Pensando sobre bissexualidade¶
Fevereiro 1984
Quando eu penso, falo, escrevo sobre mulheres que não são lésbicas, eu tento usar os termos não-Lésbica, pré-Lésbica, mulheres que vivem vidas heterossexuais. Eu tento evitar falar mulher heterossexual. Isso não é nenhuma esperteza Lésbica da minha parte. Na realidade é uma tentativa de lucidez, um exemplo de palavras expressando a realidade como eu a experimento.
Eu penso que nós nos enganamos quando rotulamos de heterossexual uma mulher num mundo 1) onde todas as mulheres são presumidas, esperadas, e mentalmente, fisicamente, espiritualmente e economicamente coagidas a viver uma vida heterossexual; 2) onde a heterossexualidade compulsória é a principal organização institucional da vida privada; 3) onde o modelo heterossexual de uma mulheres servindo homens é o modelo de todas as relações públicas entre mulher e homem; 4) onde se viver fora da instituição heterossexual é A) impensável ou, se há o pensamento é B) ensinado como repulsivo, pecaminoso, doente e sem graça total ou se posto em prática é C) punido pelo sigilo e ostracismo social e perda dos direitos civis e de proteções concedidas aos cidadãos legais da nação(?).
Dada essa enorme pressão para mulheres que vivem vidas heterossexuais, nós não podemos dizer que “a maioria das mulheres são heterossexuais” e querer exprimir qualquer coisa comparável com “algumas mulheres são Lésbicas”. Em primeiro lugar, heterossexualidade não é a preferência sexual da maioria das mulheres. Elas não sabem que existe uma agradável alternativa aos homens como objetos de amor, parceiros sexuais, companheiros de vida. Elas não preferem e/ou escolhem homens, exceto como uma alternativa aos conhecidos e detestáveis estados chamados solteirice e “ficar para titia”.
Tampouco é a heterossexualidade um aspecto da identidade psicossocial da maioria das mulheres que vivem vidas heterossexuais. Quando perguntadas para dar palavras que as definam, a maioria das mulheres não inclui heterossexual , pela mesma razão que a maioria das pessoas brancas não incluem branco nas suas definições.
Eu não aceito a premissa que mulheres bissexuais são penalizadas numa sociedade heterossexual. Nós sabemos que não-mulheres acham a idéia do sexo Lésbico excitante e acham que mulheres bissexuais que fazem isso são sedutoras! Nós, além disso, sabemos que a bissexualidade feminina é também considerada uma fase para eles. E nós, igualmente, esperamos que mulheres como essas voltem permanentemente para homens quando for vantajoso, e levem suas “histórias Lésbicas picantes” junto.
Na minha opinião a bissexualidade não pode logicamente ser chamada de uma preferência sexual/afetiva. Algumas mulheres que dizem que são bissexuais insistem que o gênero das suas amantes é irrelevante para elas, que elas não escolhem amantes com base nos seus gêneros. Algumas ainda criticam Lésbicas que escolhem evitar relacionamentos com e/ou que questionam a escolha de mulheres que continuam se relacionando intimamente com não-mulheres. Elas dizem que nós somos intolerantes, fanáticas, Malafaianas¹ por considerar o gênero das nossas parceiras importantes, como se Lesbianidade compulsória eram a organização institucional social da vida pessoal(?). Suas atitudes banalizam, apagam as reais opressões experimentadas pelas Lésbicas por seu amor-por-mulheres.
Mulheres que se denominam bissexuais e ativamente relacionam-se com mulheres e homens certamente tem o direito de viver como quiserem. Entretanto, elas não tem o direito de esperar que Lésbicas aceitem elas como “uma de nós” ou que aprovem e aplaudam suas escolhas de homens como parceiros, mesmo agora como depois. Afinal, não há nada novo, original ou vanguardista sobre se relacionar com homens, e a recusa de Lésbicas de fazer isso é a base da nossa opressão.
Tudo o que foi dito acima deixa nós com um paradoxo lógico. Mulheres que se denominam bissexuais — não porque elas estão em transição ou com medo do seu Lesbianismo — mas porque elas escolhem se relacionar sexualmente com ambas mulheres e homens, são as únicas mulheres que são realmente heterossexuais. Elas são as únicas mulheres que escolheram se relacionar com homens depois de ter conhecido e experimentado nossa não-compulsória alternativa.
//Coloquei (?) em frases que não tenho muita certeza da tradução//
¹Malafaianas: No original tá Falwellish, que acredito ser um adjetivo em cima do nome do pastor cristão fundamentalista Jerry Falwell, que pregava apedrejamento em caso de adultério e a volta da escravidão. Tentei traduzir porque acho importante fazer uns paralelos, se ficou ruim no mínimo ficou engraçado.