Por que eu continuo sendo uma lésbica butch

Relato de Vanessa Vitiello Urquhart (foto de:Lea Delaria) sobre gênero e socialização feminina "Por que eu Continuo Sendo uma Lésbica Butch": (tradução por Alice Porto)

Eu comecei a vestir roupas masculinas alguns anos atrás, porque pensei que ter uma aparência de lésbica me ajudaria a me dar bem com as mulheres. Assim que comecei, percebi quase imediatamente que eu estava me sentindo muito mais confortável e confiante e que eu gostava da minha imagem no espelho pela primeira vez na vida. Outras pessoas que me conheciam disseram que eu parecia mais natural, que minha roupa estava combinando com a minha personalidade. Pareceu como se eu tivesse passado a vida toda vestindo uma fantasia desconfortável e mal ajustada.
Conforme eu me ajustava a essa nova informação, não foi difícil perceber que muitas das pessoas que compartilhavam minha preferência pela sessão de roupas masculinas e meus maneirismos sutilmente masculinos haviam dado um passo a mais e parado de se autoidentificar como mulheres completamente. Às vezes quase parecia que, ao não me juntar a esses criadores de pronomes e rejeitores de binariedade, eu poderia estar um pouco na retaguarda dos nossos tempos – uma pessoa careta e nada cool, talvez até um pouco cis-sexista. O Facebook tem mais de 50 possíveis identificadores de gênero. Então por que eu, uma pessoa num corpo feminino que veste roupas masculinas, decidi me manter com as a cada dia mais fora de moda “mulheres lésbicas butch”?
Em parte, é porque a linguagem da identidade de gênero sempre me foi um pouco confusa – eu já me senti com fome, feliz, cheia de gases e ansiosa, mas nunca me senti homem ou mulher. Mesmo assim, foi tentador interpretar minha experiência em termos que a separassem das que as outras mulheres vivem. Isso é especialmente verdadeiro porque mulheres cisgêneras têm uma tendência distinta em se definir de maneiras que não me incluem. Eu ouço mulheres dizerem coisas como “nós mulheres sabemos o quão importante é nos sentirmos lindas”, ou “nós mulheres somos naturalmente mais ternas e acolhedoras”, afirmações que nunca parecem incluir mulheres como eu. Não somente eu não gosto de me sentir linda e prefira discutir do que acolher, eu não tenho nenhuma predileção por chocolates. A cultura popular, e as próprias mulheres, com frequência sugerem que eu não possuo as qualidades principais da mulheridade.
Então no passado eu estive bastante tentada pela ideia de que talvez eu não fosse realmente uma mulher, no fundo. Eu sou masculina de todas as formas – sou ambiciosa, lógica, agressiva, forte e altamente competitiva. E certamente não sou boba, frívola, delicada, frágil ou excessivamente emocional… Minha nossa. É aí que eu encontro um problema enorme, não é? Quando começo a listar as minhas qualidades que eu chamaria de masculinas, elas são sempre positivas. Elas são pontos de orgulho. Ao mesmo tempo em que quando eu listo as qualidades que não possuo e que eu chamaria de femininas, elas são negativas. Parece que eu não consigo considerar minha própria masculinidade ou falta de feminilidade sem me basear em alguns dos piores e mais danosos esteriótipos de gênero. Isso me sugere que essa empreitada em si é bastante suspeita.
Em nossa cultura, o impulso de nos distanciarmos dos negativos associados a mulheres e feminilidade é endêmico. Quando insultamos homens, o fazemos comparando-os a mulheres. Quando comparamos mulheres a homens, geralmente as estamos elogiando. Na verdade, eu provavelmente conheci mais mulheres heterossexuais e cisgêneras que se orgulhavam de ser “um dos caras” do que mulheres lésbicas. Ironicamente, uma das coisas que eu compartilho com muitas mulheres é a minha vontade de demonstrar todas as maneiras pelas quais eu não sou como as outras mulheres.
Ao longo de seu crescimento, meninas são bombardeadas por regras e restrições que governam o que elas podem ser. Eu sei que fui – se não fosse assim eu não teria precisado me tornar uma adulta para poder começar a me vestir com roupas confortáveis. Essas regras de gênero confinam as escolhas das meninas e restringem sua auto-expressão. Talvez um dia o binário de gênero seja totalmente desmantelado e poderemos parar de limitar nossas crianças a serem criadas como machos ou fêmeas. Mas, enquanto isso, o gênero continua a ser uma das primeiras coisas que as crianças aprendem a reconhecer sobre elas mesmas e os outros, e por esta razão eu penso que é importante manter as barreiras do que pode ou não pode potencialmente ser masculino ou feminino tão escancaradas quanto possível. É maravilhoso que as pessoas que se sentem desconfortáveis com o seu gênero designado ao nascimento estejam ganhando força e visibilidade. Mas é tão importante quanto isso que os jovens, meninas e meninos e genderqueer, possam ter tantos exemplos quanto possível de homens e mulheres que não se conformam a esteriótipos de gênero. Eu gosto de pensar que estou fazendo minha parte por viver como uma agressiva, competitiva, lógica e forte mulher butch.

www.slate.com/blogs/outward/2014/07/25/...