sobre violência virtual (exposições) contra mulheres dentro do feminismo

Este é um assunto polêmico, no momento de publicar aqui este escrito o que sinto é ‘medo’, e acho que é ‘medo’ o que sente qualquer pessoa que tenha uma posição ou crítica contra isso manifesta ou não (geralmente não-manifesta pelo medo da exposição, do linchamento público, do ‘ser rachada’), num contexto político onde o ‘lugar de fala’ é a lei e não um conceito teórico para ajudar a tomar em conta as construções de cada sujeito em um debate, e o feminismo deixa de se tornar exercício pensante, experimental, dialogante, pra se tornar uma religião moral. Onde a discordância teórica e o debate são criminais, e as políticas de identidade comprometeram um ambiente democrático junto à uma ferramenta online que, ao invés de democratizar as vozes e os pensamentos, democratizaram a violência para todas nós que vivemos na condição de objetos de violência, porém não contra os poderosos, numa ilusão de estar tornando este mundo um lugar melhor. Compensações sistêmicas bem pensadas pelos poderosos, ao nos fazer sentir que estamos fazendo Justiça, quando na verdade, não estamos fazendo nada.

Eu defendo que exposição é uma atrocidade. Eu acho que não se justifica utilizar uma invenção masculina – criada a partir dos porn revenges – contra mulheres do movimento, e não acho que constrói qualquer coisa. Desumanizar alguém não ajuda em nada na construção de relações igualitárias ou na problematização de condutas, na verdade só cria um universo de performances falsas de hipocrisia moral. As pessoas não apoiam uma exposição porque genuinamente são contra o racismo por exemplo, mas o fazem para garantir uma imagem de pureza moral para as demais. È um universo falso, não ajuda a pautar a questão realmente, nem realizar um trabalho profundo. É somente performance de desconstrução pra quem participa. Que ganho há nisso?

Eu acho que exposição foi uma arma que foi usada inclusive inauguralmente de forma política, pelo hackativismo, pelos Anonymous (vejam o documentário We are a Legion, tem no netflix). Eles expunham poderosos, além de sabotar servidor de homens realmente racistas convictos, nacionalistas, que mantinham programas de rádio, donos de seitas. Creio que há casos sim em que sabotar uma pessoa responsável por um discurso de ódio, por páginas, neonazistas, que possuem um discurso intencional de ideologia racista, sexista, xenofobica, etc, é necessário. Porém destruir psicologicamente uma pessoa que comete um ato falho no movimento, vejo desproporcional, pelas devastação psicológica que isso gera, eu apostaria muito mais no exercício do debate e da resolução de conflitos, uma necessidade urgente para sanar o ambiente feminista que se tornou inabitável pela hostilidade virtual que, pelo que parece, se tornou a única praxis política do cyberativismo.

Não acho que mulheres negras tenham que educar brancas, nem que é ok deixar uma fala problemática sem questionamento, sem chamada de atenção, sem reprovação e sem protesto. O ponto é que devastação de pessoas não acredito que ajuda a construir nada e agora se vê de formas questionáveis e generalizada, sem parâmetros. É necessário ver caso a caso antes de tomar como verdade um rumor destrutivo sobre alguém, saber o que ocorreu, muitas vezes encontramos divergências teóricas ou pessoais levadas a um nível de troca de calúnias destrutivas. É necessário?

As políticas de identidade acabaram criando uma questão de distrair ativistas com uma constante obsessão pela vigilância dos comportamentos de outros ativistas. Feministas se tornaram polícias morais, muitas vezes ostentando um orgulho parecido com o do policial facista que cria uma auto-estima a partir de sentir que seu exercício de violência o torna moralmente superior e iluminado. E aí vemos que a exposição muitas vezes tem haver com um Ego/Auto-estima a partir da punição de um bode expiatório para que eu me sinta a Pura, contra a feminista maligna, falhante como tal, monstrificada e que fica com um autoconceito de ser um poço de malignidade para sempre. É um consenso para psicólogos que trabalham com medidas socioeducativas por exemplo (eu trabalhei um tempo) que se você utiliza uma identidade como a de ‘bandido’, ‘traficante’, ‘delinquente’, ‘criminoso’ contra adolescentes que se encontram em conflito com a lei, isso apenas reforça neles o sentimento de que eles são realmente aquilo, que seu Ser, em essência, é aquilo. E a partir daí, o que o adolescente faz, é pensar que é tudo aquilo que ele pode ser e fazer na vida, a criminalidade, que nada lhe restou por Devir, e que sendo essencialmente mal, nada lhe resta a não ser praticar a Maldade. Esta é a consequência de uma sociedade punitivista, esta é a vivência que tivemos muitas vezes na escola, por parte de autoridades na instituição, que nos penalizavam. Eu cometi atos considerados de ‘vandalismo’ por exemplo, quando menina, com uma colega, e ao invés de as professoras quererem entender o que eu queria expressar, que era o sofrimento no ambiente escolar, elas me descobriram e trataram como criminosa e ruim, como criança errada, que impactou meus anos escolares naquela instituição, e cresci com um auto-conceito de não ser querida que até hoje impacta nas minhas relações, e quem se importa por minha história? Quem se importa com a história de cada pessoa? Isso o punitivismo faz, condena-se antes de ver o que construiu a pessoa como o monstro que é eliminado na fogueira de modo a limpar a sociedade, enquanto criamos mais monstros, uma ilusão. Se alguém é tratada como uma ‘menina Má’, é isso que ela vai ser. Se uma menina é abusada, ela pensa que o único que pode ser é objeto, se torna prostituta, atriz pornô. Me ressinto das feministas que posam de boas meninas e sempre estou na insistência de ocupar um lugar de diferença para de alguma forma resistir, abraçando uma identidade de rebeldia a partir daí, de ser uma menina má, e sou tratada da mesma forma no feminismo como na escola, com um bullying por não encaixar na falsidade moral feminina lesbofóbica, por não me comportar ‘bem’, ou como dizem que devo me comportar e meu intelecto insubmisso.

Enquanto isso, sujeitos que realmente tem uma intencionalidade discriminatória somente organizam seus próprios grupos, clubes e páginas, paralelamente à nossas, onde estraçalhamos outros ativistas como sacos de pancadas por serem mais privilegiados que outros. Isso o facebook permitiu: a coexistência de ideologias violentas com aquelas que querem desmantelar a violência, fechando cada qual em uma rede de relações. A gente fica mais preocupada em linchar uma feminista (muitas vezes por discordância teórica que é tachada por ‘ismos’ antes que possam ser refletidos em seu conteúdo crítico), alguém que contribui, que pode se desconstruir e genuinamente interessada e preocupada com essas temáticas, do que atacar gente que realmente é contra cotas raciais, influencia massas de pessoas… dá pra entender meu ponto?

Eu não consigo concordar que seja uma ferramenta tolerável de tratar essas questões. Não é que não tenha que ser pautadas as reproduções de opressões dentro do movimento, não que não seja preciso o apontamento, não que tenha que passar batido. A questão é COMO.

A violência virtual feminista tornou esse ambiente político inabitável. Enquanto várias abandonam os bets os facistas convictos continuam por aí fazendo seu estrago.

E porque isso ocorre? Porque é mais fácil linchar uma mulher que tá aqui do lado do que fazer isso com um cara realmente ameaçador, e é mais fácil atacar uma feminista por um erro do que atacar um sistema que nos oprime. É mais seguro virtualmente detonar uma mulher que falou uma merda do que enfrentar um neonazi armado na rua ou enfrentar a violência policial que é real agente do genocídio real de pessoas oprimidas. Como desmantelar sistemas institucionais de poder que realmente promovem massacres mundiais que estão até mesmo no nosso dia a dia? Na rua quando vemos assédio policial, passamos fininho pra não sofrer também, porque não temos poder pra confrontar. Na internet, atacamos um avatar que pertence a alguma pessoa e o que isso traz de concreto?

O feminismo se ocupa mais com exposição de mulheres do que com realmente atacar as atrocidades masculinas pelo mundo.

Exposição não é só sobre punir um avatar numa rede. É sobre transtornos de ansiedade e pânico, noites de insônia, pesadelos, após um estupro mental coletivo sádico de pessoas se achando os baluartes morais. É sobre saúde mental. É sobre faltas no trabalho ou na escola, faculdade. É sobre sapatão do interior que chega a trancar a universidade que mal começou porque se envolveu com uma feminista interseccional que, ao terminar o relacionamento, a expôe como abusiva nas redes (caso real). É sobre ideação suicida. É sobre pensar em suicídio toda hora de seu dia, 365 dias ininterruptos pensando em como ir embora desse mundo e como faria isso, se isso iria ferir familiares ou namorada, depois de sofrer um escracho ilegítimo e calunioso a nível nacional, pessoas comentando sobre sua vida sem sequer a conhecer. É sobre pessoas com crises de fobia social, automutilação, é sobre ficar sem comer e emagrecer pelo estresse. É sobre crises de enxaqueca e um zumbido alto no ouvido que não te deixa dormir por causa das suas crises de bruxismo aumentadas. É sobre sabotagem da vida social, afetiva, é sobre a destruição da auto-estima, são muitas coisas, um sofrimento real, que pode estar por trás daquele um avatar linchado virtualmente, numa ação que você considera tão justa. E se isso não é violência, não sei que nome darei. E não vejo em que isso contribui a promover os debates sobre violência entre lésbicas, racismo, classismo, ou qualquer coisa que se deseje. Até porque acho que o interesse não é em promover nada. Se classismo, racismo, relações não-saudáveis entre lésbicas, são coisas terríveis, exposição virtual também, e posso garantir que tem efeitos catastróficos na cabeça de uma. E se ela tem privilégios e reproduziu merdas pelas quais vale a pena açoitá-la, geralmente acredite, alguns lugares de opressão também ocupa, seja como lésbica, como mulher, como trabalhadora, como pobre, como negra… E isso só a vulnerabiliza ainda mais nesse sentido e não promove qualquer responsabilização, apenas violência, exclusão, sofrimento. Uma lésbica, uma mulher, exposta por um ato falho, uma mulher negra e pobre, exposta como agressora, estas coisas só ‘avacalham’ ainda mais a vida destas.

Achamos mesmo que o facebook tá nos proporcionando ferramentas democráticas? A cada ‘treta’ de feminista pegando fogo, cada post, cada tópico subido por um desentendimento que se torna um ringue, cada curtida, cada compartilhamento, são milhões de dólares pra esses machos donos dessas redes a quem entregamos nossas vidas, tudo isso bem calculado. É como os antigos programas de televisão onde se mostravam brigas de família, esses programas permaneciam embora o seu mau gosto, porque rendiam ibope, e esse era o retrato da falta de conteúdo e da imbecilização que a televisão promovia. Esse é o retrato da imbecilização que o feminismo de facebook, ocupado por pessoas irresponsáveis e personalistas, promove. As pessoas querem ver briga entre pessoas. Há mais interesse em ver um circo pegando fogo que em divulgar informação.

A exposição é sobre ego, é sobre sentir-se moralmente pura e politicamente virginal… é sobre depreciar a outra pra se sentir melhor que a outra. Não é sobre desconstruir profundamente privilégios, é sobre como performar que se é desconstruída. É sobre os desenpoderados sentirem que tem algum poder por meio de exercer um sadismo sobre quem também não tem poder, porque não possuem poder pra fazer isso com quem realmente nos fode. É misoginia.

Uma vez faz um tempo, ficou memorável pra mim, eu tendo uma conversa com uma (na época) lésbica, que eu ficava, com quem eu estava reclamando por exemplo, enfurecida, de umas feministas. Reclamava de uma mulher que era bissexual casada que dava em cima das outras lésbicas, levava o namorado barbudo nas caminhadas lésbicas. Eu tava furiosa falando mal dessa mulher. Essa mina que eu saía deu umas risadas gostosas da minha fúria, e disse “Calma, essas minas não é são teu inimigo, teu inimigo é os caras da marcha do orgulho hetero”. Ela teve que fazer essa intervenção mais de uma vez que eu falava mal de alguma feminista que me irritava por suas condutas. Isso ficou memóravel pra mim e hoje eu olho o movimento e vejo como feministas saíram da linha definitivamente e esqueceram totalmente de quem são nossos inimigos e quem são as ameaças reais para nossa sobrevivência.

A exposição virtual não é Justiça Social real.

Como disse uma amiga, “Uma coisa é você expor um pedófilo pra informar as pessoas ao redor dele e proteger as crianças com quem ele tem contato, outra coisa é você chutar cachorro morto porque sua vida é uma bosta e você quer que outras pessoas se fodam”.

O que recriamos são os mesmos mecanismos cristãos da penitência e culpa, utilizados como chantagens emocionais e mindfucks contra ativistas que se quer manipular. Quem inventou os privilege-checking, as torturas mentais, as ameaças, foi o feminismo patriarcal encabeçado pelo queer e transativistas. Derivando das políticas de identidade, esses processos criam adoecimento psíquico coletivo e nada mais. O que se quer não é o reconhecimento e revisão, reflexão de construções pessoais, politização das mesmas, consideração dos panoramas de cada na discussão, abertura para a ampliação do debate. O que produziram são processos não-saudáveis, nada políticos, onde se quer a outra de joelhos implorando perdão pelos seus pecados, em atos de sadismo, a pessoa encostada no confessionário enumerando seus pecados, o pecado de Ser. Não importa se ela realiza um trabalho real, se ela compartilha o que tem e sabe, se ela utiliza os benefícios que teve para aportar algo ao ativismo e para quem não pode. Importa que ela é essencialmente um lixo por ser branca, por ser universitária, por ser magra, por ter emprego, por ser formada, por ser classe média. Não há perspectiva nas políticas de identidade, é niilista, precisamente por ser pós-moderna. Tendo nascido com privilégio, você nunca se desconstruirá mesmo, então você deve passivamente flagelada pelos privilégios que possui, o mais radical que você pode fazer é morrer. Você é eternamente e intrinsecamente, algo péssimo e uma pessoa horrível, e nada mais. Se a ativista tem iniciativa e portanto, a tal da ‘liderança’, ela é ainda mais ruim, será responsabilizada de tudo num grupo político, será dito que é autoritária. Ninguém pensa, uma posição crítica é impossível de ser apresentada, não existe debate. Existem processos pessoais de mágoas pessoais/desentendimentos/conflitos mal resolvidos, chantagens, rumores, manipulações emocionais. A outra com quem eu tive um desentendimento, uma diferença, ela é isso, aquilo outro, projeto o Mal nela, a demonizo, distorce-se o ‘pessoal é político’ e o político se torna pessoal. Se a pessoa porta algum lugar de fala, é como uma arma apontada na cabeça da outra, um movimento e você é detonada, chamam todas as seguidoras e simpatizantes para pilharem acriticamente (todas possuem medo de não seguir a horda virulenta, os processos são regidos pelo medo, logo são coercitivos), que também querem seu lugar no Céu Moral, e por isso mesmo concordam com todas atitudes daquela militante para mostrar quanta consideração possuem pelas opressões que aquela pessoa se tornou símbolo, no bom e velho Tokenismo. Estamos satisfeitas com isso?

Eu proponho que a gente vá além, que possamos propor todos esses debates, mas de forma profunda. Pois somos feministas/lésbicas RADICAIS, vamos profundamente, à raíz do problema. Não queremos performance de ‘desconstruídas’ porque compartilhamos um print e todas ficam satisfeitas, se achando muito santificadas e justiceiras, sem trabalho real sobre as opressões que potencialmente reproduzimos desde nossas diferenças.

Mas proponho que também possamos ver nossas diferenças e as relações entre nós como também forças e potências.

Pois como disse Audre Lorde:

“Sermos mulheres juntas não era suficiente.
Nós éramos diferentes.
Sermos garotas lésbicas juntas não era suficiente.
Nós éramos diferentes.
Sermos negras juntas não era suficiente.
Nós éramos diferentes.
Sermos mulheres negras juntas não era suficiente
Nós éramos diferentes.
Sermos lésbicas negras juntas não era suficiente
Nós éramos diferentes.
Demorou algum tempo até percebermos que nosso lugar
Era a casa da diferença ela mesma,
Ao invés da segurança de qualquer diferença em particular”


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referências para ampliar essa discussão

palestras e textos de Jon Ronson

Como um tweet pode arruinar sua vida (ative as legendas em português ou espanhol)

What’s the point with moral outrage?

How one stupid tweet ruin Justice Sacco’s Life

Outro artigo de outro autor, The Problem with Privilege-Checking

Outro texto excelente para dialogar com este artigo, Linchamento, de Marcia Tiburi

Ainda Rachando

Canibalismo Feminista, Teici Miranda

 

Sugiro que confira a fala de Márcia Tiburi sobre o livro que lançou há pouco “Como conversar com um fascista”:

www.youtube.com/watch?v=7GbB7APQadg

Ela discute a questão do tipo de linguagem que se manifesta na tentativa de diálogo com pessoas que tem a suscetibilidade à postura e ao pensamento fascista. Não é necessário chegar ao extremo da defesa duma ideologia rascista, misógina, lesbofóbica e homofóbica para se comportar de um modo que se inclina a uma dinâmica não-horizontal, de poder e violência. O primeiro indício disso é a não-disponibilidade ao debate, a fissura por conceitos ideológicos rígidos, ao que está pronto, e isso dita toda a prática e todo o diálogo de quem caiu nessa armadilha. Infelizmente sinto que essa reflexão se aplica muito às relações dentro do movimento feminista e entre lésbicas inclusive. Nesse livro ela também discute uma parada que foi discutida por Jo Freeman – se não me engano – quando ela pontua o xingamento como uma ferramenta que precariza o pensamento e a crítica, denunciando a falta de tato, a indisponibilidade de quem xinga a discutir de forma mais complexa, além de demonstrar seu profundo medo do desconhecido, medo de estar errado e contrariar suas intenções egoicas. As radicais que criticaram o trashing colocam que o xingar é uma forma fácil e um tanto burra de resolver tensões, porque um adjetivo é fácil de lembrar e é vago, ele não necessita explicações nem contextualização, não requer esquentar a cabeça em destrinchar o que aquele apontamento significa, enfim.

Basicamente, a forma como as pessoas tem resolvido discordâncias dentro do movimento são o total oposto da dialética, do debate, do movimento de tese, antítese e síntese, movimento que eu, particularmente, considero essencial se quisermos ser pensadoras autônomas e não papagaias.

 
 

exatamente, o feminismo se tornou facismo. os tempos que vivemos são facistas e, sendo as condições materiais que surge essa geração, não surpreende que se tenha tornado um fenômeno muito proximo ao facismo dentro dos movimentos.

 
 

foi a denise thompsom que falou dos xingamentos no texto sobre hostilidade horizontal

 
 

siiim denise thompsom, obrigada por lembrar!

 
 

no entanto somente algumas tem permissão para xingar. vi inclusive feministas sendo aceitas chamarem outras mulheres de vadias e putas por portarem lugares de fala oprimidos. lugar de fala se tornou um livre passe para violência imune à crítica. critique isso e seja exposta.

 
 

acho que estamos ficando sem opções a não ser nos tornarmos muito cuidadosas, observadoras e estratégicas no que tange às alianças que escolhemos estabelecer. Eu sou muito seletiva há tempos porque passei pela mesmíssima coisa simplesmente por ter uma postura mais impositiva, convicta e crítica, além de ter tido sempre a disposição não exatamente para liderar mas pra dar aquele empurrãozinho inicial que nem todo mundo se disponibiliza a dar, saca? Creio que temos que nos acompanhar de pessoas mais sérias e não deixar que esse comportamento imaturo nos silencie sobre o assunto, e por outro lado não dar muito ibope, porque é isso que essa galerinha quer. Fazer fama em cima do trashing.

 
 

“As radicais que criticaram o trashing colocam que o xingar é uma forma fácil e um tanto burra de resolver tensões, porque um adjetivo é fácil de lembrar e é vago, ele não necessita explicações nem contextualização, não requer esquentar a cabeça em destrinchar o que aquele apontamento significa”

Exatamente, isso eu o experiencio com o pseudo ‘escracho’/estupro mental virtual que eu sofri – desculpem o termo estupro, mas foi como minha mente ficou o ano todo com o bullying de centenas de pessoas me destruindo, obvio que tive que lutar contra os resultados como crise de ansiedade, insônia, ideação suicida diária, depressão e demais horrores sem que essa merda seja reconhecida pelo movimentinho feminista de sofá como violência tão grave quanto as que essas justiceiras supostamente lutam contra.

Tipo, foda-se as centenas de texto que escrevi sobre isso e continuo escrevendo, colocando minha posição, me defendendo, problematizando a exposição cordialmente sem agredir ninguém embora minha raiva seja colossal e as crises diárias de raiva constantes, foda-se o que PASSEI na droga da relação abusiva na qual estive, foda-se se sofri violência dessa pessoa, foda-se se ela tá me perseguindo mesmo eu já estando anos e kilometros de distancia dela e tenha abandonado todos espaços políticos por causa dela, foda-se o impacto desproporcional que uma merda dessas possa ter inclusive pra minha vida, foda-se tipo expor a pessoa e isso prejudicar ou causar uma demissão como foi o caso da mina apresentada no vídeo, foda-se minha versão, ficará somente na minha consciência, foda-se meus acionadores, eu sou obrigada a me justificar e cobrado que faça um relato de uma vivência violenta e acionadora pra uma platéia sadica escrota que eu queria mais era fuzilar e tá poco se fodendo pra minha vida, foda-se se é uma vida humana, foda-se se eu realizei um trabalho, foda-se as mudanças que fiz, foda-se se já fazem 6 anos desde essa relação, imagine uma faculdade, você não muda em 4 anos de facul, 5? Foda-se problemas emocionais e psicologicos que eu tinha e como ele impactava nos relacionamentos naquele momento, foda-se minha historia e por que os tinha, alguns eu até expus aqui mas foda-se o panorama psicológico das pessoas. Foda-se as lésbicas, emfim. O que importa é realmente foder a pessoa, e não uma discussão fundamentada, profunda, genuína. O que fica é um lixo de relato daqueles, superficial e calunioso, bizarro, sem a intenção real de pautar o problema, me chamando de adjetivos apelativos e banalizando toda discussão feminista, e foda-se né, tenho que ser morta mesmo porque eu sou uma vadia feminista radical que deve morrer segundo este movimento queer, foda-se que é tretinha de teoria que tá por trás, me perseguir por feminismo radical, e é isso que no fim as pessoas horríveis que habitam a internet inclusive as pseudo radfem de internet ficam espalhando por ai irresponsavelmente, ler poucas linhas adjetivando alguém apelativamente é fácil, minhas fotos roubadas e intervidas de forma agressiva num bullying hostil, é fácil, sociedade de imagem, porn revenge. Ler meus textos longos fundamentando a questão e problematizando, foda-se, cansa a cabeça pensar. Mais legal foder a vida de alguém. Faço bullying virtual e me sinto muito ativista. E a cada vez que o fazem mal sabem que empurram uma lésbica pro seu assassinato, seu suicídio, e foda-se problematizar o lixo lesbofobico de posição que reproduzem. O feminismo se tornou um inferno pra muita gente e ao mesmo tempo esse mundo já é um inferno de se habitar, e vai continuar assim enquanto não houver responsabilidade individual em assumir agência sobre os movimentos que produzimos. E a direita faz ações reais, faz golpes de estado, manda policia balear os moradores de rua em sp, enquanto pessoalzinho da internet fica em casa de braço cruzando, fazendo sua ‘militanssa’ de foder a vida e psicologico dos outros.

 
 

" O poderzinho, por outro lado, está sustentado pela miséria subjetiva, ética e política de quem o exerce.
Na falta de um poder real, o titular do poderzinho se contenta com símbolos de poder ou manifestações de puro arbítrio, contra a pessoa que encontra na rua, contra os colegas, contra quem ele não conhece.
Redes sociais são espaços onde o poderzinho se exerce sem limites.
Da mesma maneira que a ausência de reflexão gera o vazio do pensamento, a falta de poder real, a ausência desse complexo de relações capaz de produzir uma força irresistível, gera o poderzinho, que é só vaidade, pretensão e impotência."

revistacult.uol.com.br/home/2016/04/46914

 
 

É exatamente nisso que penso. Fico cada vez mais ansiosa e preocupada com o fato de que a vigilância nas redes e a falta de privacidade tornam-se cada vez mais rigorosas, de que os líderes políticos e bancários se reunem PRESENCIALMENTE para tomar as decisões das próximas cartadas em prol de defender e fazer manutenção de sua supremacia, agem realmente como um grupo político e estratégico, enquanto as pessoas oprimidas estão perdendo seu tempo e se arriscando, se expondo nas redes sociais mais violentas e bizarras como o facebook, expondo suas convicções políticas ao livre acesso da polícia e essa merda toda, e ainda fazem de graça um trabalho que seria bastante árduo para as verdadeiras elites que é o de COLABORACIONISMO, o de assassinato político umas das outras.

 
 

Dedicar tempo e energia de nossas vidas a um projeto político realmente radical, que vise mudanças éticas e relacionais profundas, é muito mais trabalhoso e exige muito mais o ser pensante e também o ser que levanta a porra da bunda do sofá e vai botar a mão na massa. Participando de bioconstrução permacultural eu percebi o quanto é gradual e árdua a dedicação a propor um novo modelo social que seja justo e mais horizontal, e o quanto para rompermos com o heteropatriarcado capitalista será necessário tanto esforço intelectual quanto até mesmo físico também. Só que aí é mais difícil né e nós estamos na sociedade do comodismo. É patética a posição inerte e inútil à qual o sistema, a mídia e essa escória do fachobook está empurrando as pessoas. Entre lésbicas o caminho é muito longo se formos sonhar com mudança civilizatória. Acho que as pessoas realmente não tão tendo a mínima noção do impacto que o individualismo – no sentido capitalista e negativo da palavra – está causando nas relações. As pessoas tão cada vez mais na bolha e cada vez mais dando atenção à vozes computadorizadas do que aos seres humanos e de outras espécies que estão logo a seu lado. Eu to assustada, desapontada, e há alguns anos – desde que fui taxada como hostil e misógina por ter um posicionamento radical, lésbico e anárquico e resolvi então sumir da internet – to quebrando a cabeça sobre como participar das redes e como me posicionar…. tenho sintomas corpóreos só de pensar, pois agora além de temer a vigilância seriamente, temo também pessoas tão semelhantes a mim…. É triste.

 
 

Simplesmente AMEI você retomar a noção de colaboracionismo. Não podemos chamar esse feminismo, e até mesmo o trabalho de muitas lésbicas virtuais, de menos que isso. Se não passa de patriarcado tudo que estão fazendo… Não importa se o conteúdo da informação que divulgam possa ser catalogado como ‘radfem’. As práticas delas não são radicais nem profundas, nem despatriarcalizadas, pelo contrário, são totalmente patriarcais e fascistas e só dão perpetuidade a esse modelo de relações. Não consigo dizer que estejam propondo um real projeto politico de mudança civilizatória, a misoginia atravessa quase tudo que fazem e esse ambiente é tóxico, irrespirável, seja online ou não. Como se nomeiam não significa nada, tem mesmo peso que política de identidade. O macho diz que é mulher, a mina misógina que expôe mulheres diz que é feminista radical… e eu posso dizer que sou uma árvore. Se ao menos houvesse uma preocupação em se questionar sobre isso seria diferente.

 
 

O politicamente correto à parte, estamos passando por um momento de profunda psicose com o advento do pensamento pós-moderno. Não precisamos ir tão longe, porque trata-se simplesmente da negação da realidade. Há uma dedicação constante de negar as verdadeiras opressões, os verdadeiros horrores que não só a humanidade, mas a Terra inteira está sofrendo pelos verdadeiros inimigos, que fazem guerra física, psíquica e ideológica à Vida e à liberdade de todos os seres.

As pessoas se preocupam se fulaninha é agressora porque chamou uma outra de idiota em algum momento porque tava com raiva e de saco cheio da constante cobrança moral do movimento, da seita, da religião, da feminilidade e misoginia entre mulheres, seja do que for. Enquanto isso líderes podres de privilegiados continuam promovendo guerra, abuso, morte e escravidão contra todas nós. Enquanto corporações destróem a vida de nossa Planeta. Isso acontece porque militar por picuinha é INFINITAMENTE mais fácil e mais cômodo do que fazer um ativismo contra a agressão macabra e perversa que pessoas e instituições tão poderosas cometem.

Isso também acontece porque as militantes da picuinha não reconhecem que a hostilidade e a perversidade não são mecanismos detidos no baú do tesouro psíquico das pessoas mais privilegiadas do planeta. Essas são potencialidades humanas, e quando me vejo impotente frente a tamanhas atrocidades cometidas contra a Vida, dirigir minha agressão aos alvos mais frágeis é o caminho mais curto de todos para me aliviar, para fazer algo acontecer com a ira quando, no caso, eu sou uma pessoa com uma tremenda falta de criatividade e sublimação.

E enfim testemunhamos esse espetáculo terrível em que mulheres e lésbicas adeptas à feminilidade – que é o ódio à fêmea humana, portanto o ódio a si mesma e às outras – engolirem o sapo de coisas horríveis que veem e ouvem homens, agressores, patrões, fascistas convictos dizerem e fazerem; dificilmente enfrentarem aqueles que representam uma ameaça real; e ao invés de criarem algo novo – separarem-se da cultura e dos costumes de quem agride nossa liberdade de fato, de transformar a dor em arte e em luta – descontam em butches. Descontam em lésbicas, em outras mulheres. Porque é fácil. Quem pratica essa atitude egoísta assiste sua ira surtir efeito, porque vê a outra sofrer e sucumbir à violência do escracho, afinal é praticamente apenas em lésbicas e mulheres que ele realmente funciona e é tão devastador quanto pretende ser. Mas dificilmente essa pessoa assistirá sua ira resultar em alguma coisa ao desafiar e protestar contra as verdadeiras ameaças.

Revolução é outra coisa. Revolucionária eu tenho certeza que essas pessoas não são.
 
   

o livro do Jon Ronson foi publicado em português
www.travessa.com.br/humilhado-como-a-era-da-internet-mudou-o-julgamento-publico/artigo/070834d3-7a6b-48b8-8aba-baa1c85be8cc

tem essa entrevista dele muito boa:
www.youtube.com/watch?v=ZGme1D0xoxA

Muito bom quando ele fala que as únicas pessoas que estão a salvo de ter sua reputação destruída são aquelas que são quietas e sem graça rs.

Ver essa palestra me fez ver como na verdade é backlash mesmo, apesar da guilt trip que a vítima entra, achando que realmente fez e é algo terrível. A exposição somente é feita com quem tem sensibilidade política e social exatamente porque é ela quem vai sofrer, e apartá-la da sua comunidade de semelhantes com essas sensibilidades, porque se você resolver expôr um cara de direita, racista convicto, etc, não vai ter efeito nenhum já que ele e seus amigos não se importam.

Os únicos escrachos que funcionaram até hoje foram os dirigidos à mulheres. (lésbicas né)

Se a intenção fosse realmente e genuinamente abordar um problema, tenho certeza que se adotaria outra forma de resolver o conflito. Até os Direitos Humanos prevêem mais direitos e tratamento humanitário para quem for alvo de julgamento penal do que o (pseudo)justiceirismo grupal da problematização. Até o goleiro Bruno se pá foi melhor tratado que as feministas que são expostas e violadas dessa forma publicamente.