Contra a Teoria Queer desde uma Perspectiva Indígena - Nxu Zana

Traduzido ao português

Contra a teoria Queer (Desde uma perspectiva indígena)

Nxu Zänä – feminista radical indígena mexicana
Tradução por Saligia

Em primeira instância desejo aclarar que porque o título especifica “Contra” sabendo que soa agressivo, não poso mais que dizer que o escrito dirá por si só que está dirigido para gerar uma crítica a teoria Queer, pois assumo que como várias e vários de seus críticos que em um esforço de gerar um discurso e teoria alternativa mais bem se converte em uma arma do sistema, e daí a necessidade de escrever em contra a dita teoria.
Começarei por declarar que sou uma mulher indígena que teve a possibilidade de estudar e ler coisas que a grande maioria de minhas irmãs e irmãos não puderam devido a falta de oportunidades, falta de recursos econômicos, em poucas palavras, por causa de um sistema que nos discrimina, violenta e extermina pois não coincidimos com sua forma de conceber o “desenvolvimento”, o “progresso”, o “trabalho”, o “êxito”, a “exploração de recursos”, assim portanto nos privam de nossas terras, nossas vozes, nossas línguas, nossos costumes, nossas culturas, nossos ambientes ecológicos e nossos conhecimentos para que aprendamos a viver de “sua” forma, uma forma de viver que consideram “melhor” à nossa, que finalmente é uma imposição.
Esse escrito surge da preocupação de observar o avanço do mundo globalizado e conhecer a teoria Queer e o papel que assume nesse contexto, por tanto mencionarei somente algumas das principais premissas da citada teoria e o questionamento que faço a respeito como mulher indígena.
Começarei pela autodenominação queer, é sabido que a referida palavra foi usada como um meio de denominar de maneira depreciativa homossexuais e lésbicas, sendo que alguns setores decidiram usá-la como uma forma de orgulho contra as atitudes homofóbicas das sociedades anglo-saxônicas, pois assim poderíamos dizer que isto deu o início de um movimento baixo à denominação referida. No que se intenta dar um sentido de rebeldia à forma de autodenominar-se, portanto se enfrenta a sociedade abaixo de seus mesmos termos mas com um ar de orgulho e defesa de sua condição desprezada diante os olhos dos “normais”. Sob referida apropriação se gera o discurso queer que começa a questionar as identidades e categorias que vários movimentos usamos para a defesa de nossos direitos, de nossa forma de vida, de nossas culturas tal como o gênero, a classe e araçaargumentando que não devemos usá-las porque finalmente são termos cunhados desde a experiência histórica e opressora de um sistema como o patriarcado, o colonialismo, o capitalismo e o racismo.
De maneira que deveríamos diluir ser homem, ser mulher, ser indígena, ser branco, ser negro, ser latino ou europeu, ser trabalhador, ser político, ser proletário ou burguês. No lugar disto, se propõe uma “hibridação” como uma forma de resistência contra a homogeinização globalizante e se enaltece a individuialidade, com as múltiplas variações e diferenças que implica aonde a afinidade de interesses substitua à identidade.
A respeito surgem as seguintes perguntas se eles marcaram o direito de autodenominar-se Queer como uma forma de resposta frente à homofobia do sistema, por que a mim y aos povos indígenas nega-se a possibilidade de autodenominarmos indigenas? Se finalmente o termo “indígena” foi acunhado dentro de um sistema de opressão para diferenciar os homens brancos europeus e civilizados de nos (similar a apropriação do termo Queer), portanto, tenho e assumo o direito de retomar a categoria para autodenominar-me frente a um sistema que tenta dominar-me e que é racista, finalmente a sua ação é equivalente a nossa posto que Queer também vem de um sistema homofóbico e se coloca em ação dentro desse sistema.
Por outra parte, tentar propor uma “hibridização” com o desaparecimento das identidades sobre pretexto de ir contra as tendências homogeneizadoras, acaso, no fundo, não seria o mesmo?
A identidade é um processo dinâmico, histórico e fluido não é o mesmo ser indígena no seculo XVI em plena invasão europeia que sê-lo no seculo XXI em plena globalização dentro de um sistema capitalista; nossa cultura, nossos povos tem aprendido a sobreviver dentro desses sistemas e gerar formas de resistência contra as tendências homogeneizadoras que pretendem desaparecer as formas sócio histórica e culturais que subsistem apesar dos ataques capitalistas.
Da mesma forma, a identidade, ao contrário do que os queers pensam, não implica apenas uma área da vida, porque ser indígena não representa apenas um aspecto da minha vida, ela representa minha vida, nossa vida: o modo de viver e conceber a vida, a história do meu povo, nossa cultura, nosso relacionamento com o ambiente em que vivemos e desenvolvemos, com a mãe terra, a maneira como nos relacionamos e nós mesmos.
Creio que essa grande confusão sobre identidade surge porque eles concentram sua luta em apenas um âmbito: sexualidade no individual; e porque sua luta se exerce contra os movimentos feministas, homossexual e lésbico, acreditando que estes se concentram apenas em gênero e sexualidade; sem olhar mais longe e entender que, no início, esses movimentos tinham um fundo político, econômico, social e não apenas como é visto hoje: sexo e sexualidade, preferências, orientações, direito ao prazer, sendo que isto é apenas uma deformação dos movimentos dados pelo sistema, e pelos discursos médico e comercializadores do corpo, do sexo e sexualidade.
A teoria queer pretende que a afinidade seja um meio de luta por meio das diferenças de cada individualidade, assim portanto podem existir tendências queer como tantos queers existem ( o que é um direito), mas isso é uma falácia pois elimina a possibilidade de organização coletiva.
Outra situação questionável é o fato de pretender eliminar o ser homem ou mulher, eu sou e me identifico como mulher, se bem que não esteja de acordo com muitas coisas que me ensinaram sobre ser mulher tanto em minha cultura de origem como na sociedade ocidental (como o fato de que tinha que ser mãe para me realizar como mulher, da imposição do casamento, da não disposição do meu corpo, do não aceso ao prazer, de que não podia ser independente se não depender do que fosse meu marido, da obrigação de me dedicar a casa, hoje em dia me permitem trabalhar mas além disso devo cumprir com as tarefas de casa por ser mulher, de inclusive a obrigatoriedade de sentir-me atraída pelos homens pois se sinto atração afetiva ou erótica por outras mulheres não é considerado normal); é dizer me impuseram uma serie de disposições que deveria cumprir por ser mulher e de que não faze-lo seria julgada, castigada, marginalizada, estigmatizada e até violentada, com isso não estou de acordo mas jamais negaria a realidade de meu corpo e o que implica em meu grupo, história, vida pessoal e coletiva, por que desfazê-lo implica negar uma realidade e minha existência ao meu respeito, tratando de abandonar-me em uma mentira.
A realidade biológica é inegável: quem nasce masculino, como todos os animais, tem um certo tipo de corporalidade e atributos fisiológicos diferentes daquelas em que nascemos fêmeas, eles têm força devido ao seu volume muscular e genitália externa, temos genitália interna e damos à luz o exemplo mais simples, embora essa diferenciação biológica tenha gerado uma construção social e cultural de gênero e, acima de tudo, uma divisão sexual do trabalho (que era injusta em segundo plano), por outro não posso negar que temos diferentes biologias e aspectos, o que não justifica a injustiça e a violência a que as mulheres estão sujeitas.
E eu perguntaria à teoria Queer e àqueles que a sustentam, o fato de eliminar as categorias de homem e mulher elimina a injustiça na realidade social? Eu duvido muito que a eliminação dessas categorias mude o sistema, porque teríamos que modificar todo o sistema (algo que não dizem os Queers pois implicaria uma organização coletiva importante) para eliminar a injustiça e a violência que exercem as mulheres sobre o sexo, excluir os termos não altera a realidade dos fatos; não serei violado, espancado, sequestrado, estuprado ou explorado sexualmente para deixar de me sentir mulher? Eles me dirão que isso é apenas um começo para nos reconceituarmos, começarmos a mudar, mas então, de que maneira faremos a mudança se não reconhecermos, em princípio, nossas diferenças substanciais que geram injustiça e violência?
Pergunto-lhes, como vocês pretendem mudar a realidade se pretendem viver à margem dela mas mesmo assim dentro dela? Dizer que você é Queer para não se reconhecer-se como homem ou mulher, homossexual ou lésbica, indígena ou branca, trabalhadora ou política, etc, não muda as relações sociais em que nos desenvolvemos, apenas modifica sua própria subjetividade e acredito que a mudança começa individualmente, mas uma mudança individual que não implica ações políticas e / ou sociais efetivas para uma mudança real, apenas se torna a criação de um mundo separado, finalmente acomodado no mesmo sistema que se pretende criticar.
Quanto à sexualidade, se o sujeito é definido por suas práticas sexuais que configuram sexualidades não normativas, então, como diz a teoria queer, o foco principal é o jogo e o prazer eróticos, nesse sentido, eles aumentam a existência de outras outras sexualidades que não sejam heterossexuais e aquelas que consideram “libertadoras”, portanto, colocam tanta ênfase na bissexualidade, no sadomasoquismo, na “reinvenção da pornografia” porque consideram que são transgressões que dão um papel à sexualidade como nunca antes visto. A caso o próprio sistema em si ainda não deu o destaque à sexualidade? Não seria nesse sentido que eles preferem seguir a dinâmica do sistema? Então, para você, a revolução começa nas práticas sexuais, novamente no indivíduo e no privado, nas formas de obter prazer. Por que exaltar o uso do vibrador, da penetração anal, das práticas sadomasoquistas? Só porque eles vão contra as práticas heterossexuais tradicionais? Nesse caso, eu diria que eles são um setor contestado, não uma revolução, já que finalmente a sexualidade permanece (como o autor catalão Oscar Guasch menciona em seu livro sobre a crise da heterossexualidade) coitocêntrica (embora a relação seja oral, vaginal , anal, com os seios, nas nádegas, etc.) falocêntrico (porque o uso do vibrador é finalmente um símbolo do falo e significa que, se eu não o tenho, preciso de um porque, caso contrário, o ato sexual não estará completo) o que implica que continuo focado nos atributos do homem e que tenho uma obrigação de orgasmo (porque, caso contrário, não sou saudável). Quão revolucionário é isso? Qual é a mudança? É apenas uma diversificação mercantilizada da sexualidade, portanto, ela está e está dentro do sistema, não fora dele, como quer que se acredite e como eles querem que acreditemos.
Se a teoria Queer e seus seguidores tentam se livrar da minha identidade como indígena e como mulher, posso lhe dizer com razão: você é uma arma do sistema, uma corrente ideológica que promove a globalização, a ferramenta da homogeneização, como menciona Susana López os queers cumprem a função final de penetrar nos corpos marginalizados até "legitimá-los e anexá-los às mesmas instituições que formam os pilares do dispositivo da sexualidade. Para os queers, a vida pessoal é sexualizada, assim como a política e a economia, e eles não a sexualizam, mas propõem outra alternativa sexualizada ao que já existe. Portanto, não há ruptura real, mas essa alternativa é incorporada à scientia sexualis…”
Se eles consideram que “o pessoal é político” e, portanto, levam a sexualidade ao espaço público para reivindicar sexualidades marginalizadas e alcançar a emancipação e subversão da cultura, parece-me que isso é errôneo, porque consideram que praticar sexo (entendido como práticas sexuais) é praticar política e, consequentemente, toda vez que praticam sexo não normativo, estão fazendo uma subversão do sistema como uma forma de resistência que levaria a mudanças sociais, a questão seria como fazer uma mudança coletiva quando suas ideologias e práticas apenas dizem respeito à esfera estritamente privada: desejar, prazer individual? Se não há identidade e o movimento é baseado no desejo e no prazer individual, a luta é constituída com a afinidade de práticas sexuais privadas diferenciadas apenas para ir contra o sistema regulador? Como isso pode ser uma mudança social real e fundamental? Como você pretende vincular os “indivíduos” gerar estratégias de mudança reais?
Finalmente outro problema grave que considero é que jamais se retoma para a análise o contexto histórico, político, social, econômico e cultural atual afinal o Queer se fixa na subjetividade de cada indivíduo e sua luta pessoal no exercício do desejo e prazer na afinidade com outros indivíduos que não compartem identidades, somente a afinidade de práticas sexuais não normativas; portanto consideram que a organização coletiva é impossível e sem sentido, só se pretende reivindicar direitos individuais não coletivos e é aqui onde novamente afirmo que essa postura é um fiel reflexo do neoliberalismo e seu antecedente o liberalismo na busca e enaltecimento do indivíduo sobre as coletividades, assim conduz a fragmentação e o rompimento das resistências e movimentos pois as identidades implicam no reconhecimento das comunidades, atacar as identidades, por tanto, gera o ataque as comunidades, a organização, os movimentos, as lutas sociopolítico econômico e culturais, as lutas históricas.
Dessa maneira, a geração da teoria Queer contribui à geração de um saber que forma parte dos jogos de poder do sistema e no rompimento das comunidades e identidades. É contra as mulheres, indígenas do mundo, trabalhadores, agricultores, lésbicas, homossexuais, feministas, os sindicatos , por fim a teoria Queer se converte na arma ideológica neoliberal perfeita baseada na individualidade e prazer promovendo mais que uma forma mercantilizada de sexualidade que resulta opressiva, novamente, para mulheres, crianças e adolescentes facilitando o caminho para uma nova opressão e exploração dos sexos e gêneros. E ainda servir como forma de desarticulação, desvalorização e estigmatização dos movimentos de todo tipo, em especial contra nós: indígenas
Por isso, como mulher indígena, escrevo CONTRA a teoria Queer com a esperança de que quem leia isso reflexione e faça uma critica severa desta teoria e seus postulados, com a esperança de que quem se autodenomine queer faça uma autocritica a respeito.

 

obrigada pela tradução!

 
   

maravilha!