Heterossexualidade - Maj Delser

Heterossexualidade

Por Maj Delser

Maj Delser tem 27 anos e é uma lésbica separatista a viver atualmente no Chile. Ela tornou-se uma feminista radical depois de ler as obras da Sheila Jeffreys. O seu foco principal é a sororidade lésbica.

Toda a mulher pode e deve ser lésbica. Tenho noção que é uma posição controversa mas é a conclusão que emerge quando a orientação sexual é considerada uma escolha. Antes de mais, a partir de uma perspetiva feminista radical pode ser dito que a sexualidade é uma construção sexual. Isso significa que como o desejo sexual é manifestado é criado pela sociedade. Práticas sexuais mudam ao longo do tempo e espaço, logo o que é visto e vivido como uma atividade sexual varia em diferentes contextos culturais. O que as pessoas consideram sexual depende do seu ambiente cultural. O erótico é cultural. Eu não estou a dizer que orientação sexual é fluída. Primeiramente, porque não há forma de ser. Sexo e consequentemente género é uma dicotomia. Em segundo lugar, porque fluído é um termo usado pelos teóricos queer, talvez não com intenção mas certamente com a implicação de remover todo o potencial político do lesbianismo. Orientação sexual é cultural no sentido da cultura ter um nível elevado de heteronormatividade onde a socialização implica um ensinamento forte da heternonormatividade. Neste contexto de regime hetero, a única versão de lesbianismo aceite é o que é apreciado pelos políticos neoliberais (p.e. indústria pornográfica, indústria do sexo e por aí fora), portanto não é uma versão que implica potencial político. Num sistema que criminalizou o lesbianismo político, a simples ideia de lesbianismo repulsa a muitas mulheres. Mesmo quando se consideram elas próprias Feministas Radicais, não se conseguem imaginar a ter uma relação íntima sexual com outra mulher. É visto como se a opção heterossexual fosse a única possível para elas. Orientação sexual deve ser analisada em termos políticos, em vez de ser exclusivamente relacionada com desejo sexual. Nós vivemos num sistema onde a sexualidade é usada como um instrumento de opressão das mulheres. A partir de uma perspetiva radical, sexualidade é a principal estratégia usada para criar e manter a exploração sobre mulheres. Até direi mais, que a heterossexualidade é a componente mais importante desta sociedade opressora que mantém viva a subordinação das mulheres. Para manter uma sexualidade opressora, sistemas patriarcais têm um regime hétero no qual a heterossexualidade é a norma, o estado normal, a prática certa. Todas nós estamos cientes da demonização da homossexualidade na cultura ocidental. Sistemas políticos são entidades vivas. Têm as suas próprias dinâmicas e forças que garantem a sua sobrevivência. Uma das estratégias que mantém sistemas vivos é absorver as políticas que os ameaçam. Absorvem a demanda nos seus próprios termos e dessa forma deixa de ser uma ameaça (p.e. o movimento sufragista). Portanto, quando o movimento homossexual começou a ser uma ameaça, no século XIX e no início do século XX, o sistema patriarcal absorveu-o. Um dos mecanismos desta assimilação foi conceptualizar a homossexualidade de certa forma como uma condição biológica. Tal teve duas implicações: A primeira foi se alguém “nasceu assim”1, não pode ser curado. Portanto, os homossexuais tinham um argumento para se defenderem num contexto extremamente homofóbico. Mas a segunda implicação que teve foi que eliminou todo o potencial político da homossexualidade. Se “nasces hétero” – e claro que num sistema no qual a heterossexualidade é uma arma de submissão, misteriosamente quase toda a gente é hétero “por natureza” – só podes ser hétero toda a tua vida. Quando debato sobre lesbianismo como escolha, eu não estou a tentar invalidar os sentimentos que você teve na segunda classe (só deus sabe o quanto eu gostava da minha professora na primeira classe) ou até mesmo agora. Quando eu digo isso, eu quero dizer que todas as mulheres podem ser lésbicas. Heterossexualidade é talvez a principal ferramenta usada para submeter as mulheres e não há qualquer forma na qual uma relação heterossexual possa ser igualitária (eu sei o quão simpático e fantástico o teu parceiro é, mas isto não é sobre ninguém em particular, pois toma lugar ao nível estrutural, num contexto sistemático). Orientações sexuais não são inatas, toda a gente pode desaprender o desejo heterossexual pois não existe nenhum desejo sexual inato. Toda a mulher pode aprender a amar outra mulher, pode aprender sobre sororidade, sobre dar o seu melhor a alguém que não te oprime sistematicamente. Mary Daly disse: “A coragem para ver e para estar no lugar das ansiedades não nomeadas que surgem quando uma mulher começa a ver para além das máscaras da sociedade sexista e confrontar o facto horrível da sua própria alienação do seu ser autêntico” (Beyond God the Father, p.4). Esta é a coragem de ver a opressão que está por baixo da superfície de estar com “o seu querido Nigel”, a coragem de desaprender a heterossexualidade, e a coragem de descobrir o seu verdadeiro eu. 1 “Born this way”