É um facto incontornável na história portuguesa a partir da Era Moderna, que os movimentos e grupos cívicos de acção e reflexão se tolhem dentro duma lógica de tertúlias, capelinhas e amores.
Assim, não é de estranhar que a questão da dívida soberana tenha originado diversos grupos dispersos, todos eles sujeitos a uma espécie de auto-quarentena que os mantém isolados entre si.
Os «afrancesados» e os «inglesados» do século XIX podem ter sido substituídos por diversos «-ismos», mas a lógica da coisa mantém-se.
Esta lógica «tertuliana» não produz geralmente efeitos permanentes nem deixa rasto efectivo na História. Por conseguinte consideramos que uma luta eficaz contra as injustiças sociais decorrentes da dívida implica necessariamente contrariar a referida lógica, propondo terrenos de acção e movimentação comuns.
A própria constituição do grupo de trabalho Rossio Contra a Dívida1 foi um claro passo nesse sentido – tendo nascido da iniciativa de um grupo de reflexão preexistente às assembleias populares do Rossio, e apesar de esse núcleo inicial conter já em si um conjunto de reflexões e objectivos, soube congregar outras tendências, outras formas de encarar a questão da dívida, fazendo ressaltar o que de comum possa haver no terreno de luta.
Apelamos a todos os cidadãos interessados que venham trabalhar e debater connosco; apelamos a outros grupos igualmente apontados à questão da dívida para que mantenham contacto e coordenação e até para que se façam representar nas nossas reuniões (que permanecem abertas, dentro do espírito das assembleias populares do Rossio).
Cremos que o espírito de cooperação, abertura total e participação democrática activa vivido nas assembleias do Rossio é um bem precioso que convém preservar e desenvolver.
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1 Nota sobre a designação deste grupo:
A palavra «rossio» designa um lugar público onde o povo se constumava reunir para tratar dos seus assuntos.
Etimologicamente deriva de «resíduo» — o povo reunia-se no único espaço público que lhe restava, depois de concluído o processo histórico de apropriação sistemática de todos os terrenos por parte de quem detinha a força e o poder de se apropriar.
Já que este grupo de trabalho nasceu nas assembleias populares do Rossio de Lisboa, já que o problema actual da dívida soberana tem inegavelmente a ver com a apropriação de quase tudo na nossa sociedade pelo poder financeiro, a designação Rossio Contra a Dívida parece-nos ser auto-explanatória.