As duas coisas estão bastante relacionadas. O fascismo e o naturalismo tem várias semelhanças. Ver, por exemplo, esses trechos do texto contra o apartheid das espécies (outros textos do autor também falam sobre isso):
O que é o naturalismo?
O que criticamos em particular na ecologia e em geral, no naturalismo, é o fato de somente considerarem a vontade dos humanos de verem a «Natureza» se perpetuar tal como ela é, sem se preocupar com os interesses dos indivíduos que são os mais tocados.
O naturalismo enxerga o mundo como sendo uma totalidade submissa a uma «ordem natural» onde tudo tem um lugar que é seu verdadeiro lugar, onde tudo está em ordem. Cada coisa «natural» possui então em si uma natureza particular, que é considerada como um tipo de programação interna, para ficar em seu lugar e cumprir bem sua função no meio do Todo. A natureza (com n minúsculo) de uma coisa é então aquilo que a Natureza (com um grande N) lhe dita para que seja realizada a «harmonia» de todas as coisas entre si. Por ser vista como uma totalidade, esta «Natureza» recebe um valor infinitamente superior ao valor que é concedido a cada um de seus mecanismos. De repente a «natureza» de cada um de seus mecanismos, por ser expressão da Natureza, torna-se uma coisa essencial e fundamental que não deve ser pervertida sob pena de subvertermos a ordem do mundo ocasionando o caos.
Reconhecemos sem fazer esforço, nesta descrição do naturalismo, uma variação sobre os grandes temas e mitos fundamentais de todas as religiões. Com efeito, a relação dos humanos com essa ordem imaginária é de tipo religioso: a «Natureza» é sacralizada, imaginamos suas intenções ou a personalizamos. Tal «ordem natural» é geralmente uma projeção de nosso próprio sistema social (ou daquele que desejaríamos instaurar) e os conceitos que os humanos tiveram dessa ordem variaram ao longo dos séculos. Assim, falamos mais facilmente hoje em dia do «equilíbrio natural» do que da «ordem natural»: pois a tendência que domina atualmente é mais ligada à idéia de democracia e participação do que ligada ao fascismo declarado. Uma tendência mais próxima da economia liberal do que de uma planificação do Estado. Mas se o tipo de ordem modifica, a ordem continua, quer dizer, a veneração que os humanos têm por ela continua existindo. Toda coisa que dizemos ser «natural» é pressuposta como pertencente à «ordem natural», e consideramos que existe apenas por e para esta totalidade. As coisas «naturais», quaisquer que sejam, encontram-se todas em um plano de igualdade: o pardal, a grama, a pedra, cada um ocupa seu lugar, concorre, ao seu modo, para o bom desenvolvimento do todo e será apenas percebido dentro deste esquema.8. Seus interesses eventuais existem apenas com a condição de serem a tradução daqueles da Ordem, porque só estes são tidos como verdadeiros. Se porventura parecem transgredir, serão negados como verdadeiros interesses (desejos «contrários à natureza»: pervertidos, degenerados…). Ou bem, na honorável intenção de reabilitá-los, mostraremos que eles se integram, apesar de tudo, ao Grande Projeto9.
Ora, este discurso sobre os animais no seio da «Natureza» encontra um paralelo perfeito em certos discursos políticos, que proclamam um tipo de sociedade particular: onde os interesses dos indivíduos, inclusive suas vidas, são importantes apenas na medida em que vão no sentido da boa teoria da maquinaria social onde, com efeito, o valor dos indivíduos é puramente relativo ao da Ordem Social, este conjunto ao qual pertencem de corpo e alma, que os compreende e os transcende, onde é necessário que eles estejam e continuem imersos e dos quais são apenas os mecanismos. Esses discursos políticos são discursos totalitários, fascistas, nazistas, stalinianos, etc (se os democratas também consideram «necessário» terem o poder social sobre os indivíduos, quer dizer, a existência de uma ordem social, seus discursos acentuam mais a liberdade da pessoa do que sua sujeição autoritária à totalidade).
O discurso naturalista é explicitamente totalitário pelo fato de se colocar do ponto de vista de uma totalidade abstrata de seus componentes, ao mesmo tempo em que é visto como representante destes mesmos componentes. Será necessário sacrificar os interesses de certos indivíduos, ou mesmo de todos para que a «Natureza» (como a sociedade nas ideologias sociais) caminhe harmoniosamente. O sofrimento de alguns não importa, pois apenas a totalidade é que existe e conta realmente. Não concluímos que deveríamos refletir como viver de outra maneira e melhor. O sofrimento e a morte de alguns são neutralizados, transcendidos e sublimados por sua pretensa função no seio da tal entidade sublime e transcendente que é o Tudo.
Isso fica particularmente claro quando invocamos os famosos «equilíbrios», que são mencionados em termos explicitamente místicos, como é o caso aqui:
… tudo o que a moral humana reprova com força, a injustiça, a desigualdade, a crueldade, não tem nenhum sentido para o animal. Para o animal a finalidade parece bem diferente: em primeiro lugar é a sobrevivência, sobrevivência individual e depois a sobrevivência da espécie. Talvez o animal esteja programado para melhor saborear o equilíbrio na Terra do que todas as espécies vivas em função de um destino mais vasto10,
Ou tentando apresentá-los de modo racional, dando-lhes uma roupagem pálida e cientifica:
As zonas úmidas formam então um meio bem equilibrado, onde cada espécie representa seu papel. Se algumas proliferam é para alimentar outras, predadoras. Este ciclo tão bem ordenado da Natureza11…
[…]
O naturalismo
e as dominações intra-humanas
O discurso que prega que, os interesses de certos indivíduos, somente são importantes em função de sua utilidade por outra coisa do que para si mesmos, é o discurso típico de todas as formas de dominações15.
O efeito principal deste tipo de discurso, que é também seu fim e sua função, é o de negar a importância de seu próprio interesse, que aparece necessariamente derrisório e ridículo, de ser sempre associado/comparado com um «interesse» superior, o mais freqüentemente grandioso e sagrado: o interesse da «Natureza» por exemplo, ou da «Humanidade», ou de qualquer outra noção sacralizada.
Com efeito, todas as dominações intra-humanas, tendem a centralizar os dominados a uma relação de pertencer à «Natureza». Esta «ordem», é o reino da funcionalidade, do determinismo, do valor relativo a outra coisa do que a si próprio, quer dizer, da não-individualidade. Os dominantes,ao contrario, são vistos como totalmente pertencentes à «Humanidade»,quer dizer, pertencem ao reino da autonomia, da liberdade, do valor em si, da individualidade, etc16.
Os testemunhos pululam de acordo com as fantasias das sociedades e das épocas, sobre a «naturalidade» dos escravos, das mulheres, das crianças, dos animais, mas também do povo, dos loucos, dos marginais, dos criminosos, dos homossexuais e, lógico, também dos negros e dos povos colonizados. Seu lugar natural, na ordem natural, corresponde sempre à função e ao lugar que lhes é destinado socialmente; se os dominantes são livres17, os outros, seres naturais, são ao contrario, programados pela «Natureza» para continuarem no mesmo lugar, geralmente para a glória da harmonia mundial.
Isso significa que as dominações sempre foram percebidas como sendo algo natural, como fazendo parte da Ordem natural das coisas: todas as dominações «pré capitalistas18» foram legitimadas por uma divindade ou pela Ordem natural e não devem ser questionadas, pois isso poderia provocar o caos. Assim sendo, a escravidão foi sempre considerada como uma instituição natural. Daí uma feminista contemporânea notou que, consideramos ainda o patriarcalismo, como um «equilíbrio» e como uma «ordem natural19».
Por isso praticamente todos os movimentos reacionários fazem apelo ao naturalismo para manterem ou restabelecerem a ordem. Ou para legitimar o patriarcado, ou para justificar o racismo, o eugenismo, a monarquia, a guerra20 ou a volta das «hierarquias naturais», ou para combater a liberdade moral, a homossexualidade, a perda do masculino e do feminino…
Os dominantes se referem maquinalmente à «Natureza» como argumento para cimentarem a ordem social e justificarem seu caráter de desigualdade:
Se isso acontece automaticamente em civilizações como as nossas, onde nenhuma seleção natural não elimina os fracos, os débeis mentais, os deformados, que deixamos viver, existe na natureza uma «injustiça», uma desigualdade entre os seres sem a qual (desigualdade) a vida seria impossível21.
A conclusão «natural» é, «cada um em seu lugar» encontra naturalmente a solução nos animais, pois a «Natureza» age diretamente neles (a ‘natureza’ deles lhes dita diretamente a posição que devem ocupar), mas que ocorre com os humanos somente se eles se tornarem «submissos» e usarem a liberdade que têm de forma «sadia», aprendendo a ficar no lugar que devem, dentro da hierarquia social, agora invocada também como sendo algo natural:
… ele era um bom chefe, um verdadeiro chefe, como um rei deveria sempre ser, como eles foram nas idades onde a natureza nos ditava ainda suas leis e tudo era «ordem e beleza», mesmo matar para viver, mesmo ficar doente, mesmo morrer22.
O ser humano sábio é aquele que, colocando-se de acordo com a ordem fundamental, sabe minimizar a falta da natureza na vida em sociedade:
A repartição da população de um País em diferentes classes, não é o efeito de uma coincidência nem de convenções sociais, ela possui uma base biológica profunda. É preciso que cada um ocupe seu lugar natural. A presença de grupos estrangeiros indesejáveis do ponto de vista biológico, é um perigo certo para a população francesa23.
e:
Não há sobrevivência possível se o Ocidente não encontrar as fontes da ordem natural24…