Lésbicas mais velhas merecem reconhecimento como pioneiras e irmãs feministas

Texto por: Claire Heuchan Tradução de Jéssica Ribeiro

O feminismo lésbico tem muito a nos oferecer. É uma mina de potencial grandemente inexplorado para o entendimento e construção de conexões entre mulheres. Parte da relutância em explorar essas possibilidades vem do medo de reconhecer que qualquer coisa lésbica possa ser de relevância universal. O movimento padrão foge dos feminismos lésbicos, os quais tendem a ser radicais por natureza e, portanto, incompatíveis com qualquer feminismo que prioriza o individual frente ao coletivo, igualdade dentro das estruturas de poder existentes frente à liberdade de criar alguma coisa nova. E, depois de tudo, as lésbicas permanecem caricaturadas como o pior cenário do que uma mulher pode se tornar se ela adotar o feminismo.

Esse anti-lesbianismo e a misoginia por trás do desencorajamento da conexão entre mulheres, apenas permanece de pé para benefício do patriarcado. Ele ensina as mulheres a temer a total extensão pela qual nós podemos nos amparar e nos apoiar, nos coíbe de descobrir que uma vida não centrada em volta dos homens pode, de fato, ser cheia de alegria. Como Dorothy no Mágico de Oz, nós devemos ser corajosas e olhar por trás da cortina – para ver o mundo não como os homens dizem que devemos, mas como ele de fato é. O feminismo lésbico contém muitas lições grandiosas, e sem começar a explorá-las eu nunca teria começado a descobrir as verdades que agora dão textura à minha vida. A mais óbvia dessas verdades, e por isso a mais obscura dentro da sociedade padrão, é que as lésbicas mais velhas são simplesmente as melhores pessoas no planeta.
As lésbicas mais velhas têm dado tanto à organização feminista e gay que o apagamento delas como pioneiras de ambas as comunidades é simplesmente criminoso. E também, muito parecido com a sociedade padrão, muito da cultura queer põe no centro a juventude e a masculinidade que é fundamentalmente desequipar o reconhecimento da significância das lésbicas mais velhas dentro da comunidade – ou do reconhecimento das qualidades que fazem as lésbicas mais velhas uma presença tão positiva no nosso mundo. É intolerável que as mulheres que lutaram como lésbicas feministas para desafiar a injustiça agora possuam suas sexualidades redefinidas como queer em qualquer celebração de suas realizações, ou completamente removidas da narrativa.

A sociedade está completamente pronta para eliminar lésbicas pelo motivo que recebe legitimação suficiente para ser considerado história, um fenômeno que nós tentamos resistir por meio de documentação feminista. Lésbicas mais velhas existem dentro do Triângulo das Bermudas1 de ser mais velha, fêmea e fora dos limites masculinos – e, portanto, alvos principais para apagamento. E então eu irei compartilhar com vocês a importância das lésbicas mais velhas em minha própria vida – tanto porque esses detalhes merecem ser preservados, como pela esperança de que vocês sentirão apreço extra pelas lésbicas mais velhas na vida de vocês.

Quando eu comecei a voluntariar na Biblioteca de Mulheres Glasgow, eu tive pouca confiança em mim mesma ou fé em meu próprio merecimento. Há uma comunidade incrível de mulheres na biblioteca, incluindo algumas lésbicas mais velhas extraordinárias. Quando eu falava, elas me escutavam como se as palavras saiam de minha boca fossem importantes. Elas me indicavam livros de mulheres Negras, encorajavam meus interesses criativos e sempre tinham alguma palavra para mim. Elas me ajudaram no meu auto crescimento.

Para a primeira conferência feminista na qual eu discursei, eu viajei para uma cidade desconhecida onde eu não conhecia ninguém. Nervosismo define muito daquela experiência. Mas, em um evento focado nas vidas das lésbicas, eu tive a sorte de conhecer uma lésbica mais velha cujo entusiasmo pela documentação parecia com o meu. Ela tinha sido parcialmente responsável pela curadoria do Arquivo Lésbico, situado na Biblioteca de Mulheres onde eu voluntariei. Durante toda aquela conferência, foi apenas na companhia dela que eu me senti capaz de abaixar a guarda e ser eu mesma. Ela guardava lugar para mim e aquela gentileza foi um presente precioso.

Quando eu fui a Londres para a inauguração do Bare Lit, primeiro festival britânico inteiramente sobre escritores de cor, uma lésbica mais velha do Twitter se ofereceu para me encontrar na festa de lançamento, então eu ‘conhecia’ alguém ali, o que eu de bom grado aceitei (nós tínhamos amigas em comum IRL2 – não esqueça do perigo do desconhecido, mesmo quando planejando encontros lésbicos). Ela era charmosa de um jeito verdadeiro, e nós nos demos bem sendo nerds intelectuais juntas. Este foi o começo de uma amizade duradoura. Ela depois confessou que sugeriu este encontro porque eu estava emitindo vibrações ansiosas.

Durante um ponto particularmente difícil em minha vida, uma lésbica mais velha que eu não conhecia foi generosa o suficiente para dizer que eu poderia ir ao seu aniversário de 70 anos com uma amiga em comum. Eu normalmente não me dou bem em festas, mas havia todas as minhas coisas favoritas lá: lésbicas, comida, vodca, bolo e música. Foi por um longo tempo a festa mais bêbada e feliz na qual eu estive.

A primeira vez que conheci a Poeta Makar3 de Scotland, Jackie Kay, ela me abraçou cheia de puro deleite por haver outra lésbica Negra feminista na cena local. O entusiasmo e amizade dela me fez sentir a melhor versão de mim mesma. A escrita dela tem sido central para como eu encontro um senso de lugar na Escócia, conectado à cultura escocesa, e entendo a identidade negra escocesa – então aquele momento de reconhecimento é algo que carregarei comigo pelo resto de minha vida. Ela escreveu sobre o quanto significou para ela conhecer sua precursora lésbica Negra feminista Audre Lorde quando era jovem, então estou certa de que Jackie Kay sabia o que ela estava me dando.

E minha mãe merece uma menção honrosa. Seria descuidado de minha parte não mencionar minha mãe entre as lésbicas mais velhas que me construíram com apoio e encorajamento, especialmente considerando que ela me deu o presente da vida. Minha mãe era bem jovem quando me teve – mais jovem do que eu sou agora – então se ela de fato se enquadra dentro da categoria de uma lésbica mais velha, é por um fio de cabelo. Contudo, ela tem passado alguns elementos vitais da cultura lésbica, me ensinou habilidades de DIY4 e a importância de agarrar a sua independência como uma mulher.

Lésbicas mais velhas merecem ser valorizadas muito mais. Elas merecem ser vistas – não apenas no papel da comunidade idosa de quem nós podemos aprender, o que se torna um pouco unidimensional, mas como mulheres com as quais nós podemos rir e chorar juntas; mulheres que nós podemos protestar ao lado delas e ir dançar depois de todas nós abaixarmos nossos cartazes; mulheres com as quais podemos compartilhar amizade e talvez, neste processo, ensinar em troca. E se mais mulheres forem receptivas aos princípios do feminismo lésbico, essas conexões maravilhosas de serem encontradas se tornem a lei mais do que a exceção.

1 A expressão se remete à área do Triângulo das Bermudas, onde dizem que navios e aviões desapareceram misteriosamente.

2 Abreviação para in real life: na vida real.

3 Termo da literatura escocesa para poeta ou trovador/a. Refere-se a um/a poeta publicamente financiado, apontado pelo governo para compor poemas para ocasiões especiais.

4 Sigla para Do it yourself: faça você mesma/o.

Texto por: Claire Heuchan

Tradução de Jéssica Ribeiro