a maioria dos casais Lésbicos não são ajudados economicamente por suas famílias; de fato, há um grande risco de serem completamente excluídas financeiramente quando suas orientações sexuais se tornam conhecidas.

Opressão Psicológica

Todo casal Lésbico, seja economicamente seguro ou não, vivencia o estresse no que diz respeito à atitude familiar acerca do relacionamento, a qual geralmente é de rejeição e desaprovação. No melhor dos casos o relacionamento é tolerado, mas tornado invisível: o casal é tratado como duas ‘’colegas de quarto’’ desprovidas de sexualidade ou comprometimento de longo termo. Poucos casais Lésbicos recebem o tipo de apoio emocional que casais heterossexuais podem esperar: o reconhecimento e bons votos de suas famílias e comunidade; aconselhamento emocional e apoio dos membros mais velhos e sábios da família para fazê-las superar os ‘’pontos difíceis’’, reforços positivos de modelos de papéis providos pela arte, literatura e a mídia; e uma tradição histórica acessível reforçada pelos costumes e cerimônias designadas a reforçar os laços do relacionamento.

Finalmente, e talvez a consequência mais prejudicial fisicamente da opressão Lésbica é a repulsa com a qual sua vida amorosa é recebida pela sociedade convencional. É particularmente doloroso e prejudicial às mulheres, condicionadas – como a maioria de nós é – a procurar e receber aprovação dos outros, ter o mais íntimo e geralmente o mais importante aspecto de nossa vidas tratado com desprezo, escárnio ou completo silêncio. É quase impossível não internalizar alguma porção deste clima de rejeição e ódio em nossas psiquês e autoimagens de tempos em tempos.

Em suma, o casal Lésbico traça seu caminho no mundo sem o suporte ou aprovação da maioria, validação, visibilidade, modelos de papéis, ou até mesmo um contexto histórico visível. Sem dúvida – como Marny Hall, uma terapeuta Lésbica Bay Area pontuou – que os relacionamentos Lésbicos frequentemente se tornam ‘’refúgios’’: enclaves formando uma barreira protetora para defender o casal de um ‘’mundo hostil’’.² Uma vez que há forças na cultura constantemente tentando separar os relacionamentos Lésbicos, existe uma pressão contrária dentro do casal Lésbico para manter o relacionamento a todo custo como uma fonte crucial de sustento, autodefinição e proteção mútua – mesmo quando ameaçado por um conflito interno.

Opressão Internalizada

Para a maioria de nós, nossas famílias serviram como os meios pelos quais, pela primeira vez, aprendemos e nos aculturamos aos valores de gênero, classe, raça e aptidão-física da cultura na qual crescemos. As atitudes e desigualdades da cultura dominante, então, tornam-se internalizadas muito cedo e continuam a ser ensinadas e reforçadas entre nós, tanto em casa quanto na sociedade em geral, ao menos que nós façamos um esforço planejado para enfrentar essas mensagens internas em um processo em andamento de ‘’levantamento da consciência’’*_(1. sugestao – fazer uma nota explicando ``consciousness-raising``)_* e ação política.

Um dos resultados da opressão masculina é que os desejos e necessidades das mulheres estão constantemente sendo negados e abatidos. No lugar de buscar nossos próprios sentimentos e ambições, somos ensinadas a substituir pelas necessidades dos outros, mais apropriadamente as dos homens com quem pretendemos nos casar e as crianças que supostamente daremos à luz. Portanto, são postas em ação tentativas de desempoderar-nos desde o momento em que nascemos.

O fato da subordinação das mulheres como um grupo se torna internalizado nas mulheres individualmente como uma crença que suas necessidades pessoais não são importantes: que pedir por aquilo que elas querem ou para ter suas necessidades alcançadas é egoísmo, que elas são apenas boas se sempre priorizarem as necessidades dos outros. De fato, a acusação de ‘’egoísmo’’ – mesmo que sutilmente comunicada – tem ironicamente talvez sido a maior barreira no desenvolvimento das mulheres de um sentido forte do Self com o qual seria ‘’Self-ish!’’ N.T.: egoísta em inglês.

O Conceito de “Resgate”

Na Análise Transacional, uma corrente da psicologia desenvolvida nos anos 60 focada na natureza das relações interpessoais, um conceito conhecido como “Resgate” foi desenvolvido. “Resgate” pode ser definido de diversas formas, nenhum deles a ser confundido com o sentido usual de salvar – isto é, ajudar uma pessoa que genuinamente precisa de nossa intervenção emergencial, como por exemplo uma criança a se afogar. A definição mais comum de Resgate, como a usarei aqui com o “R” em maiúsculo, é o ato de fazer algo que você realmente não deseja fazer ou fazer mais do que a sua parte em algo. Fazer um favor ou realizar algo para alguém não deve ser confundido com Resgate. Afinal, todas fazem favores ou precisam realizar tarefas das quais não gostam mas que precisam ser feitas. Porém, concordar em fazer algo a que, sem os sentimentos internalizados de culpa e a necessidade de agradar suscitados pelo pedido, você teria dito não, constituem Resgate. Duas outras maneiras de definir Resgate são (1) fazer mais por alguém do que ela faz por si mesma e (2) não expressar o que você deseja.

O “Triângulo do Resgate”

O ato de Resgatar é um dos comportamentos que inicia a dinâmica do “Triângulo do Resgate”. O “triângulo” consiste em três papéis que podem ser atuados em uma interação com outra pessoa. Esses papéis são “Salvadora”, “Vítima” e “Perseguidora”. Funciona assim: se alguém com frequência atua por outra pessoa coisas que realmente não quer fazer ou que excedem o que ela recebe de volta, por quaisquer razões (discutirei algumas dessas razões numa seção posterior deste artigo), estará ocupando o papel de Salvadora. Após um tempo ela começará a sentir-se explorada e vitimizada pelos seus Resgates e sentirá pena de si mesma por sempre fazer demais e tanto se auto-sacrificar. Em resumo, ela começará a sentir e a se perceber como Vítima de todos os Resgates que vem realizando. Uma vez que se sinta vitimizada por tempo suficiente, ela começará a sentir raiva e revolta, movendo para a terceira posição do triângulo, a de Perseguidora. Nesse papel, ela irá brigar de volta para ficar “quite” com a pessoa que Resgatou e a perseguirá de diversas formas: começando uma grande briga, ausentando-se emocionalmente, ou comportando-se de alguma outra forma para ferir e dar o troco a sua parceira.

Quando alguém está ocupada jogando o Triângulo do Resgate, sua parceira geralmente está envolvida jogando em um papel complementar. Por exemplo, enquanto uma é a Salvadora, a outra é voluntariamente Vítima – isso é, parecendo estar desamparada ou carente de forma a desencadear que sua parceira entre no modo Resgate.

Na Terapia Radical, o conceito de Resgate tem sido desenvolvido amplamente e usado com mais consciência política do que simplesmente como uma descrição de papéis comportamentais aprendidos através de influências familiares precoces. Pois é difícil não traçar um paralelo entre o papel de Salvadora e o condicionamento e expectativas dominantes em relação às mulheres e outros grupos oprimidos em nossa sociedade.

Para as mulheres, as várias mensagens internalizadas do condicionamento sexista tornam-se as motivações psicológicas para o Resgate, particularmente em suas relações amorosas, nas quais tais sentimentos se intensificam. Muitas das mensagens internalizadas consistem em mentiras que nossa sociedade nos contou acerca de nossa fraqueza, falta de valor, falta de poder, ou da fraqueza e falta de poder das outras, que então precisam que nós as “salvemos”.

Para muitas mulheres, amor e Resgate muitas vezes confundem-se um com o outro. “Cuidar” de alguém é equiparado com “se importar” e com o amor em si. É por essa razão, como aponta a terapeuta lésbica Barbara Sang, que “um dos temas mais salientes que emerge do trabalho terapêutico com Lésbicas é o sentimento de que a outra não se importa o suficiente.” (3) Ambas as parceiras terão a tendência de se sentir na obrigação de estar disponível para as necessidades da outra enquanto simultaneamente não expressam as suas. Esse silêncio em torno das próprias necessidades é induzido por terem aprendido desde cedo que boas meninas não dizem o que querem (o que seria “egoísta” e “exigente”). Isso deixa a mulher com várias opções, nenhuma delas satisfatória. Ela pode simplesmente desistir de suas necessidades, o que leva a um aumento da perda de autoconsciência e autoestima; ou ela pode procurar satisfazer suas necessidades por meios indiretos, uma estratégia que geralmente leva à acusações de que ela é “manipuladora”; ou ela pode tornar-se dependente de que sua parceira descubra intuitivamente suas necessidades sem ter sido informada de forma objetiva.

Frequentemente uma relação Lésbica que começou com comportamentos de Resgate, dependerá dessa dinâmica como a forma dominante de funcionamento. Em tal relação, geralmente há uma parceira que está mais familiarizada com o papel de Salvadora e, logo, tenderá a ser a que mais cuida, oferece e se auto-sacrifica dentre as duas. Seus Resgates podem ser induzidos por um padrão de comportamento formado em seu próprio ambiente familiar, que então é ``acionado``

(_triggered_ - sugestao de nota)
no relacionamento. O perfil de pessoa que com frequência ativa seu Reflexo de Resgate internalizado é tipicamente de alguém que experienciou dificuldades particulares e opressão na vida, seja por opressão racial ou de classe, violência familiar ou pobreza, ou outros fatores. Por constantemente se comportar como se sua parceira não tivesse recursos próprios para resolver provblemas e satisfazer as próprias necessidades, a Salvadora involuntariamente ajuda a perpetuar o senso de desempoderamento da Vítima. Em todas essas atitudes e ações, o papel de Salvadora será reforçado pelos códigos de comportamento referentes às mulheres em nossa sociedade.

Sua parceira, por outro lado, talvez sinta-se mais confortável inicialmente como Vítima e depois como Perseguidora, quando houver sido Resgatada mais vezes do que tolera. O papel de Vítima parecerá confortável por ela ser levada a acreditar nas mentiras que sua família e a sociedade passaram para ela acerca de sua própria falta de valor e de poder. Muitas vezes ela não possui a habilidade emocional com a qual expressar suas mágoas e ressentimentos e depende da Salvadora para dar voz a seus sentimentos internos.

Nesse relacionamento, será missão da Salvadora curar e salvar a Vítima da própria autodestruição e auto ódio. Na busca desse objetivo, a Salvadora tolerará muitos mal tratos. E a Vítima se sentirá cada vez mais “sufocada” e com raiva. Apesar de que cada uma pode ter sua posição favorita no “triângulo”, ambas andarão em círculos nesse jogo, ocupando cada posição em sua vez, mesmo que com graus de intensidade diferentes.

O jogo de Salvadora e Vítima reflete as formas pelas quais nós, muitas vezes sem a intenção, colaboramos com a visão da sociedade de que somos vítimas sem poder. Tornar-se consciente dessa colaboração – isto é, das formas em que concordamos com as mentiras contadas sobre quem somos e sobre como o mundo funciona – é o primeiro passo rumo à libertação de velhos hábitos de impotência.

É nessa conjuntura que podemos observar como as dinâmicas num casal Lésbico podem diferir do modelo heterossexual. Enquanto a maioria dos homens esperam ser o centro da atenção e do cuidado de sua parceira e se sentem confortáveis na posição de poder individual que isso os confere, as mulheres não. Somado a isso, muitos homens têm carreiras e vidas profissionais que não apenas são seu foco principal, mas que também os oferece poder e privilégio no mundo. A maioria das mulheres não. Porém, enquanto um homem em uma relação heterossexual pode nem mesmo notar os Resgates que sua parceira está realizando, uma mulher em tal situação pode sentir-se culpada e desconfortável. E, ainda, enquanto os arranjos e expectativas econômicas entre homens e mulheres usualmente estão muito bem entendidas (mesmo que desiguais), em casais Lésbicos questões financeiras e de responsabilidade tornam-se obscuras. Em minha experiência, Lésbicas frequentemente possuem problemas em relação ao dinheiro que não deixam explícito no relacionamento, muitas vezes por terem um viés “romântico” ou “politicamente correto” contra trazer a tona tais assuntos mundanos. Discutirei o problema do romantismo nos relacionamento em mais detalhes à frente.

No exemplo acima, se as dinâmicas descritas continuassem não trabalhadas, poderia-se esperar que a pessoa que ocupa o papel de Vítima com mais frequência moveria eventualmente para o papel de Perseguidora. Ela faria algo para ferir sua Salvadora, depois, sentir-se-ia culpada pelo seu comportamento (“Como pude tratá-la tão mal? – ela é tão boa para mim”) e a Resgataria dessa vez: prometendo mudar seu comportamento ou fazendo algo para consertar a situação. A culpa é o agente que propulsiona as envolvidas de volta ao jogo do Triângulo do Resgate! Um dia, após repetidas jogadas do tipo por ambas as partes, a Perseguidora pode repentinamente anunciar sua intenção de “dar um tempo” do relacionamento, ou “abrir o relacionamento” para outras pessoas, ou – no pior dos cenários – começar um caso secreto que eventualmente rompe o relacionamento.

“Resgate Fora do Controle” – Brigas crônicas e Agressões

_colocar nota a respeito do fenomeno Run-a-mok_

Como mencionado antes, faz sentido que num relacionamento entre duas mulheres o nível de Resgate possa ser particularmente alto. Além disso, o nível de Resgate pode alcançar novas alturas porque uma amante mulher geralmente retribui mais emocionalmente do que homens. De fato, a maior reclamação que muitas mulheres heterossexuais têm sobre homens em relacionamentos é de que eles não “se abrem”, que eles têm “medo da intimidade”, e são analfabetos emocionais. Entre mulheres amantes, porém, há frequentemente uma alta intensidade de partilha emocional, intimidade e cuidado, que pode ser sentido como maravilhosamente excitante e satisfatório. Porém, o lado ruim é que algumas vezes os ápices emocionais do relacionamento são obtidos às cutas das habilidades analíticas e de resolução de problemas das participantes, que como mulheres já tiveram muitas vezes este lado do seu desenvolvimento, no total, desconsiderado ou desencorajado. Nesse turbilhão de emoções, questões reais e problemas concretos nunca são direta e cooperativamente abordados. Esta é uma “cultura” de relacionamentos que uma Terapeuta Radical descreveu como “Resgate Fora do Controle”(?). 4 Este nível particularmente alto de Resgate pode finalmente resultar em brigas quase contínuas e às vezes abusivas (a fase da Perseguição), seguida de culpa, cenas de reconciliação (Resgate), e retorno novamente às brigas.

As brigas muitas vezes assumem a forma de uma série de jogos de poder que se intensifica. Um jogo de poder é algo que alguém faz de modo a de modo que sua parceira faça algo que esta não quer realmente fazer. Um exemplo de um jogo de poder é um no qual uma mulher grita à sua amante num espaço público, sabendo muito bem que sua amante detesta cenas “públicas” e vai agir de maneira complacente e submissa de modo a evitar que a cena continue. Em uma briga feia, esses jogos de poder podem entrar em uma escalada ao ponto da violência: seja agressão física real ou “agressão psicológica” – berros, gritar coisas odiosas uma à outra, fazer ameaças, e assim vai.

Enquanto brigas ocasionais e jogos de poder são comuns o suficiente em qualquer relacionamento, sua ocorrência habitual se torna exaustiva, assustadora e sintomática de problemas no relacionamento que não estão sendo resolvidos. Quanto à violência de fato, essa não tem lugar num relacionamento cooperativo. Um relacionamento cooperativo é um no qual ambas as parceiras possuem um acordo tácito e um compromisso a trabalhar pela equalidade de poder no relacionamento. Em uma dinâmica de casal que é caracterizada pela escalada de jogos de poder, e particularmente onde ameaças de força e atos de violência são frequentes, é justo dizer que uma das partes ou ambas as parceiras não estão realmente interessadas em dividir o poder, mas sim se encontram engajadas em uma luta para ter poder sobre o controle do relacionamento.

“Resgate Fora de Controle”: Problemas da “Fusão” e “Simbiose”

Outra forma de “Resgate fora de controle” encontrado frequentemente em relacionamentos Lésbicos é um no qual as identidades de ambas se tornaram “fundidas” ou “mescladas” uma com a outra. Em tal relacionamento, ambas estão Resgatando ao ponto de suprimir o conflito sobre diferenças ou necessidades individuais que elas possam ter. Embora elas passem boa parte do tempo juntas, tenham apoio mútuo, e estejam geralmente satisfeitas em seu “ninho” doméstico, tais casais suprimiram um monte de ressentimentos e necessidades individuais. Elas o fizeram pelas mesmas razões que mulheres e Lésbicas são impulsionadas a Resgatar em nossa sociedade, e particularmente por uma preocupação de que elas possam machucar os sentimentos da outra, ou de que o que elas querem é “egoísta”.

Em tais casais, várias vezes observei uma simultânea perda da atividade sexual. A expressão sexual começa a soar “incestuosa” e inapropriada, e eventualmente morre por completo. Eu acredito que em casais Lésbicos este é um fenômeno com raízes complexas (incluindo a socialização das mulheres em torno do sexo, e a homofobia internalizada) e não desejo generalizar sobre suas causas, mas eu acredito que sua frequência em casais Lésbicos corrobora ainda mais minha tese de que a dinâmica do Resgate – combinada em relacionamentos Lésbicos pelo semelhante condicionamento e status cultural de ambas as parceiras – tem um papel significante.

Diversas terapeutas escreveram sobre muitos dos padrões de comportamento e dinâmicas que eu discuti acima em termos diferentes de Resgate ou Triângulo do Resgate. E nos exemplos que eu dei neste artigo, eu não pretendo implicar que a dinâmica que eu chamo Resgate é tudo que está ocorrendo. Porém, eu acredito que a simplicidade da linguagem, a clareza do modelo, e sua particular relevância para o condicionamento social da mulher faz o conceito de Resgate especialmente útil para ajudar mulheres com problemas em relacionamentos. Tenho, entretanto, que definir esses conceitos para uma cliente mulher que não os entendeu imediatamente de modo a se identificar com o comportamento que eles descrevem. Isso torna o conceito uma ferramenta especialmente acessível que mulheres podem usar para resolver certos problemas de relacionamento por conta própria. Além disso, identificar Resgates, muitas vezes, ajuda a expor algumas das crenças negativas mais profundamente arraigadas e padrões de comportamento que estão por trás deles. Dado que mulheres em geral experienciam pressões para Resgatar tanto de dentro quanto de fora, e que um casal Lésbico consiste em duas pessoas com tal condicionamento, minha experiência veio sendo a de que o modelo do Resgate pode ser de particular ajuda para o casal Lésbico.

Como Parar de Resgatar

A forma de parar os resgates e começar a igualizar o poder em um relacionamento é pedir os 100% do que nós queremos 100% do tempo. Por mais simples que essa fórmula soe, pode ser uma tarefa extremamente difícil para a maioria mulheres. De fato, muitas vezes meu trabalho com uma cliente começa com ajudá-la a entrar em contato com o que ela sente e quer, de tão condicionada que ela foi para colocar essas coisas de lado.

Pedindo o que ela quer, é importante que ela peça por todo o 100%, e não reduzir antes que ela chegue a dar voz a isso. Como mulheres, frequentemente temos o hábito de editar o que queremos de acordo com o que nós achamos que os outros vão concordar, ou o que nós pensamos que “deveríamos” pedir. Então nos vemos pedindo por 75% ou talvez até mesmo metade daquilo que queremos. O problema com pedir por menos do que queremos é que, além de privarmos nossas amantes de informação valiosa sobre nós mesmas e nossas necessidades, isso também acaba no deixando com uma posição precária a partir da qual se possa negociar compromissos manejáveis. Depois de tudo, se apenas pedir por 50% do que você quer e então comprometer-se para receber metade daquilo, você termina com apenas 25% e uma situação de Resgate.

Uma negociação cooperativa começa com cada parceira expressando 100% do que ela quer referente a qualquer variedade de questões com as quais ela esteja tendo um problema no relacionamento – tempo sozinha, fazer amor, visitas às suas respectivas famílias, dinheiro, comunicação, afazeres domésticos – e negociar cada um destes com a parceira. O objetivo de uma negociação cooperativa é para que ambas as parceiras obtenham o máximo possível do que querem, ao invés de uma parte abrir mão de suas necessidades para a outra ou para cada uma argumentar qual é a coisa “certa” a se fazer. É em cada parceira pedir mais pelo que ela quer que mais e mais igualdade é alcançada na relação. É claro, por “igualdade” eu não me refiro a “ser idênticas” – é provável que cada mulher traga qualidades, habilidades, e áreas de interesse bem diferentes ao relacionamento –, mas ao invés disso buscar um balanço de poder, uma aliança entre duas pessoas inteiras que estão igualmente investidas e igualmente beneficiadas pela relação.

Certamente parte do cinismo que eu observei se infiltrando na comunidade a respeito dos relacionamentos Lésbicos tem a ver com um senso de desapontamento e desilusão, agora que uma década se foi desde os exuberantes e idealísticos anos 70. Aquelas de nós que estavam saindo do armário no movimento de mulheres naqueles tempos tivemos algumas ideias bastante romantizadas e expectativas não-realísticas sobre o glorioso amor entre mulheres. Como mulheres liberadas, nós pensamos que nossos recém-descobertos relacionamentos umas com as outras seriam por definição igualitários e desprovidos de sexismo. Depois de quebrar a cara algumas vezes, estamos percebendo que como mulheres e lésbicas nós ainda somos os produtos e portadoras de condicionamento sexista e heterossexista. Levou muitos milhares de anos para a instituição da heterossexualidade – exemplificados pelo casamento e seus significados e rituais associados – aperfeiçoar-se. Certamente levará um tempo para Lésbicas e gays reconstruírmos nossos próprios modelos de relacionamento e tradições.

Mitologia Romântica

Uma das ideologias reforçadoras que a instituição da heterossexualidade desenvolveu ao longo do tempo é o mito do amor romântico. Mulheres na cultura da Europa Ocidental foram condicionadas a aceitar a mitologia romântica por meio de incontáveis romances, filmes, livros de cabeceira, televisão, e expectativas familiares que geralmente dispensavam-nos dos detalhes chatos da realidade.

Os componentes do mito são os seguintes: Amor é Tudo, Amor verdadeiro é Constantemente Cego, Amor Verdadeiro Dura Para Sempre; não olhe muito de perto para o romance ou a “mágica” vai desaparecer, o feitiço vai ser quebrado. Na comunidade Lésbica a mitologia romântica muitas vezes foi elevada em uma quase posição política, na qual a idéia de aplicar a mente aos problemas do coração é visto quase como algo contra-revolucionário. Eu escutei essa posição articulada mais ou menos assim: “analisar” o romance é ser fria, insensível, e ”masculina”. Essa atitude inclui a idéia de que sentimentos são de importância suprema, precedendo a mente e a experiência. Contudo é essencial para a saúde dos nossos relacionamentos que nossas mentes e corações trabalhem juntos para desenvolver “romance realista” 5 ao invés do roteiro de Hollywood que nos foi dado. A aceitação acrítica desse mito romântico pelas mulheres heterossexuais vem sendo bem conveniente para homens há muito tempo: depois de tudo, se mulheres heterossexuais realmente olhassem bem para a instituição do casamento, elas poderiam perceber sua desigualdade institucionalizada. Do mesmo modo, se uma Lésbica acríticamente adere ao tipo de ideologia romântica descrita acima na conduta em seus relacionamentos, ela estará involuntariamente perpetuando esses mesmos valores e ideais internalizados.

“Romance realista”, por outro lado, faz uso das mais profundas intuições, experiências de vida, e habilidades mentais de uma mulher em decidir a que tipo de pessoa ela pode confiar seu amor e suas emoções. É uma proposta que combina paixão e excitação com uma troca honesta de criticismo, resolução de problemas cooperativa, e expectativas realistas do que um relacionamento pode e não pode ser.

Eu comecei esse artigo com um relato de avaliações negativas sobre relacionamentos Lésbicos que eu vim ouvindo das próprias Lésbicas. Meu propósito foi abordar algumas áreas genuínas de preocupação refletidas acerca desses comentários e discutir algumas abordagens e ferramentas que eu espero que se mostrem úteis. De qualquer forma, desejo ressaltar minha crença de que o único grande obstáculo para a saúde dos relacionamentos Lésbicos como um grupo é a opressão social das Lésbicas e as maneiras em que nossa exposição a essa opressão pode nos virar contra nós mesmas.

A escritora Lésbica Jane Rule uma vez observou que

“…como Lésbicas que até recentemente não tiveram uma comunidade, cujos relacionamentos foram considerados imorais senão criminais, nós estamos pela primeira vez em uma posição de declarar responsabilidade, de nos juntar, aptas a descrever para nós mesmas qual é a natureza e o valor de nossos relacionamentos. Nós não deveríamos estar surpresas de quão esfarrapadas nós começamos esse processo” 6

A tarefa contínua de definir a “natureza e valor dos nossos relacionamentos” não é apenas de importância crucial para a comunidade Lésbica, mas também uma de profundas implicações para todas as mulheres a e sociedade como um todo. Enquanto nossa única sinalização no passado vieram sendo nossas próprias experiências, geralmente limitadas e isoladas, e um modelo amoroso heterossexual que é bem menos que o ideal para mulheres que amam mulheres; nós estamos agora engajadas no grande trabalho de redescobrir a longa história da existência Lésbica, reconstruir suas ricas tradições, e ajudar a recuperar a poderosa comunidade de mulheres que se tornou fragmentada e suprimida há tanto tempo. É em tal comunidade e em tal solo fértil que o pleno florescer do amor das mulheres umas pelas outras pode tomar lugar. Durante este tempo de mudança e crescimento, é minha esperança que nós não sucumbamos para formas de nos olharmos que perpetuem quaisquer das atitudes internalizadas de vergonha, desaprovação, e auto-negação que nós viemos lutando por tanto tempo para deixar pra trás. Enquanto trabalhamos nessas questões pessoais intensas de amor e relacionamentos, não devemos perder de vista suas profundas conexões com as políticas desta sociedade e destes tempos.

(…)

1 Cf. Lesbian Couples, Clumenstein e Schwartz, Morrow & Co. (New York, 1983)
2 Hall, Marny, “Lesbians, Limerance, and Long-term Relationships” in Lesbian Sex, by JoAnn Loulan, Spinster Ink (San Francisco, 1984), p. 143.
3 Sang, Barbara, “Lesbian Relationships: A Struggle Toward Partner Equality” in Women-Identified Women, ed. Darty and Potter, Mayfild Publishing Company (Palo Alto, 1984) p. 56.
4 Termo cunhado por Becky Jenkins.
5 Essa frase afortunada vem de Hogie Wtckoff em conversas pessoais.
6 Rule, Jane, “Fazendo Regras” em Lesbian Ethics, Vol. 1, No. 1, p. 65.


> REVISAO so falta revisar notas

 

que tal traduzir Merging por Simbiose?

 
 

Boa ideia! Fiquei meio confusa para selecionar o termo pq fuse/merge são meio que sinônimos, e ela usa os 2… Simbiose fica ótimo

 
 

to tão felizzz que finalmente tá traduzida essa lindeza… <3 uma mega contribuição para os movimentos lésbicos, assim que revisado vou mandar para as garotas de língua espanhola traduzirem e difundirem entre elas… =]

 
 

gente, que tal deixar resgate mesmo? Salvacionismo ficou religioso. Bom podemos debater melhor se quiserem sobre os termos no chat

 
 

gente viram que coloquei as notas no final do texto, nao achei se vcs colocaram as na parte de vcs, se puderem fazer isso agradeço! pois fiquei meio perdida.

 
 

so falta add umas notas agr

 
   

precisamos terminar esta!!