Sobre feminismo decolonial

 

Olá manas,

Estou há algum tempo lendo feministas radicais decoloniais maravilhosas como Yuderkys Espinosa, Ochy Curiel, Maria Lugones, Julieta Paredes (do feminismo comunitário) entre outras. Também tenho lido a teoria critica da colonialidade de Quijano, Grossfoeguel, etc. Desde que comecei os estudos nessa área me parece que qualquer teoria e/ou prática anticapitalista, radical e feminista está incompleta sem a crítica dos efeitos do colonialismo na geografia de poder e na divisão internacional do trabalho no mundo capitalista atual e sem as críticas que tantas feministas decoloniais vem fazendo a opressão de gênero dentro do sistema colonial e capitalista e ao eurocentrismo que permeia todos os aspectos da nossa vida, incluindo lamentavelmente, também a luta feminista. Eu venho fazendo algumas traduções e pequenos resumos, oficinas e reflexões sobre feminismo radical decolonial e gostaria de saber o que vocês pensam a respeito, o que tem lido e&ou refletido, e se mais alguém tem interesse em ler, se aprofundar mais e trocar ideias.

 
 

interessante. eu acho que algumas são bastante pós-modernas como a yuderkys, não sei se sou tão fã, até por saber os caminhos que tomou o tal ‘feminismo autonomo’ delas, que na verdade se institucionalizou bastante a ponto da Julieta Paredes falar em despatriarcalização do Estado e apoiar o governo Evo Morales, o mesmo que massacrou os povos indígenas. Eu não sei em que marco elas se encontram, embora se digam radicais eu acho elas meio ambíguas algumas vezes. Sem contar que bastante academicistas… embora no caso da Ochy haja uma idéia de ocupar a academia pra dar voz a radicalidade, respeito tal coragem e de repente é algo pra pensarmos se a gente não acaba sendo marginal demais no fim.

eu não gosto num geral dos estudos pós-coloniais porque vi eles dentro da empreitada generista academicista de desbancar o feminsimo radical dos 70. Uma coisa são as produções de teoricas negras e chicanas, imigrantes, mexicanas, latinas, para contestar a hegemonia do feminismo branco, nos anos 70 e 80, e como essas vozes nos auxiliaram e contribuíram em compreender a pluralidade no feminismo e as diferenças entre mulheres, a idéia de lutar simultaneamente todos sistemas de opressão como racismo, capitalismo, imperialismo. Eu considero que estas produções se encontram dentro do que considero feminismo radical, pois entendo que radicalismo foi todo o continumm de manifestações de mulheres ativistas e escritoras pensando formas de lutar o patriarcado e suas multiplas opressões no período da segunda onda feminista.

eu vi os estudos pós-coloniasi entrarem dentro da onda pós-moderna de desbancar o ‘sujeito do feminismo’, se juntou com o queer, o trans, o sexo-positivismo, pra dizer que mulheres não eram o centro do feminismo. Que não existe tal coisa como ‘mulher’. QUe essa categoria era generalista e homogeinizante….

Acredito que o termo intereseccionalidade ( A Ochy Curiel disse que ia escrever algo pra desbancar esse conceito ultima vez que a vi no Fazendo Genero) é como gênero, coisas criadas na academia para focar analise politica em comportamentos individuais, acho que os estudos pos coloniais se apropriou de todas essas reflexões das mulheres negras e latinas chicanas etc principalmente sobre privilégios, pra montar essa tendência que a gente vê, que eu chamo de política de identidade, que eu vejo que minou e colonizou até mesmo o proprio feminismo radical enquanto fenômeno que viralizou no facebook a custas de perder seu rigor teorico, ou até mesmo ser colonizado por patriarcado como se vê neste exemplo.

Mas o que você pontuou é importante, análises que tomem em conta o atravessamento de genero por capitalismo, imperialismo, racismo, mas desde que sejam feitas de forma materialista, porque quando feitas de forma idealista vira política de identidades e 3o ondismo… como se rever os privilégios e expor print de ativista que tenha dito algo considerado equivocado pra ela ser linchada e assim limpar o movimento de classismo, racismo, etc, vai poder construir uma luta contra o Capital ou neoliberalismo e globalização, com seus efeitos nas mulheres precarizadas que sequer entenderiam essa conversa toda que o pessoal vem tendo. É na política de identidades que eu vejo a pós-modernização dos conceitos de opressões estruturais levando a uma política individualista.

 
 

Oi, revoltaAlesbika. Obrigada pela discussão. Eu achei interessante que você considera a Yuderkis pos-moderna. Eu , até agora, havia interpretado a Yuderkys como uma crítica do pos modernismo e da teoria queer. Na minha visao, ela dá a entender isso em várias passagens mesmo que o discurso dela não seja tão claro nesse ponto. Ela analisa o trabalho da Butler e vê sim alguns pontos interessantes no gender trouble como exatamente a questao da universdalidade dos conceitos “mulher” e “patriarcado” e o conceito de “performance” em sua raíz. Quanto ao conceito de performance, yuderkis parece dizer que o conceito é interessante no ponto de vista de analisar como que a socializacao funciona mas que o conceito foi mal interpretado e mal desenvolvido ao criar a ideia de que se pode performar conscientemente qualquer coisa e alterar performances no dia a dia. A propria Butler fala em uma entrevista que seu conceito de performance foi mal interpretado. Mas eu achei que ela criticasse esse apagamento e dissolucao da categoria mulher como o sujeito politico do feminismo. Bom, isso foi o que eu entendi… Inclusive tem uma passagem no escritos de una lesbiana oscura que a Yuderkis participa de uma oficina de drag e depois ela reflete e critica bastante a ideia de que essa pode ser uma ferramente politica plausivel. A Ory Curiel escreve em uma passagem que a performatividade nao ataca o genero mas sim o reforça.

O manifesto do feminismo autonomo feminista me soou muito materialista:

""En nuestros cuerpos habitan múltiples identidades –trabajadoras, indígenas, afrodescendientes, mestizas, lesbianas, pobres, pobladoras, inmigrantes…– Todas nos contienen, todas nos oprimen. Lo que nos aglutina no es una identidad, sino un cuerpo político, una memoria de agravios. La subordinación común ha sido marcada en nuestros cuerpos, esa marca imborrable nos constriñe a un lugar específico de la vida social.

No somos mujeres por elección, mujer es el nombre de un cuerpo ultrajado, forjado bajo el fuego. Mujer es el lugar específico al que nos ha condenado el patriarcado y todos los otros sistemas de opresión. Nuestra política feminista no es, entonces, reinvindicativa, ni de reconocimiento. Trabajamos cotidianamente para enfrentar las cadenas internas y externas que nos mantienen en aquellos lugares dispuestos para nosotras por el entramado de poder.

Estamos en el proceso de sanarnos de todo el patriarcado y las razones binarias, esencialistas y hegemónicas que llevamos dentro. Partimos de nuestros cuerpos que son nuestros territorios políticos para implicarnos en procesos de descolonización y advertimos que la colonización no sólo tiene que ver con la presencia del invasor en las tierras del Abya Yala, si no con la internalización del amo y sus lógicas de comprensión del mundo."

O texto da Julieta Paedes “en las trampasd do patriarcado” é tb bem materialista no meu ponto de vista.

Na minha leitura o fem decolonial teve e tem como ponto básico criticar sim a ideia de que “mulher” nao é um conceito universal mas nao abrindo a leitura para identidades e politicas identitárias mas sim questionando como o sistema capitalista colonial através da colonização implantou a ideia de mulher e o patriarcado europeu-cristao. Isso nao significa que muitas senao quase todas as culturas colonizadas nao eram patriarcais mas sim que diferentes modelos de patriarcado existiam e portanto diferentes ideiasfeitas por homens sobre o que eram as mulheres e diferentes opressoes por genero. O que a colonizacao faz é tentar implantar as ideias europeias, a cosmologia europeia, a religiao europeia e modo de economia e politica europeia. Portanto, o modelo de patriarcado e as ideias do que é mulher e os papeis de genero foram re-configuradas durante a colonizacao para serem aquelas da cosmologia européia. A Maria Lugones explica isso muito bem nos trabalhos dela. Mas a colonizacao nao via mulheres colonizadoras e mulheres colonizadas da mesma forma. Daí ser necessario um feminismo que veja as diferencas entre mulheres e que faça uso de alguma ferramenta de análise interseccional ou multiplural como a Curiel diz.

O feminismo decolonial usa essa critica à categoria de mulher para criticar como que por causa da colonizacao e do racismo do sist capitalista algumas mulheres sao tratadas diferentemente de outras. Algumas mulheres sao oprimidas de forma distintas de outras. E que portanto a universalidade do conceito de mulher é falsa mas a base da crítica é ainda materialista. Elas nao falam bem de identidade e muitas criticam diretamente politicas identitárias. O fem decolonial também critica o eurocentrismo e brancocentrismo do feminismo (que eu chamaria de neoliberal) que so lê autoras americanas/europeias e baseia a historia do feminismo em si dentro da historia europeia e da cosmologia europeia.

Bom, é o que venho pensando e lendo até então. :)

 
 

mt bom! brigada pelos trechos, não sabia que elas consideravam essas críticas, talvez estes textos sejam mais antigos. vc já deu uma olhada no site do glefas? a Yuderkis reivindica o termo queer, e vi ela pessoalmente em encontros defendendo ardentemente a inclusão de trans por exemplo e dizendo que tinha abandonado esses posicionamentos.
tudo que tinha visto da Yuderkys eu tinha achado bastante pós-moderno, dentre todas feministas latinoamericanas… talvez não pós-moderno de repente mas idealista talvez? Emfim, eu achei que ela fazia uma salada de conceitos sabe? mas faz tempo que não leio nada delas. nunca me chamou super a atenção, eu lembro da brisa pós-identitária da onda queer de uns anos atrás…

dá uma olhada nas bibliotecas… os textos de lesbianismo (eu nao consegui abrir assim q to falando do q lembro) estão dentro da categoria de ‘dissidências sexuais’…
glefas.org/

 
 

da ochy pretendo ler A Naçao Heterossexual

 
 

Eu olhei a página do face da Yuderkis e notei umas influências mais queer mesmo. Então ela deve ter mudado… Uma pena. Ou eu não entendi ela. rs. Mas eu continuo a olhar a crítica decolonial com um olhar radical porque acho que ela tem muito a somar e tem tudo para ser um complemento. Já venho pensando e lendo nessa linha. Ainda não li esse da Ochy mas quero ler sim!

 
 

Quando vi esse tópico sobre Feminismo Decolonial fui logo lê, pois o que me parece ser o feminismo mais teorizado na academia, além do femninismo insterseccional. Confesso que a linguagem não é nada inclusiva e nada atraente, usa muitos conceitos que dificulta a compressão, exigindo de você uma carga de leitura/diálogo desses conceitos e de escritos acadêmicos. Mas ao mesmo tempo gosto da potência que se tem na palavra decolonial, ela em si já provoca turbilhões de reflexões do lugar de fala, de qual lugar você parte, isso pra mim é importante, como mulher negra e pobre. Tempos desses estou refletindo com a bruxa Luz Anarquia, sobre qual seria a importância da gente se apropria das teorias das feministas negras, indígenas, periféricas, para construir nossa reflexão AnarkaFeminista negra, indígena e periférica…mas sempre rola aquela coisa de incoerência, ou seja, de se aproximar de parte de uma reflexão que até então soma para as ideias anarkafem, mas o objetivo daquela reflexão é melhorar o estado, é reivindicar políticas públicas, é valorizar divindades…Não sei se me fiz entender…mas tô bastante inquieta com essa questão.

 
 

Oi Potira. Nossa você falou tudo. Essa questão da linguagem no feminismo decolonial atrapalha. Confesso que enfrento bastante dificuldade pra ler, principalmente os textos em espanhol porque mesmo que seja parecido com português não é minha lingua materna. Realmente soa um tanto paradoxal que uma teoria a principio questionadora do status colonialista eurocentrico do mundo vá escrever em uma linguagem tão academicista. Dá pra entender que, a critica colonial tendo surgido historicamente como uma critica coesa dentro das universidades e cursos de historia, sociologia e literatura, as autoras ligadas a ela escreverão de uma forma acadêmica; mas a como a propria teoria clama, se a ideia é dar voz aos sulbalternos (Como o texto da Spivak se intitula: can the sublatern speak) a linguagem tem que ser de acessoa aos subalternos, ora.

Quanto a esse ponto seu de como juntar a reflexão à uma crítica anarkafem quando o objetivo é reformista, acho um pontoimportantíssimo. Eu pessoalmente separo as coisas em crítica e prática. Existe uma crítica e existe a prática que diferentes grupos desenvolvem para tal. Nem sempre a prática existente para uma crítica é a única possível. Acho que radicais desenvolvem suas próprias práticas dentro de teoiras fortes. Por exemplo, marxismo e comunismo. A teoria é sim a base pra muita teoria anarquista mas a prática que anarquistas e comunistas usam é bem diferente. Radicais usam o conceito de interseccionalidade bem diferente de liberais. Radicais praticam veganismo de uma forma muito distinta do veganismo mainstream. Radicais dão outra prática para o feminismo. A meu ver o mesmo pode ser feito com crítica decolonial: desenvolver uma prática radical a ela entre mulheres negras, indígenas e periféricas.

 
 

Talvez seja interessante olhar por esse ângulo…entre a teoria (crítica) e a prática, até mesmo porque a prática ela é mais dinâmica e viva do que a própria teoria, a não ser que a teoria esteja em constante movimento, o próprio movimento que emerge/sai da experiência. Mas muitas vezes temos só contato com a teoria ou só contato com a prática, sendo que só ter contato com a prática + reflexão dessa prática não vejo problema, não vejo lacuna, já o inverso sim…só teoria nos distância do corre da vida. Já o ponto que coloco, sobre “de como juntar a reflexão à uma crítica anarkafem quando o objetivo é reformista”, também vejo que uma saída é colocar todos os pingos nos “ís”, ou seja, pontuando que tal reflexão vem de um pesanmento que tem como objetivo a reforma, mas que contribui em alguns pontos a construir uma reflexão anarkafem negra, por exemplo. Mas de qualquer forma tem que ter cautela, como diz a própria Audre Lorde “As ferramentas do senhor nunca vão desmantelar a casa-grande.”…Não podemos perder de vista nosso horizonte político e nem podar nossa criatividade de inventar a partir do lugar que nos encontramos.

 
   

parece interessantes essas reflexões, mas de qualquer modo eu fico com um certo pé atrás….eu acho que os estudos queer se apropriam e distorcem bastante dessas reflexões em torno a lugar de fala, o relativismo cultural (não pode falar de uma cultura etc porque é colonizar), pra montar o projeto pós-moderno de minar o feminismo e instaurar as políticas de identidade. sei lá acho que até falei isso acima, mas é o que me cheira quando vejo a palavra ‘pós’ ante de qualquer coisa, e vi os estragos das políticas de identidade nos entornos políticos recentes… o individualismo liberal…uma guerra de oprimid@s sem uma finalidade revolucionária. Por isso que acho excelente que nossos feminismo se nutram dessas discussões, mas sem perder espírito crítico e ceder à tirania absoluta de alguns tipos de conceitos e suas aplicações (privilégio, trigger, etc).