*Conformidade e Exploração Não Empoderam Mulheres *
O feminismo não é qualquer coisa que passamos a acreditar que ele seja, nem é possível adaptar o feminismo para que se encaixe nas nossas escolhas pessoais. Ser feminista é uma escolha pessoal (na verdade uma saída para a nossa sobrevivência), porém o inverso não é equivalente – uma escolha pessoal não vira feminista a qualquer custo porque assim desejo. Nomear algo de feminista não o transforma em feminismo, é preciso que este ‘algo’ tenha um comprometimento com a análise feminista que enxerga as estruturas de poder que estão sob domínio dos homens como opressoras de mulheres.
Nessa ótica podemos entender que a maioria do que se fala atualmente sobre empoderamento faz parte deste caminho inverso de tentar transformar comportamentos, conceitos e práticas não feministas e até antifeministas ou misóginas em feminismo.
Os padrões de beleza e comportamento estipulados para as mulheres passaram de estereótipos do gênero feminino a serem questionados para serem vistos como parte do “empoderamento feminino”. É uma forma que é conveniente para a manutenção do status quo pela falsa ideia que cria de que há uma mudança comportamental – pois agora a mulher faz uma “escolha”. Mas quando uma coisa é imposta, mesmo que no âmbito de costumes culturais, não é uma escolha quando respondemos exatamente como nos é esperado, é assim que funciona uma imposição. Os costumes são criados dentro das regras sociais e são desiguais entre os grupos de pessoas.
Desta forma as mulheres continuam sofrendo a mesma imposição de padrões mas são incentivadas a acreditar que são “agentes” “criadoras” “independentes”(mesmo que paguem caro para atingir esta “independência”: cirurgias plásticas, cosméticos, etc.). Isso gera também uma conformidade nas mulheres quanto a sua aceitação na sociedade. Antes era possível concluir que para ser aceita tinha que se perseguir esses padrões impostos, agora se estes viram “empoderamento”, não há mais a necessidade de questioná-los e muito menos mudá-los. Tanto o patriarcado quanto o capitalismo são agraciados quando não há oposição ao papel estipulado que as mulheres tem de cumprir na sociedade e quando se garante um público de consumo.
Com isso não se está dizendo que nós mulheres ao respondermos afirmativamente as pressões sociais ou ao adotarmos estes padrões deixamos de ser feministas, mas apenas que nossas atitudes não são automaticamente feministas por sermos mulheres, e que responder as imposições e padrões de beleza estipulados para nós mulheres como é esperado, não pode ser tido como empoderador.
Assim como a imposição dos padrões de beleza e de comportamento estão sendo dadas como “empoderamento” também a exploração sexual passa a ser vista como tal. Os defensores da prostituição e pornografia descobriram no mesmo argumento de “empoderamento” uma maneira que visa manter as mulheres escravizadas mas com sua aceitação, pois tira-se o “escravizada” e coloca-se “empoderada” e você terá mulheres conformadas a serem exploradas. Pelo menos este é o objetivo, o que não significa dizer que é alcançado (a aceitação e conformidade verdadeiras), pois dizer que as mulheres na prostituição e ponografia estão conformadas seria culpabilizá-las em alguma estância, na verdade essa “aceitação” e conformidade são resultados diretos da falta de oportunidades para mulheres.
Mas para os defensores da prostituição e pornografia não basta que estas sejam práticas exploratórias de mulheres, é preciso convertê-las em “escolha feminista”. Apropria-se do feminismo e o deturpa até naturalizar a exploração das mulheres para dar credibilidade a indústria do sexo, um negócio que rende bilhões anualmente. Os defensores da prostituição e da pornografia ignoram completamente a desigualdade de oportunidades entre os sexos (muitos não ignoram mas lucram com isso), pois são as mulheres as maiores vítimas da exploração sexual e das violências que lhe são intrínsecas.
A prostituição e a pornografia são violências contra as mulheres criadas pelos homens para que atendam as “necessidades” masculinas. Não tem como as fantasias masculinas (que ainda por cima são fundamentadas na cultura do estupro) se transformarem em “escolha feminista”, isso até subestima nossa compreensão das coisas. Não importa o quanto se faça um esforço em moldá-las, inventar alternativas, ou caracterizá-las como empoderadoras ou subversivas, pois isso são apenas disfarces – a exploração sexual ao ser renomeada não deixa de ser exploração. Tampouco é possível pegar as fantasias masculinas que perduram no sistema patriarcal e transformá-las em fantasias “igualmente” de mulheres, pois aí se esquece que neste sistema as fantasias masculinas são geradas e mantidas com as mulheres sendo subjugadas – são justamente a violência e a exploração das mulheres que atendem as fantasias masculinas. Procurar transformá-las como fantasias que se dão “naturalmente” e da mesma forma para ambos os sexos é um equívoco. Por mais que uma mulher possa passar a ter as mesmas fantasias, estas surgiram em algum momento do ponto de vista masculino. Na verdade nós não temos como saber quais são nossas reais fantasias. Embora os homens também tenham suas fantasias determinadas pelo sistema patriarcal, elas são oriundas da misoginia inerente a um sistema que beneficia os homens – são as mulheres que pertencem a classe das pessoas violadas, e isso não é uma fantasia mas uma realidade. Ademais o feminismo não é uma luta pela igualdade, mas pela libertação, que jamais se dará se incorporarmos as mesmas atitudes masculinistas. Só é possível alcançarmos a nossa libertação com a mudança na estrutura deste sistema, o que seria dizer, com a destruição do patriarcado.
Apoiar a pornografia e a prostituição consciente ou não dos processos de exploração inerentes a elas é um impedimento para a nossa libertação, e quando se proclama que é em nome do feminismo acaba-se endossando a misoginia de forma oculta e enganosa, até o ponto onde a exploração seja algo livremente consumível e aceitável sem a interferência do feminismo de fato.
A ideia de que empoderamento seja qualquer coisa que uma mulher faça, e que isso é ser feminista, contribui com o conceito de “vários feminismos”, um conceito que se tornou inquestionável – as pessoas acham que advogar por vários feminismos é uma coisa necessariamente boa e indiscutível (ai de alguém ter uma ideia variada). Como se o feminismo também fosse uma forma de consumo, ele próprio virou “um nicho a ser explorado”. Mas o feminismo não é uma roupa de estação que pode mudar completamente dependendo da moda. Para ser feminismo precisa reconhecer e afirmar que as mulheres fazem parte da classe subordinada e entender o que é subordinação. A libertação das mulheres não é como uma vestimenta ultrapassada, a luta feminista não está “desatualizada” porque “hoje em dia as coisas estão diferentes e diversificadas e o feminismo precisa se diversificar”. Não existe nada que “diversifique” a exploração das mulheres suficientemente ao ponto de que a exploração vire um hobby (pelo menos não para as mulheres). Obviamente que o feminismo não é uma coisa estática e homogênea, mas para ser feminismo ele não pode se utilizar da exploração, opressão, violência e discriminação das mulheres como bandeira pró feminista. Além disso, a reivindicação de “vários feminismos” surge muito frequentemente como tática para silenciar feministas, porque se presume que esta reivindicação é inclusiva, portanto correta. A inclusividade é outro conceito praticamente proibido de se questionar, a menos que as excluídas sejam mulheres de grupos sociais que não merecem a mesma atenção, ou feministas radicais (constantemente julgadas como desprezíveis por conta da teoria que defendem).
O feminismo ao pontuar que o empoderamento não se dá pela nossa conformidade aos padrões de beleza e comportamento impostos a nós nem através da exploração do nosso sexo, jamais almeja aumentar a carga nos ombros das mulheres. A análise não visa culpabilizar as mulheres da opressão que enfrentam, pelo menos não como uma classe que se beneficia disso, essa é uma interpretação que tem o intuito de nos dividir e de aliviar a responsabilidade dos homens. A crítica é ao domínio dos homens e a opressão que se estabelece que atinge todas as mulheres.
O feminismo vai seguir sendo a luta contra as estruturas de poder que colocam as mulheres na situação de subalternas dos homens em qualquer esfera. Até que sejamos todas livres de toda e qualquer exploração.
que texto excelente! muito atual, visto que o movimento social agora está reivindicando a agência na própria objetificação, um exemplo foi a polêmica com o videoclipe da Anitta, que conseguiu fazer o de sempre, utilizar corpos femininos hipersexualizados num olhar masculino para vender, com aspecto libertário e ainda se apropriou dos modismos do movimento social liberal identitário, colocando por alguns segundos pessoas trans, gordas, velhinhas e lésbicas para parecer interseccional. Eu to achando muito difícil debater isso tudo, uma vez que a esquerda colocou uma blindagem terrível nessas discussões, até mesmo com a noção de lugar de fala, revestindo como cultura periférica e impedindo debate de misoginia na música e outros veículos. É difícil também não se sentir louca ou antiquada, conservadora, porque agora se confunde tudo também. Como tem cultura de estupro com culpabilização da mulher, acham que é ‘empoderador’ ficar rebolando de quatro numa mesa cercada de machos (nem lembra bar masculino de stripper né) porque você estaria ‘confrontando a moral’ e dizendo que ‘a mulher tem o direito a fazer o que quiser com seu corpo’, só que se esquece de contextualizar como essas escolhas relativas ao próprio corpo e apresentação no mundo são CONSTRUÍDAS, historicamente, por HOMENS, e assim nunca escapamos de ser a representação masculina, definidas pelos homens. Se elencam todas representações masculinas do que é a mulher com ‘poder’ que é a mulher com poder de seduzir o homem, a antiga fantasia masculina de reversão do que é poder, com o último que resta às mulheres de recurso material e econômico que é o próprio corpo como subsistência, toda história do patriarcado afinal. Gostei do cuidado com o qual conseguiu abordar também, o fato de que reproduzir feminilidade não é feminismo ou empoderamento, não quer dizer que mulheres que ainda reproduzam não possam ser feministas. |
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Olha que post escroto da Mídia Ninja, petistas que querem se passar por anarcos aliás scontent.fbfh2-1.fna.fbcdn.net/v/t1.0-9/25551947_865211470312031_5106927517091462650_n.jpg?oh=f5a820c0c08737356f8c156ab7ca3830&oe=5AC0B9D9 |
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“Alguns tostões sobre a polêmica da Anitta: mulheres vocês se liguem que objetificação do corpo feminino é mais velho que andar para frente. Falar em “empoderamento” por causa de 3 celulites esparsas numa bunda, falar em “protagonismo” do corpo feminismo em terra de concurso Miss Bumbum, concurso de “mulatas” do Huck, Panicats, banheira do Gugu, É o Tchan, Globeleza, é ser no mínimo muito ingênua. Corpo feminino exposto em partes como carne num açougue não é empoderamento. Aliás, empoderamento não é uma questão individual, é uma força coletiva, de grupo, que reverbera nas posturas individuais. É o grupo mulher passar a ter poder. E que poder mulher adquire com mais um desfile de corpos padrão sendo sexualizados? Empoderamento mesmo vai ser o dia que a Anitta (e todas as cantoras pop) puderem dizer: “eu vendo minha musica, minha voz, minha performance, não a objetificação do meu corpo”. Empoderamento de verdade, aliás, vai ser o dia que uma mulher puder sair de noite sem medo de ser estuprada. Puder andar de ônibus sem medo de ser esporradas. Puder ir a uma festa e beber à vontade sem medo de ser currada por vários caras. Puder transar sem medo de ser filmada e exposta. Puder dizer “não” no meio do amasso e ter o não respeitado. Puder dizer que só transa de camisinha e o cara colocar a camisinha sem pestanejar. Puder ficar confortável no trabalho sem ser assediada e testada o tempo todo. Empoderamento é o corpo da mulher deixar de ser uma mercadoria, estampado nu e sensualizando até propaganda de palito de dentes. Vocês parem de se contentar com migalhas que cada vez que as mulheres começam a se conscientizar da exploração do próprio corpo e a se proteger, e a exigir respeito, surge esse papinho de “conservadorismo” e balançar o rabo vira a nova revolução. Quem está ganhando com isso? Homens, como sempre. Para nós, tudo igual no front de batalha." revista QG feminista |
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sim mala! também sinto que tá muito dificil debater essas questões. a própria coisa que tu fala da interseccionalidade só isso em si já não sabemos nem por onde começar com tanta desinformação e apropriação. na verdade o proprio discurso interseccional é questionável como vem sido colocado,e há uma banalização geral. a coisa do lugar de fala igualmente parece que só serve pra impedir aprofundamento político. a questão de se sentir conservadora, antiquada ou louca (hahaha) é exatamente esta a forma que acusam as feministas por pura falta de argumento descente. ao invés de observarem o problema que o feminismo tá expondo (exploração das mulheres) é mais fácil atacar as feministas de antiquadas. mas isso não é nenhuma novidade também e não é isso que vai nos fazer parar de lutar ou falar etc. :) “Gostei do cuidado com o qual conseguiu abordar também, o fato de que reproduzir feminilidade não é feminismo ou empoderamento, não quer dizer que mulheres que ainda reproduzam não possam ser feministas.” feliz que tu observou e deu este retorno :) |
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arg!! midia nojo!! hahaha, só rindo mesmo. mas (esse link que tu passou da midia nojo) que argumentação ruim, fraca e estúpida! eles conseguem se desdizerem!!! pois olha, eles dizem que “os homens brincaram com seus paus por seculos… que produziu tudo que está ai” e ao mesmo tempo dizem que as mulheres tem que fazerem a mesma coisa? hahaha, que estupidez. primeiro nem tem como ser a mesma coisa o falocentrismo é uma coisa bem diferente da objetificação das mulheres. depois nesta lógica deles não há logica nenhuma! já que se chegamos a “isso aí” (entenda-se ruim) por que haveríamos de fazer “o mesmo”? hahaha vendo pelo lado mais serio, na real é exatamente aí que os homens de esquerda não se diferenciam dos homens de direita. eles tem discursos diferentes que levam ao mesmo lugar – a gratificação deles ao terem acesso (real ou virtual) aos corpos das mulheres objetificados e explorados. |
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muito boa esta da QG feminista!! |
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