A inspiração para a pornografia gay masculina: o trabalho de Tom of Finland
19 de dezembro de 2014 às 19:47
(Traduzido e adaptado livremente por Lucas Vosch, do capítulo 4 do livro “Unpacking Queer Politics”, da Sheila Jeffreys)
A INSPIRAÇÃO PARA A PORNOGRAFIA GAY MASCULINA: O TRABALHO DE TOM OF FINLAND
O trabalho de Tom of Finland é tratado por muitas personalidades gays como a verdadeira bíblia das crenças de homens gays sobre sua sexualidade e identidade. Como afirma o seu biógrafo artístico, Micha Ramakers, ele se tornou “o mais reconhecido e amplamente apreciado produtor de material erótico gay da segunda metade do século XX. Ele ofereceu prazer imensurável a gerações de homens gays e, além disso, algo que parecia inalcançável para muitos deles: ferramentas para uma identidade afirmativa” (Ramakers 2000: p. Ix). Ramakers argumenta que artistas gays lendários como Andy Warhol, David Hockney e Robert Mapplethorpe “não escondiam sua admiração por ele, e o último colecionava e promovia o trabalho do pornógrafo finlandês” (p. x). “Para muitos homens gays”, ele diz, “o trabalho de Tom of Finland empenhou um papel importante na criação de uma identidade” (p. xi).
Tom of Finland começou sua carreira como um artista gráfico na Finlândia. Nos anos 1950 o seu trabalho, mostrando homens com musculatura exagerada, era publicado nas revistas de fisiculturismo americanas que serviam como pornografia gay naquele período. Já nessa época, seus desenhos eram caricaturas em que homens com peitorais extremamente musculosos, e quadris tão finos que era impressionante que eles ainda conseguissem ficar de pé, também eram possuidores de pênis tão grossos quanto seus antebraços e tão longos quanto suas coxas. Nos anos 1960, ele começava a se especializar em pornografia sadomasoquista. Os sádicos em seus desenhos eram visivelmente soldados nazistas; contudo, explica Ramakers, ele foi persuadido a omitir os símbolos nazistas, devido à revolta na comunidade gay contra esse evidente cultuamento ao fascismo. Nos anos 1970, os personagens em sua pornografia SM tendiam a usar uniformes de couro e boinas pretos, que eram uniformes nazistas estilizados. Suásticas eram incomuns, apesar de que elas, junto com águias e insígnias da SS, ainda apareciam (pp. 126, 164). Masculinidade é a característica distintiva de seus personagens. Eles também usam outros uniformes de “homens de verdade” de acordo com a cultura gay americana: guardas de prisão, cowboys, motoqueiros, trabalhadores de construção civil – todos os tipos de vestimenta do Village People. Os rostos dos personagens são indistinguíveis. Ramakers aponta que todos eles parecem exatamente idênticos em seus traços faciais. O que importa neles não é quem eles são, e sim o tamanho do pênis que eles portam. Ramakers descreve o conteúdo dos desenhos de Tom da seguinte forma:
“As suas representações de atos sexuais pertencem a uma tradição masculina que enfatiza genitais, seus tamanhos, e sexo grosseiro. Os atos sexuais mais comuns em seu trabalho são cus sendo fodidos, paus sendo chupados, e estímulos aos peitorais. Simultaneamente, cenas sadomasoquistas e demonstrações de submissão e dominação ocupam lugares proeminentes ao longo do corpo de seu trabalho. Parece razoável, portanto, definir essa visão de mundo como hipermasculina.” (p. 106)
Apesar dos homens que são grosseiramente penetrados por um ou dois pênis enormes, ou chicoteados, aparecerem sorrindo, para que a agressão possa ser dita como consensual, em algumas figuras eles estão obviamente com dor.
O trabalho de Tom of Finland passou a ser visto como vital para a liberação de homens gays quando o “butch shift” NDT: algo como “deslocação para a macheza” se deu no final dos anos 1970. Anteriormente à liberação gay, a homossexualidade masculina era entendida como restrita a maricas, bichas ou baitolas, homens que adotavam maneirismos femininos e eram homens fracassados. Seus objetos sexuais não se encontravam entre eles próprios. Masculinidade, não feminilidade, era erótica, e o que era desejável era a dureza de homens “de verdade”, não a masculinidade debilitada de viados. Portanto, as bichas desejavam e faziam sexo com aqueles que eram vistos como heterossexuais e machões, ainda que eles evidentemente não fossem heteros (caso contrário, eles dificilmente estariam fazendo sexo com homens gays). A escolha de homens supostamente heterossexuais era uma expressão de autoaversão (ou auto-ódio). Para homens ensinados a se desprezarem por não viverem de acordo com a masculinidade, a homossexualidade não tinha valor algum; apenas a heterossexualidade e a masculinidade verdadeira contavam.
Após a liberação gay, os homens que adotaram a identidade “gay” começaram a procurar por objetos sexuais entre eles próprios. Uma nova comunidade gay disponível oferecia parceiros em potencial. O único problema é que esses parceiros podiam não representar a adorada masculinidade. Dessa forma, houve um deslocamento cultural em que homens gays adotaram modelos masculinos heterossexuais e durões. Assim, eles poderiam se excitar uns com os outros; também, dessa forma, eles podiam sentir uma nova auto-confiança derivada da emulação da classe sexual dominante dos homens, em vez de serem rebaixados à classe das mulheres. Esse deslocamento certamente teve seus críticos. Para muitos ativistas da liberação gay, isso simbolizou a destruição do ideal da liberação gay que, como no feminismo, havia sido a destruição da hierarquia de gênero, não sua celebração (Levine 1998). Tom of Finland foi o perfeito ícone para aqueles que participaram do deslocamento para a masculinidade. Ramakers nota que, ao fim dos anos 1970 e nos anos 1980, jovens gays “rejeitaram a ideia de que homens gays seriam menos masculinos do que seus equivalentes heteros… o trabalho de Tom of Finland foi percebido como emancipatório, por ser totalmente dedicado a um mundo de superhomens” (Ramakers 2000: 11). O deslocamento mais significativo nas identidades gays pós-guerra no Ocidente foi, sem dúvida, esta grande migração na direção da masculinidade.
“Em um mundo dominado pela homofobia, ele segurou um “espelho” para homens gays em que eles podiam se ver como não eram: como homens verdadeiros, vivendo na Tomlândia, onde desejos e atos gays não eram considerados uma perversão triste, e sim a norma. Em última instância, Tom of Finland produziu propaganda – hiperrealismo homofílico? – para uma utopia controlada por uma irmandade lasciva de Überbichas.” (p. 38)
O dono de uma galeria de arte citado no livro de Ramakers estima que “sessenta por cento dos homens gays constroem suas fantasias partindo do tipo de cenas que ele cria” (p. 12). Outro crítico afirmou, em resposta a uma exibição de seus desenhos em 1986, “Um extraordinário desenhista pornográfico chamado Tom of Finland produz uma série de desenhos apresentando sadomasoquismo e estupro homossexuais como diversão saudável e tres, tres macho” (p. 13). O publicador alemão de seu trabalho, Benedikt Taschen, expressou sua importância dizendo que ele “dava a gays uma imagem positiva pela primeira vez” (p. 23). Em 1998, os desenhos de Tom já eram adquiridos para integrarem coleções permanentes de quatro museus na Finlândia e nos EUA.
A popularidade de Tom mostrou a dimensão na qual os homens que adotavam uma identidade homossexual sentiam que haviam sofrido, ao terem sido mantidos fora do palácio da masculinidade por virtude de sua atração por homens. Seu trabalho ofereceu a eles o sonho de que eles podiam ser tanto homens de verdade quanto gays. Eles poderiam parecer machos, mesmo enquanto eram penetrados. Não havia maricas nos desenhos de Tom. Como o próprio disse, “Eu comecei desenhando fantasias de homens gays felizes e livres. Logo comecei a exagerar suas características masculinas de propósito, para apontar que todos os gays não precisam necessariamente ser apenas ‘essas malditas bichas’, que eles podiam ser tão belos, fortes, e masculinos quanto qualquer outro homem” (p. 65).
A pura e exuberante sensação de direito masculino sobre todas as coisas é particularmente clara em um dos desenhos, em que um homem está fodendo um globo. Ramakers descreve a imagem da seguinte forma: “O mundo de Tom revolve em torno do falo, uma afirmação que pode ser vista literalmente, como é evidente em um desenho de 1975 de um homem flutuando livremente no cosmos… Ele está segurando a Terra em seus braços, e seu pênis penetrou o globo. Fodendo o mundo” (p. 99). Tom of Finland pode ser visto como alguém que devolve aos homens gays o poder e a dominação masculinos que foram negados a eles previamente. Infelizmente, o poder do pênis, e a dominação masculina num geral, só podem ser obtidos à custa das mulheres. Sem a subordinação das mulheres, os pênis podem ser apenas partes anatômicas. O culto fálico que a pornografia gay oferece a homens gays está em contradição com a liberação das mulheres, pois a liberação das mulheres removeria toda a diversão masculina.