Devemos admitir, caímos na Armadilha da Internet

Devemos admitir, caímos na Armadilha da Internet

por Mano da Rádio Cordel Libertário
 

Introdução

Desde o surgimento da Rádio Cordel Libertário em março de 2011 ela esteve presente na internet, utilizando de plataformas não seguras de comunicação (Facebook, Skype, Hotmail, Twitter, Blogspot, 4shared, dropbox, etc), e durante todos esses anos esses espaços foram utilizados para divulgar e articular a maioria das atividades da Rádio, devido o entendimento que neles a Cordel poderia ter uma abrangência maior, o que não deixou de ser verdade, realmente ao aderir aos serviços dessas empresas foi possível estabelecer contatos que naquele momento era impossível conseguir. Mesmo com tudo isso, entendemos que hoje, mais do que nunca, no momento em que acontecem prisões e perseguições de companheirxs em vários cantos, chegamos a conclusão que isso nos trouxe mais pontos negativos do que positivos, e que colocamos em risco nossa própria segurança, além de criar uma dependência, que agora com a censura e as limitações impostas por essas empresas, estamos tendo muitas dificuldades em fazer denuncias e também de divulgar nossas atividades nesse espaços, o que nos traz o desafio de buscar formas mais seguras e permanentes de se comunicar e se organizar.

Esse texto é fruto de um acumulo que a Rádio Cordel Libertário vem construindo ao longo desses anos (seja em transmissão ao vivo ou em oficinas presenciais) no debate sobre Segurança Digital para Ativistas, além de somar aos mais diversos grupos e coletivos que com muito esforço tem pautado esse tema também.        

Um breve histórico da In-Segurança Digital no Bra$il

Há um pouco mais de uma década no Bra$il iniciou um processo de expansão de um meio de comunicação até então distante de grande parte da população, eis que surge a famosa internet, que surgiu alguns anos após as privatizações das telecomunicações em 19981, durante a ditadura de FHC. Ela surgiu em uma conjuntura econômica onde o telefone era ainda a mais nova tecnologia que pessoas com um pouco mais de renda poderia ter. Para uma esmagadora parcela da população até aquele momento as principais formas de comunicação ainda eram o Rádio, a Televisão e para se comunicarem entre si estava o tradicional e secular correio.

Diante dessa nova tecnologia a maior parte dxs usuarixs da internet tinham pouco ou nenhum conhecimento de como manejar ou se posicionar diante do que estava colocado, lembrando que nessa época ainda poderia encontrar cidades ou lugares que ainda davam as tradicionais aulas de datilografia.

Com o objetivo de “atrair” (leia-se enganar) esses novxs usuarixs, as grandes empresas da internet (AOL, IG, BOL, Google, Microsoft, Yahoo, UOL, etc.) ofereciam alguns serviços “gratuitos”, como por exemplo, o serviço de e-mail, que em muitos casos era obrigatório a criação, devido a utilização desses mesmos provedores para a utilização da internet, que na época era discada (por meio da utilização de pulso telefônico). O e-mail inseguro foi o primeiro vínculo de controle que a maior parte dxs companheirxs libertárixs e anarquistas tiveram com as empresas monopolizantes de informação.

A euforia era tanta que nem ao menos se via questionamentos em relação a segurança (com algumas exceções é claro, uma delas seria o pessoal das rádios livres e o centro de mídia independente, que desde a criação do site no Bra$il em dezembro de 20002 não armazenava os ips dxs usuarixs, e seus ativistas também faziam debates sobre segurança digital) mas, as pessoas em geral estavam mais focadas em como utilizar essas novas ferramentas, do que entender quem são e quais são os verdadeiros objetivos dessas empresas.

E assim juntamente com a expansão da internet foi também se naturalizando a falta de preocupação na questão da segurança, quando muito deixando a segurança limitada somente a senha do email, como se nossos inimigos fossem somente as pessoas comuns, ou se o único jeito de qualquer pessoa ter acesso aquelas informações seria com a senha, mas em nenhum momento nos vimos preocupadxs com as empresas que forneciam esse email.

Todxs estavam nas Redes “Sociais”, principalmente o aparato repressor do E$tado

Algo bem maior que estava por vir, as velhas conhecidas redes “sociais”, e que no bra$il a primeira foi o que é agora obsoleto, o Orkut3, que surgiu em 2004, um serviço oferecido pela mesma empresa que desde sempre monopoliza, controla e determina as pesquisas da maior parte dxs usuarixs da internet, a Multinacional Google.

Em pouco tempo víamos quase todos nossos contatos utilizando essa rede “social” (a partir de agora irei me referir as redes “sociais’ a partir da abreviatura RS), seja para reencontrar amizades, ou/e para utilizar na organização de manifestações, através das “comunidades”, mas na maioria das vezes de forma insegura, uma prova disso é que muitxs utilizavam seu nome completo como a identificação do perfil, prática essa que perdurou por muito tempo, até em outras RS, só mais tarde foi surgindo os fakes com a finalidade do anonimato ligado ao ativismo.

De todas as RS que foram criadas houveram duas que foram mais difundidas mundialmente, o Twitter em 20064, e a maior de todas, o facebook (surgida em 2004 e que se tornou mais popular no brasil em 2011)5 que em um curto período de tempo foi tendo uma migração em massa da antiga RS para essa nova. E aos poucos xs companheirxs foram abandonando outros meios de comunicação como o e-mail, “obrigando” dessa forma que todxs estivessem nesse mesmo espaço para poderem se comunicar, o que fortaleceu ainda mais o monopólio dessas empresas em nossa comunicação. 

Com as RS se intensificaram também o processo de centralização, não só dos contatos entre as pessoas, podendo agora encontrar qualquer pessoa em um só lugar, mas principalmente centralizou também as informações, podendo as empresas e os governos ter mais controle sobre o que as pessoas pensam e fazem, isso tudo é claro só acontece devido a total cumplicidade e disponibilidade das empresas fornecedoras desses serviços.

Com o maior acesso a internet, individuxs e coletivos ativistas, com muita razão, se viram surpresxs com a facilidade de se articular e organizar através desse espaço, podendo fazer coisas que antes demandava um esforço tremendo, e assim foi criado uma ilusão no imaginário social entre xs ativistas, de que  poderia existir independência e autonomia utilizando essas ferramentas, mesmo cada vez mais nos enfiando até o pescoço nas grandes corporações.

O Ativismo e a Internet

Para a maior parte de integrantes de coletivos, movimentos sociais ou mesmo individuxs independentes, e isso inclue nós libertárixs e anarquistas também, para a maioria de nós a relação com a internet não foi muito diferente do que aconteceu com a maior parte da população, fomos envolvidxs na naturalização da exposição, substituindo muito rapidamente formas seguras que até então usávamos para se organizar, para utilizar agora os e-mails inseguros, blogs proprietários e as RS. Foi se abandonando cuidados construídos ao longo de muitos anos de luta, no qual sabíamos muito bem utiliza-los, porque foi desenvolvido por nós, para invés disso entrar em um ambiente nebuloso, criado e controlado pelas grandes empresas, onde todxs são somente uma peça de seu jogo, e assim aos poucos não perdemos somente a capacidade de autogerir nossa segurança, mas também de se auto-organizar.

“Mas as pessoas estavam mais focadas em como utilizar essas novas ferramentas, do que entender quem são e quais são os verdadeiros objetivos dessas empresas.”
 
Ao mesmo tempo em que essas novas tecnologias começaram a ser utilizadas por individuxs e coletivos com a finalidade de se organizar contra governos e empresas, e isso somado ao maior acesso das pessoas a conteúdos que durante muito tempo esteve sobre propriedade das empresas (filmes, musicas, livros, etc) e que começaram a ser hackeados, junto com tudo isso foi também se ampliando o controle, que sempre existiu, mas que a partir desse momento começa a ser mais visível, através das famosas “políticas de privacidade”, que vai se modificando cada vez em um período mais curto de tempo.

A globalização das RS também aconteceu nos coletivos e movimentos sociais, que começaram a utiliza-las como o principal meio de comunicação e organização. Assim começaram a surgir pela primeira vez na história, manifestações e protestos sendo organizado quase que exclusivamente pelas RS, levando uma quantidade enorme de pessoas para as ruas, tendo as revoltas árabes iniciada na Tunísia em dezembro de 20106 um dos maiores exemplos até então (logo mais no brasil em junho de 2013, teríamos as “revoltas de junho”).

As Grandes Corporações da Internet a Serviço da Repressão E$tatal

Em todos esses anos de utilização da internet, não tínhamos até então nenhum caso visível de que as informações sejam elas pública ou privada nas RS, pudessem ser utilizadas como provas para incriminar alguém, até que em 2013 começa a surgir informações sobre os primeiros casos durante as manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus em Porto Alegre. Depois disso começaram a pipocar novos casos em diversas outras cidades como: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Natal, Goiânia, e se estendendo até o dias atuais, onde várixs companheirxs se encontram presxs ou perseguidxs pelo e$tado, e são utilizadas mesmo que muitas vezes forjadas, o rastreamento dos diferentes tipos de comunicações (internet, telefone, etc) como provas para criminalizar ativistas.

Percebemos que atualmente a pauta da segurança, seja digital ou em geral, começa estar mais presente dentro das preocupações dxs ativistas. É importante lembrar que no bra$il durante mais de um década não tínhamos protestos na proporção que vimos em 2013, devido a dificuldade de se organizar e lutar diante da ditadura do PT (lula, dilma e cia) que foram eleitxs passando uma ideia para a população de que eram populares, e que além das cooptações das “lideranças” (estratégia principal) também criaram uma falsa esperança nos movimentos sociais.

Dessa forma durante todos esses anos a maior dificuldade dos coletivos e movimentos sociais era agregar para junto deles pessoas novas, o que foi deixando os coletivos ou movimentos na sua maioria marcados pela presença de companheirxs oriundos das lutas da década de 90, e em particular xs libertárixs e anarquistas que muitxs eram frutos do movimento anarcopunk e da luta antiglobalização (1999/2000), e com pouca renovação dxs ativistas, mesmo com o grande esforço dxs mesmxs.

As revoltas de junho de 2013 foi responsável por dar uma renovada nxs ativistas, aparecendo muitas pessoas interessadas em conhecer o anarquismo e se inserir nas lutas, mas no que se refere ao debate sobre a segurança dos grupos isso ainda era novo. Os motivos disso podemos entender, que além do desconhecimento dessas novas tecnologias por parte dxs ativistas, também tem grande importância a diminuição de manifestações e protestos durante tantos anos, o que fez não haver mobilizações permanentes, e assim ter pouco acúmulo.

Retomar o controle sobre nossa Segurança e Auto-Organização

Sabemos que quem mais tem sofrido o risco de repressão do e$tado tem sido aquelxs companheirxs que estão em enfrentamento direto com essa forças, e que na maioria dos casos são xs companheirxs libertárixs e anarquistas. Dessa forma é de extrema urgência que o debate sobre segurança seja discutido dentro de coletivos, okupas, organizações ou mesmo entre individuxs que não fazem parte de nenhum coletivo, mas que atuam isoladx ou coletivamente.

A cada dia surgem novos casos de presxs anarquistas em várias partes do mundo (chile, bolívia, argentina, uruguai, grécia, itália, bra$il e em diversos outros lugares) e vemos que existe uma colaboração não somente entre cidades e e$tados do bra$il, mas também de governos de outros paí$es, com o objetivo de buscar novas estratégias de repressão.

É realmente muito fascinante as facilidades tecnológicas que a cada segundo surgem, a rapidez em se comunicar etc, mas já temos condições de perceber, que nada é de graça, mesmo que não precisamos pagar diretamente por isso, nossa segurança é o preço, nossa liberdade é o preço, e se optamos em utilizar as ferramentas construídas e controladas pelas grandes corporações para se organizar estamos correndo sérios riscos.

É mais do que nunca necessário que nós libertárixs e anarquistas retomemos a auto-organização, e construamos nossas próprias ferramentas e formas de segurança. Mesmo que para isso tenhamos que fazer escolhas e assumir os riscos. E quando for utilizar espaços não seguros, tomar o máximo de cuidado.

Já alguns anos muitos coletivos tem construído meios seguros para a utilização da internet e de outros meios digitais, tornando cada vez mais fácil manejar essas ferramentas, o que possibilita para as pessoas leigas em conhecimento de informática utiliza-las sem muitos problemas.

Devemos admitir, caímos na Armadilha da Internet

   

Articular em RS como fa$hobook não apenas implica numa autossabotagem no quesito segurança e liberdade, mas também no que tange às próprias relações e éticas que andam sendo construídas entre ativistas! As redes mainstream definitivamente estimulam a desonestidade e uma política punitivista entre pessoas que supostamente lutam pela mesma causa. Há algo de preocupante não somente no fato de que as RS constituem uma ferramenta na qual não podemos confiar, cujos desenvolvedores basicamente vigiam e guardam as informações que são potenciais ataques contra os próprios usuários; mas também no fato de que essas plataformas educam as pessoas a uma subjetividade tão capitalista e da futilidade, do personalismo, que as próprias pessoas comuns, os próprios militantes de movimentos sociais, tornam-se sim uma ameaça. Promovem um colaboracionismo absurdo, atacam e lincham aqueles com quem discordam, perdem tempo minando as vidas uns dos outros à medida que o país se torna cada vez mais fascista….