8 de março também é das sapatão!

escrito por lésbicas feministas de SP, pautando a lésbica no 8 de março.

8 de março também é das sapatão!

8 de março é uma data que remete às mulheres trabalhadoras que foram queimadas por patrões numa fábrica como repressão por protestarem e realizarem uma greve auto-organizada apenas por mulheres contra a extrema exploração e injustiça do sistema capitalista, mostrando que, desde os tempos da caça às bruxas e inquisição, mulheres resistentes a sistemas opressivos vem sendo queimadas e assassinadas. Muitas dessas resistentes foram também as lésbicas, que como Adrienne Rich coloca, “antes que existira ou pudesse existir qualquer classe de movimento feminista, existiam as lesbianas, mulheres que amavam a outras mulheres, que recusavam cumprir com o comportamento esperado delas, que recusavam definirem-se em relação aos homens, aquelas mulheres, nossas antepassadas, milenares, cujos nomes não conhecemos, foram torturadas e queimadas como bruxas”.

A História segue se repetindo, e o mecanismo político da fogueira e do estado de genocídio do povo político das mulheres – que é o Patriarcado – segue se dando e é preciso lutar contra ele.
Integrar uma resistência política não vem sem ataques por parte dos opressores. Definimos a Lesbofobia como um aparato de repressão a serviço da Heterossexualidade Compulsória, regime político que obriga a conformidade das mulheres nas classes sexuais de modo a manter sua exploração pela classe dos homens por meio da violência, invisibilização, aniquilamento.

Como o 8 de março é uma data histórica que fala da mulher trabalhadora, queremos falar aqui da lésbica trabalhadora , que nunca é pautada na data:

A Lesbofobia precariza economicamente a vida das lésbicas. Muitas vezes vivendo em diáspora, fugitivas da classe mulher, fugitivas e expulsas de instituições patriarcais como a família, possuem recursos de sobrevivência limitados. Diferentemente das companheiras e de suas parentes heterossexuais, muitas vezes tem que sair de casa cedo, ou de suas cidades de origem, onde existem poucas como ela, expulsas pela força da discriminação e da ameaça de violência que são constantes nas vidas lésbicas. Isso faz com que não terminem seus estudos e tenham que buscar empregos precarizados para pagar o aluguel ou custear sua vida longe de seus agressores. Em entrevistas de emprego, não é contratada pelo seu aspecto pouco feminizado: por ter cara de sapatão. No ambiente de trabalho, vive escondida ou sofre demissões por ser lésbica visível ou por descobrirem que o é. Na sua carência de recursos materiais e de afeto se torna dependente emocionalmente nas suas relações afetivas, pois funcionam também como apoio mútuo e sobrevivência. Estas relações não são reconhecidas nem apoiadas economicamente pela família, ou pelo Estado, ou pela Sociedade. O isolamento em um casamento lésbico pode torná-la dependente da companheira por compartilharem recursos materiais, e se caso a lésbica se encontra em situação de violência doméstica, esta situação é totalmente invisibilizada na sociedade, o que torna ainda mais difícil para uma lésbica vítima sair da situação. Ao buscar denunciar, a lei Maria da Penha falha enormemente com lésbicas, que são caçoadas por policiais nas delegacias ao fazer o boletim de ocorrência e a discriminação torna arriscado romper com o silêncio. Se possui crianças, o Conselho Tutelar tenta muitas vezes tomá-las por considerar a mãe lésbica uma indecente. Nos trabalhos, a Lésbica tem que provar ser ainda melhor que seus e suas companheiras heterossexuais, tendo que se esforçar duplamente para ganhar aceitação e não ter seu trabalho mau reconhecido em função de sua sexualidade. O excesso de trabalho e o sofrimento da invisibilidade afetam a saúde mental das lésbicas que padecem de ansiedade, depressões,e outros adoecimentos comuns gerados no ambiente laboral. O assédio sexual (estupro corretivo) no trabalho e a fetichização das lésbicas também são uma realidade do Terrorismo Sexual supremacista masculino. Se a lésbica é também negra, sofre ainda mais em termos de objetificação, exclusão, discriminação e precarização.

Acreditamos que o Capitalismo Heteropatriarcal e a Supremacia Masculina devem ser abolidas.

Acreditamos na Lesbianidade não como orientação sexual, mas como um ato político de resistência e um projeto político de um mundo onde todas as mulheres possam ser livres. Sendo o modelo econômico existente uma imposição dos patriarcas brancos, queremos a destruição dele, parar o modelo econômico predatório que estupra1 a Terra com o agronegócio e envenena os alimentos e recursos hídricos, mata animais e populações nativas, para favorecer a apoia mútua e resgatar o respeito ao meio ambiente.

8 de março não é dia para festejar a ‘mulheridade‘. Lésbicas são o conceito da fêmea2 selvagem antes de sua apropriação pela classe dos homens, que a encerra na categoria Mulher. Somos fugitivas dessa classe e desse conceito. Não queremos flores, queremos molotovs contra o Heteropatriarcado e todas suas instituições opressivas, em solidariedade também com as demais espécies do planeta.

Contra o Heterosistema Racista, Classista, Especista, pela abolição das classes sexuais e econômicas ,
Pela Autogestão das Mulheres
Rebeldia Lésbica!
Sapatões Proletárias, Periféricas, Negras, Radicais e Autônomas, na Luta!

heresialesbica.noblogs.org
heresia.lesbica@riseup.net

1 Consideramos certo dizer que a terra é estuprada pelos grandes latifúndios e por todo processo de envenenamento, monocultura e reprodução forçada da qual é obrigada e a desertifica, a mata, para enriquecer patriarcas carnívoros que se apropriaram das terras, e porque a Terra e sua vida é identificada frequentemente, desde as mitologias ancestrais, com as Mulheres, sendo o ataque às Mulheres e ao Meio Ambiente expressões simultâneas e de um mesmo ódio patriarcal contra valores biofílicos. Estamos usando estupro como metáfora muito concreta do que vemos que ocorre com os ecosisstemas, violentados pelos machos. Acreditamos que a violência desse processo de destruição ambiental e seus impactos constitui um dos ritos e pilares fundamentais da Masculinidade. Sabemos de todas problematizações sobre o uso da palavra estupro, mas a usamos em demonstração de sororidade com a Planeta e não exclusão desta de nosso feminismo, representando nossa posição ecolesbofeminista de defesa da Matriarca/Deusa Terra. Não queremos medir palavras. Precisamos gerar consciência e sensibilidade e falar a verdade.

2 Sabemos que as mulheres negras problematizam o conceito de fêmea. Aqui tentamos utilizar o termo fêmea não na sua conotação patriarcal pejorativa e especista de mulher não-humana, mas justamente o estado da pessoa que se considera hoje mulher, antes do acontecimento histórico que cria as classes sexuais homem e mulher. Isso não quer dizer que não vemos o conceito de mulher como politicamente útil e imprescindível para reconhecer o estado de opressão e a única e exclusiva sujeita do feminismo, apta para abolir e superar o Gênero por meio da destruição das classes sexuais, e pela necessidade de nos remeter a esta materialidade política.

3 Com respeito ao termo proletária, posteriormente foi problematizado como heterocentrado, porque proletária se refere à prole, coisa que somos contra (reprodução). Também não excluímos desta definição as lésbicas autogestivas porque consideramos ‘trabalho’ no sentido de produção dos meios de vida. Estamos aqui como anti-trabalho, se trabalho se considera no sentido do capitalismo atual, queremos destruí-los.

4 As questões levantadas aqui sobre as lésbicas e suas questões com o trabalho e sobrevivência foram a síntese de questões surgidas em nossos grupos de autoconsciência, o interesse em aproveitar o tema da data também se encontrou com questões que apareciam na nossa grupa e uma tentativa de sair dos pequenos espaços de encontro para levar para o mundo público e para a ação política.