Fui nominalmente citada nesta lista, apesar de meu nome ter sido escrito errado. Sou citada como TicianE Labate, uma feminista que “muda de nome na internet o tempo todo” (gostaria que isso fosse explicado), que era associada ao falecido blog “Não Sou Cis” e que possuo atitudes transfóbicas.
Esta nota de repúdio vem no sentido de apontar duas coisas: primeiramente, um repúdio particularmente a meu nome ser citado na lista (bem como de outras companheiras) e, em segundo lugar, uma explicação sobre meus posicionamentos no intuito de desfazer confusões plantadas.
Primeiramente, sou caluniada por Hailey Kaas pois NUNCA TIVE QUALQUER TIPO DE ASSOCIAÇÃO COM O (AGORA EXTINTO) BLOG “NÃO SOU CIS”, inclusive discordando em vários pontos do referido blog. Fui associada literalmente no meio de pessoas com as quais não tenho nem tive qualquer militância conjunta. Repudio a atitude de Hailey Kaas, que me soa utilizar um argumento de autoridade ao não apresentar provas e requisitar que “Acredite quem quiser, aceite quem quiser” (suas palavras). Participo de grupos feministas de atuação presencial e nunca na minha vida achei que este tipo de atitude pudesse ser levada a sério (acusação a um indivíduo sem fornecer qualquer tipo de prova, pois “acredite quem quiser”). Tenho a ideia de que a lista está num site ASK, no entanto esta teve ampla divulgação (e Hailey Kaas inclusive atesta ser esta uma lista de denúncia), e gostaria de dizer que fui caluniada ao ser vinculada a um grupo com o qual, repito, nunca tive qualquer tipo de filiação política. Gostaria que Hailey Kaas fornecesse provas de minha associação com tal blog, pois nunca escrevi uma publicação lá ou sequer manifestei apoio aos posicionamentos dele.
De maneira ainda mais grave, sou incluída numa lista de “feministas transfóbicas”, sem que seja apontado qualquer tipo de argumentação que já tive. Primeiro, acredito que a discordância é política e não concordo com o método de agressão, nem mesmo de individualizar as discussões com pessoas identificadas como trans, porque acredito que este não é o objetivo e escapa ao ponto. Nesse sentido, gostaria de desfazer confusões sobre meus posicionamentos. Minhas críticas à teoria trans são:
(1) À ideia de “identidade de gênero”: pois acredito que gênero não é uma identidade ou uma performance, mas sim um sistema ideológico que sustenta a dominação masculina sobre as mulheres – sou contra a ideia de “identificação particular com um gênero” pois isto é ideológico ou, melhor, pressupõe que um sistema ideológico não passa de mera identificação individual;
(2) à noção de que “mulher” é uma categoria que pode ser “apropriada” por qualquer indivíduo (identificação particular com o gênero feminino não significa ser uma mulher, pois afinal, é o gênero feminino que define o que é ser uma mulher? O que é “sentir-se como mulher”? “Mulher” não é um sentimento, é uma alocação em sociedade, é a socialização de um grupo. Mulher como identidade é essencialista. O que é se apropriar de uma palavra referente a um grupo que possui especificidades de classe no tocante à sua posição em sociedade?) Repudio a acusação ilógica de “biologicismo” quando falamos sobre classe sexual e sexo biológico, afinal, em um sistema ideológico, características físicas de grupos são utilizadas para manutenção da dominação, sendo tal justificada com base na “natureza” – ou seja, “mulheres são naturalmente inferiores porque tem vagina”. As características biológicas de mulheres não são desimportantes de serem evidenciadas pois tais são utilizadas para socializar as mulheres numa sociedade, através da imposição do gênero feminino, algo que não é, por sua vez, um simples atributo “fashion” (o gênero não é um simples sistema individual de tomar atributos estéticos/corporais como saia, batom, salto alto, etc. pois o que o compõe necessariamente é definir a situação das mulheres em sociedade (no cumprimento do gênero feminino, no caso) – o “cumprimento de gênero” é algo expandido que se refere à mulheres desempenhando piores profissões, trabalho doméstico não pago, exposição à violência e assédio sexual, cumprimento heterossexual obrigatório, etc., e isto está em nítida relação a como a capacidade sexual, laboral e reprodutiva das mulheres é explorada tomando-se como base seu sexo biológico);
(3) à apropriação do discurso da inclusão ou diferença para invalidar o ponto da sororidade ou de que mulheres são uma classe sexual, argumentando que isso seria ao mesmo tempo negar as diferenças entre mulheres (o conceito de classe não é para sugerir que todos nela estejam em situação absolutamente idêntica, como bem sabemos que “classe trabalhadora” não é para sugerir que homens e mulheres trabalhadores estejam na mesma situação, por exemplo). O conceito de classe sexual possui uma utilidade política para nós mulheres. Vejo como uma atitude extremamente misógina se apropriar erroneamente da teoria da interseccionalidade e utilizá-la para intimidar mulheres em suas concepções de sororidade e apoio mútuo (porque afinal, temos que ser sempre mães abnegadas, não-egoístas, etc.), ao mesmo tempo que distorcendo o significado das opressões e fazendo uso do racismo como um token na discussão para intimidar feministas sobre a discussão da questão trans (argumenta-se que achamos que mulheres não podem oprimir e que, portanto, somos racistas e transfóbicas). O caso é que mulheres podem oprimir não porque são mulheres, mas por outras características que possuam, como por exemplo ser branca: mulheres brancas possuem poder para oprimir mulheres negras porque o racismo (supremacia branca nesta sociedade) configura o grupo branco como aquele que possui poder para oprimir e explorar; no caso de mulheres “cis”, o cumprimento do papel de gênero feminino não configura mulheres como um grupo detendo poder político, histórico, econômico nem ideológico sobre pessoas trans, ao contrário, o cumprimento do gênero, para mulheres, tem ido de encontro à sua completa dominação. Assim, pergunto: como algo que nos mantêm como dominadas pode ao mesmo tempo nos dar tamanho poder em sociedade? Isto é falta de uma análise materialista;
(4) à ideia de “privilégio cis” (o termo “cis” infere IDENTIFICAÇÃO com gênero, e isto é uma análise equivocada porque a questão não é sobre identificação particular ou mesmo consciente com um “gênero”, pois nem sequer analisa um sistema ideológico de imposição que ultrapassa o que superficialmente vemos como agência), pois que o cumprimento do gênero feminino – significando ele o cumprimento daquilo que é considerado inferior em sociedade, dado que feminino constitui as características mais desprezíveis, como “passivo”, “abnegado”, “fraco” – nunca poderá sequer constituir um PRIVILÉGIO para mulheres pois que é uma imposição forçada pela inferioridade, e não há respaldo de onde buscar tal privilégio sem que este seja econômico/político/ideológico/etc., pois o privilégio não é um atributo individual.
É neste intuito que venho manifestar meu repúdio a esta lista, primeiramente por suas acusações infundadas sobre mim (esta é a primeira vez que TENHO CONHECIMENTO de ser citada nominalmente como transfóbica por Hailey Kaas, portanto algo que requeriria provas, inclusive sobre minha participação no citado blog) e segundo pela extrema irresponsabilidade em elaborar listas (esta e outras) com base em argumentos de autoridade para legitimar seu ponto, ameaçando mulheres de, caso não concordarem, serem transfóbicas. Como lésbica, nunca instrumentalizaria a lesbofobia como acusação para validar um ponto de vista que tenho contra a opinião de outras pessoas pois sei que apontar opressão é diferente de utilizar seu nome como ameaça à opinião de outras pessoas simplesmente porque discordaram de mim. E assim também considero errado fazer com a transfobia. Me soa totalmente infundado julgar meus posicionamentos como transfóbicos pois tenho discordâncias essencialmente teóricas. Meu problema não está em denunciar, mas em utilizar acusação de transfobia para validar seu ponto de discordância comigo sem nem mesmo apresentar qualquer fundamento para tal acusação. Discordar da ideia de “identidade de gênero” porque acredito que seja essencialista e individualista não configura transfobia. Meus argumentos em críticas a teoria trans nunca passaram desse geral que escrevi, nunca eu atacando ou xingando em discussões pessoas identificadas como trans, nunca na minha vida apoiei posicionamentos de discurso de ódio ou ameaça aos direitos de pessoas trans, seja no discurso seja legalmente, nunca fui atrás de expor nomes de pessoas trans ou falar de suas vidas pessoais, nunca me uni a qualquer grupo que quisesse restringir direitos de pessoas trans. Hailey Kaas me cita como transfóbica numa lista, mas nem sabe corretamente meu nome ou filiação política que possuo. Se eu fosse uma militante transfóbica ativa, acredito que ela saberia mais sobre mim ou, ainda, que eu tivesse passado meus últimos meses pelo menos falando sobre questão trans (algo que não fiz porque não é nem de longe meu foco, porque não tenho tempo e essas discussões costumam ficar restritas à internet).
Como repúdio final, gostaria de explicações sobre o seguinte trecho escrito por Hailey Kaas: “E OLHA que só estou falando de transfobia, se fosse adicionar racismo, gordofobia, capacitismo e classismo a lista era gigante (e muitas dessas daí fizeram “combos” com outros preconceitos).” Para mim, “muitas dessas daí” é um termo muito genérico para um grupo (que não tenho qualquer relação política, diga-se de passagem) no qual sou indevidamente incluída. Não quero ser “genericamente” denunciada sem provas, ainda sendo vinculada à promoção de outras formas de preconceito. Gostaria muito que Hailey Kaas se explicasse sobre isso.
Algumas mulheres da lista não tenho qualquer contato, mas outras companheiras eu conheço, e venho em defesa delas também. Não pude ficar sem escrever a nota pois fui citada nominalmente, bem como companheiras que sei que não possuem atitudes transfóbicas. Nenhuma agressão ficará sem resposta.
essa resposta foi mt boa |
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