Portugal aderiu em 1984 ao CIRDI (Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos).
O CIRDI faz parte das Nações Unidas; pertence ao Grupo do Banco Mundial e é actualmente presidido pelo FMI.
É de crer que, se vierem a ocorrer conflitos relativos a empréstimos ao Estado e envolvendo terceiros, Portugal tenha de se sujeitar à arbitragem deste tribunal.,
Sucede que, desde a assinatura do Memorando com a Troika (da qual faz parte o FMI):
- o Memorando impõe um vasto conjunto de medidas políticas e de reestruturação económica, indo ao ponto de implicar possíveis alterações à Constituição para viabilizar o seu cumprimento dentro da legalidade do estado de direito;
- pode acontecer que venha a ser demonstrada a ilegitimidade de partes da dívida soberana, incluindo a clara impossibilidade de reembolso;
- esta impossibilidade é muito provavelmente agravada pelas condições impostas no Memorando;
- a imposição de condições à estrutura política e económica de um país contraria as disposições de paz, autodeterminação e independência consagradas na Carta das Nações Unidas e noutros tratados internacionais;
- o FMI é parte interessada no Memorando (e portanto nos possíveis conflitos de interesses advenientes);
- ao presidir o CIRDI e assumir o papel de juiz (ou conciliador ou mediador), o FMI torna-se juiz em causa própria.
Por outro lado, Portugal subscreveu em 1969 a Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados. Nesta convenção estipulam-se obrigações e direitos decorrentes da assinatura de tratados, acordos, etc. Recordamos os seguintes artigos da «Secção II – Nulidade dos Acordos»:
Artigo 49.º-Dolo
Se um Estado tiver sido induzido a concluir um tratado pela conduta fraudulenta de um outro Estado que participou na negociação, pode invocar o dolo como tendo viciado o seu consentimento em ficar vinculado pelo tratado.
Artigo 50.º-Corrupção do representante de um Estado
Se a manifestação do consentimento de um Estado em ficar vinculado por um tratado tiver sido obtida por meio da corrupção do seu representante, efectuada directa ou indirectamente por outro Estado que participou na negociação, aquele Estado pode invocar essa corrupção como tendo viciado o seu consentimento em ficar vinculado pelo tratado.
Artigo 51.º-Coacção sobre o representante de um Estado
A manifestação do consentimento de um Estado em ficar vinculado por um tratado obtida por coacção exercida sobre o seu representante, por meio de actos ou de ameaças dirigidos contra ele, é desprovida de qualquer efeito jurídico.
Artigo 52.º-Coacção sobre um Estado pela ameaça ou pelo emprego da força
É nulo todo o tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou pelo emprego da força, em violação dos princípios de direito internacional consignados na Carta das Nações Unidas.
Artigo 53.º-Tratados incompatíveis com uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens)
É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os efeitos da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza.
Proponho que se estude e debata:
- Um apelo a que Portugal se retire do CIRDI ou pelo menos que faça uma declaração de reserva sobre a sua autoridade no caso da dívida externa portuguesa e da assinatura do Memorando, baseada na situação factual de o CIRDI ser «juiz em causa própria».
- Uma declaração de reserva e direito de não cumprimento de todos os acordos assinados com a Troika, invocando-se o direito internacional (referido mais abaixo).
Problemas técnicos envolvidos
O conjunto de situações, diplomas e tratados que aqui refiro implicam dois níveis de leitura:
- um nível técnico, que envolve a compreensão dos diplomas do ponto de vista jurídico e económico; esta compreensão está completamente fora do meu alcance (e julgo que fora do alcance da generalidade dos membros do Grupo da Dívida) e por isso proponho que se procure o conselho de técnicos capazes de estudarem a questão;
- um nível político, que depende fundamentalmente de duas coisas: 1) um posicionamento de princípios políticos e ideológicos gerais, que devem ser mantidos a todo o custo; 2) um entendimento das especificidades da realidade concreta, que remetem em parte para o ponto anterior – por outras palavras, não é possível tomar decisões políticas adequadas e eficazes sem uma compreensão do papel dos tratados e instituições internacionais.
Por fim, faço notar que uma tomada de posição precipitada que nos colocasse por atacado fora das instituições internacionais arrastaria consigo a saída da convenção dos direitos humanos, dos tribunais que defendem a independência dos estados contra a ingerência externa, etc.
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