Lesbianismo Político & Separatismo

texto bastante breve e didático sobre as éticas lésbicas de sororidade no feminismo e a escolha por mulheres do feminismo lesbiano, por Isabelle Moreira.

Lesbianismo Político e Separatismo

A base do feminismo lesbiano, e também do feminismo radical, é o amor entre as mulheres. Esse é um conceito essencial dentro do feminismo. Seguindo esse conceito, pode-se afirmar que a lésbica é a mulher cuja consciência de si própria e energias (inclusive energias sexuais) são direcionadas às mulheres. Ela se identifica com mulheres, e as procura em busca de apoio emocional, físico, econômico e político. Ela se importa com mulheres, e ela se importa com ela própria. O amor e a amizade entre mulheres são vistos e tratados com hostilidade pela sociedade e cultura supremacista masculina. A amizade feminina foi transformada em um tabu, ao ponto de que há mulheres que repudiam suas semelhantes. Por esse motivo, a sobrevivência do feminismo depende da solidarização entre as mulheres. Se não nos amarmos umas às outras e a nós mesmas, não possuiremos uma base com a qual identificar e rejeitar atrocidades praticadas contra mulheres. Porém, o amor entre as mulheres é mais do que uma versão feminina de camaradagem.

A criação de laços que é o amor entre as mulheres ou ginoafeto como denominado por Janice Raymond, é muito diferente da união entre homens. Esta última tem sido o que mantém a dominação masculina, e está baseada no reconhecimento da diferença que os homens vêem entre eles próprios e as mulheres, e que se fundamenta num conjunto de comportamentos — a masculinidade — que cria e mantém o poder masculino. Mary Daly definiu a união entre mulheres que amam mulheres como sendo biofílica (amor à vida), a fim de distingui-la de outras formas de criação de laços na “sado-sociedade” supremacista masculina. Ela aponta que a camaradagem/união masculina subsiste da energia sugada das mulheres.

A lésbica do feminismo lésbico é diferente da homossexual feminina ou desviante sexual feminina ou a lésbica de movimentos assimilacionistas, e também muito diferente do homem gay da libertação gay. Embora a libertação gay tenha reconhecido que a orientação sexual é construída socialmente, em nenhum momento fazia a sugestão de que a homossexualidade poderia surgir de uma escolha voluntária, a ser feita como uma forma de resistência ao sistema político opressivo. A feminista lésbica encara seu lesbianismo como algo que pode ser escolhido, e como resistência política posta à prática. Os homens da libertação gay costumam dizer “eu tenho orgulho”, enquanto que feministas lésbicas dizem “eu escolho”. Isso não implica que a feminista lésbica tenha escolhido seu lesbianismo de forma consciente. Ela pode ter sido lésbica antes de se identificar como feminista. Mas, independente da forma que uma mulher vivencia o seu lesbianismo, ela se rebelou contra a exigência de tornar-se a mulher dependente do homem, a mulher heterossexual. Essa rebelião impõe um grande risco ao patriarcado.

A ênfase na necessidade de algum grau de separação da política, das instituições e da cultura dos homens é uma das características que distingue o feminismo lésbico de outras modalidades de política lésbica. Tal separação é necessária porque o feminismo lésbico, bem como o feminismo radical, se baseia na noção de que as mulheres vivem, como descrito por Mary Daly, num permanente “estado de atrocidade”. O estado de atrocidade é a condição na qual as mulheres têm sobrevivido às violências e torturas ao longo da história da civilização. Essas violências incluem, por exemplo, a violência doméstica que destrói as vidas das mulheres, abusos, estupros, incesto, a indústria do sexo e o tráfico internacional de mulheres. Essa condição na qual as mulheres vivem é criada e defendida por um sistema de idéias representado pelas religiões do mundo, pela psicanálise, pela pornografia, sexologia, ciência, medicina e pelas ciências sociais. Todos esses sistemas de idéias estão fundados no que Monique Wittig denomina o “pensamento hétero”, ou seja, construídos pela heterossexualidade e sua dinâmica de dominação e submissão. Aos olhos de feministas lésbicas radicais, esse pensamento hétero é universalmente difundido nos sistemas de idéias da supremacia masculina.

A criação de espaços para abrigar uma nova visão do mundo é um dos motivos essenciais para o separatismo lésbico. Lésbicas se organizam para formar seus próprios grupos, espaços, expressões artísticas, etc. Frequentemente, estes espaços são abertos para mulheres em geral, não apenas para lésbicas.

O separatismo lésbico pode assumir duas formas diferentes. Algumas lésbicas buscam criar uma cultura, espaço e comunidade lésbica na qual elas podem viver tão distantes do mundo dominado pelos homens quanto possível. Essa forma de separatismo pode apresentar riscos para a sua ética feminista. Ela pode culminar em uma dissociação do mundo, ao ponto de que o contexto no qual certas práticas e idéias surgiram na supremacia masculina é esquecido, e tudo que uma lésbica faz ou pensa recebe apoio. Portanto, as práticas sadomasoquistas criadas por lésbicas ou papéis sexuais butch/femme, por exemplo, podem parecer práticas lésbicas legítimas, ao invés de serem originárias da dominação masculina. Tais práticas podem aparecer em um espaço de mulheres politicamente dissociado do mundo masculino; no entanto, elas inserem essas mulheres de forma muito eficiente no mundo da sexualidade esquerdista e masculina gay, caracterizado pela erotização da dominação e submissão, da desigualdade.

A segunda forma de separatismo é aquela em que as mulheres continuam vivendo no mundo que os homens criaram ao mesmo tempo em que trabalham por modificá-lo a partir de um espaço construído pela amizade e cultura femininas. Nessa forma de separatismo, ou “separatismo tático”, feministas lésbicas podem desenvolver idéias e práticas mantendo em vista a realidade das vidas da maioria das mulheres. Dessa forma, o sadomasoquismo, por exemplo, deve ser avaliado quanto a suas origens na cultura supremacista masculina, suas implicações na vida das mulheres e se é adequado para a sobrevivência coletiva das mesmas. A base do feminismo lésbico sempre foi uma cultura e instituições feministas lésbicas separatistas.

O feminismo lésbico adotou do feminismo radical o conceito de que “o pessoal é político”, o qual aponta que a hierarquia deve ser eliminada da esfera privada se desejamos que a vida pública mude. Dessa forma, feministas lésbicas rejeitam papéis sexuais e qualquer manifestação de desigualdade em relacionamentos lésbicos. Compreendemos que lésbicas que adotam papéis sexuais estão reproduzindo os padrões nocivos da heterossexualidade que constituem obstáculos para a libertação lésbica.

A concepção do futuro pelo feminismo lésbico não consiste em um mundo público de oportunidades oficialmente iguais construído sobre um mundo privado no qual a desigualdade pode ser erotizada e utilizada para a excitação sexual. As esferas pública e privada devem ser parte de um todo comum, moldado para representar uma nova ética.

O feminismo lésbico desenvolveu a noção de que o pessoal é político em uma análise crítica não apenas de alguns aspectos da heterossexualidade, mas da heterossexualidade em si. Nessa análise, a heterossexualidade é vista como uma instituição política e não o resultado da biologia ou da preferência individual. A heterossexualidade deve ser analisada como um sistema político que possui tanta influência e implicações quanto o capitalismo e o sistema de castas. No sistema de castas da heterossexualidade, as mulheres são coagidas a servir aos homens de forma sexual, material e emocional. O seu trabalho é explorado através da sua posição subordinada e justificado pelo amor romântico ou por prerrogativas sociais. O sistema é reforçado pelo que Adrienne Rich chama “invisibilidade lésbica”, violência masculina, pressões familiares, restrições econômicas, o desejo de se adequar e de evitar exclusão e discriminação. Sheila Jeffreys sugeriu que o termo “heterossexual” seja utilizado para denominar práticas sexuais que surgem do poder masculino e da submissão feminina e erotizam diferenças de poder, e que o termo “homossexual” seja utilizado para definir o desejo que erotiza a igualdade.

A criação de uma sexualidade da igualdade em oposição à sexualidade da supremacia masculina, que erotiza a dominância e a subordinação, é crucial dentro do feminismo lésbico. A sexualidade na supremacia masculina é construída por via da opressão de mulheres e possui a função essencial mantê-la. A sexualidade é socialmente construída para homens a partir de sua posição de dominação, e para mulheres a partir de sua posição de subordinação. Dessa forma, a desigualdade erotizada das mulheres é o que constitui a excitação do sexo na supremacia masculina. Consequentemente, a sexualidade masculina comumente assume a forma de agressão, dominação, objetificação, a separação do ato sexual e emoção e o foco do sexo inteiramente direcionado ao intercurso e à penetração do pênis no corpo da mulher.

A sexualidade feminina assume a forma de prazer na sua posição subordinada, e a erotização da dominação do homem. Esse sistema não se demonstra eficiente. Por este motivo, uma legião de sexólogos e colunistas de dicas sexuais buscam incentivar, treinar e chantagear mulheres para que tenham orgasmos, ou ao menos entusiasmo sexual, no intercurso com homens. Feministas lésbicas identificaram o fracasso das mulheres em obter esse prazer (menos de 30% das mulheres heterossexuais relatam ter orgasmos freqüentes durante o coito) como resistência política, o que pode ser interpretado por “autoridades do sexo” como uma “ameaça à civilização”.

A construção da sexualidade ao redor da erotização da subordinação das mulheres e da dominação dos homens é problemática por outras razões, visto que ela sustenta a violência sexual masculina em suas diversas formas e cria a prerrogativa sexual dos homens de utilizar as mulheres, que se dissociam para sobreviver, na indústria do sexo, da prostituição e da pornografia. Por isso, feministas lésbicas e radicais compreendem que a sexualidade deve mudar. A sexualidade que torna excitante a opressão das mulheres é radicalmente contrária a qualquer movimento de mulheres em busca de libertação. Somente uma sexualidade igualitária é condizente com a ética feminista e a liberdade das mulheres.

 

esse texto apresenta alguns problemas mas ainda é muito bom. Teria crítica com a idéia de que dissociar-se do mundo estaria mal, e com a visão simplista sobre as identidades butch como jogar com papéis. E também com falar muito em ‘mulheres’, (fazendo parecer que todo lesbianismo é feminista e que não existe um lesbianismo lésbico-identificado ao invés de mulher-identificado) e nos riscos do lesbianismo político colonizar lesbianidade e ser heterocentrado, além de que muitas vezes é uma maneira de encobrir privilégio e lesbofobia e ser roubo identitário desrespeituoso e invisibilizante (quando a galera entende que ser lésbica é ‘amar as mulheres’ e preservar um companheiro homem).

Também acho problemático falar em um mundo ‘público’, quando essa coisa da res publica surge justamente nas sociedades falocráticas, a polis, a política, acho que devem ser destruídas, a tal ‘transformação social’ ou o mundo público acho que são ininteligíveis ao espaço lésbico. O separatismo não se propôe a fazer política, embora possa inspirar organizações e coletivas lésbicas que busquem a ‘mudança social’. O mundo público e o privado como sua dialética é um constructo masculino.

Mas em geral está bom o texto em muitos aspectos introdutórios a coisas básicas da construção dos feminismos lesbianos.

 
 

hembrista, você tem textos sobre lésbicas, teorias, pirações, deleites, em português?

 
   

oi queri, acabei de atualizar uma lista, vê se encontra alguma coisa we.riseup.net/radfem/onde-baixar-femini...
mas não tem muita coisa de lesbianismo ali

acho que na nova grupa podiamos começar a reunir tudo isso we.riseup.net/lezbicas