A Lésbica que não somos

adaptado de La arepa chora, rádio lésbica chilena

A lésbica que NÃO SOMOS

(adaptado de la arepa chora, radio lésbica chilena)

Não somos a lésbica que parece hetero e que gosta disso.
Não somos a lésbica que restringe sua lesbiandade ao que faz na sua cama.
Não somos a lésbica que se apaixona por ‘pessoas’, não de mulheres, como se o amor romântico desintegrasse o Patriarcado.
Não somos a lésbica que se nomeia bissexual.
Não somos a lésbica que perdoa a misoginia de seus amigos gays porque eles são “tão discriminados como nós”
Não somos a lésbica que acredita que colocar saia e saltos é a revolução porque “rompe o estereótipo da lésbica feia e masculina”
Não somos a lésbica que se vale do trabalho precarizado doméstico de outras mulheres para poder fazer sua vida laboral, esportiva e acadêmica.
Não somos a lésbica que pede ao Estado segurança para seu ninho de amor heteronormado.
Não somos a lésbica que paga milhares de dólares para inseminar-se sem questionar a especulação com que a indústria médica se enriquece as custas de seu “instinto materno”. 1
Não somos a lésbica que acredita que o problema está em que algumas somos muito radicais e violentas e não no sistema radicalmente misógino.
Não somos a lésbica que quer ser desejada, nos basta com o sermos desejantes.
Não somos a lésbica que quer conseguir acordos com um mundo que nos odeia.
Não somos a lésbica que aplaude as novas masculinidades de seus amigos mas detesta uma sapatão masculina.
Não somos a lésbica que acredita que ser respeitosa é ficar calada ante a lesbofobia e o racismo.
Não somos a lésbica que acredita que tudo vai melhorar.
Não somos a lésbica que acredita que somos tod@s iguais.
Não somos a lésbica que fala de visibilização e normalização como sinônimos.
Não somos a lésbica que gosta das mulheres “bem mulheres”.
Não somos a lésbica que quer ser presidenta, policia, militar ou acionista.
Não somos a lésbica que celebra o orgulho gay.
Não somos a lésbica que celebra festas pátrias.
Não somos a lésbica que acredita na maternidade como propriedade privada.
Não somos a lésbica que se sente cômoda em sua lesbianidade de profissional de classe média.
Não somos a lésbica que acredita que a atriz hollywodiana que sai do armário se parece comigo.
Não somos a lésbica que se importa mais com se o casamento gay é legal nos EUA do que se matam indígenas na cidade em que nasceu.
Não somos a lésbica que crê que ser lésbica é apenas ter sexo com mulheres.
Não somos a lésbica que acredita que basta somente ser lésbica.
Não somos a lésbica que acredita que estar gorda é ruim para a saúde.
Não somos a lésbica que defende o discurso dos direitos humanos.
Não somos a lésbica que acredita que o aborto clandestino não é de sua incumbência. 2
Não somos a lésbica que agradece de viver em um país “mais avançado” em “temas de gênero”.
Não somos a lésbica que acredita que o feminismo é algo que passa em uma marcha, fora de nós mesmas.


1 Faltou mencionar o eugenismo/racismo dessas práticas de inseminação artificial, além de que lésbicas elitizadas chegam a promover a atrocidade que são as ‘barrigas de aluguel’ utilizando do corpo de outras.

2 Aborto clandestino é uma prática ilegal e onde lésbicas se arriscam maior parte das vezes por mulheres heterossexuais, sendo as lésbicas as que mais realizam ações diretas neste sentido e mantêm as ‘linhas de aborto’ na latino-américa, são as que mais fazem corres para que mulheres possam abortar. Também está a questão de estupro corretivo que faz com que aborto seja uma pauta que lésbicas não podem abandonar. Mas o problema está na abordagem dessa questão: não parece ser a perspectiva mais radical o aborto em si, e sim o fim da prática heterossexual e da supremacia masculina. Não entendo lésbicas e arriscando em políticas de redução de danos sem pautar a radicalização dessa discussão. Ao invés disso chegam a criar discursos liberais onde ‘celebram’ o aborto, procedimento muitas vezes traumático se realizado em condições insalubres e inseguras. Outra questão é, aborto só existe porque heterosexo existe, em muitos casos de que adianta se arriscar a conseguir abortamento para uma mulher quando isso se torna uma zona de conforto para homens da esquerda, que ficam ainda mais seguros de convencer uma mulher a transar sem camisinha, pois alguma feminista conseguirá um aborto para ela? Isso não responsabiliza os homens nem visibiliza a violência que é engravidar alguém contra sua vontade, quando homens criam falso consentimento sexual. Isso nos faz chegar a conclusão de que toda prática sexual onde mulheres saem grávidas é um abuso, pois o homem não a quis proteger e isso em si é uma violência. Não acho que aborto possa ser abordado de forma leviana, é uma discussão bem maior. Algumas chilenas chegam a reduzir lesbianidade a um simbólico heterossexual, reivindicando que ‘lesbianidade é o melhor contraceptivo’. Lesbiandade não é contraceptivo, é um projeto político radical que não se resume a sexo ou mera alternativa individual à heterossexualidade.

   

Eu acho massa esse texto. Mas também penso, que existem muitas lésbicas sem acesso à informação. Que vivem solitárias, nos seus ninhos, que precisam estar convivendo com a normatividade e normalidade inclusive pra sobreviver. Existem muitos tipos de vivências em que o feminismo não alcançou, e acho importante fazer esse recorte antes de só criticar a existência lésbica das outras. Não justifico, nem penso que está certo, não luto por isso. Mas a gente esquece, e às vezes “não sabe nem a ponta, só aponta.”