Lésbicas Negras Separatistas - Desejo Genuíno - Vivienne Louise

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Updated by papi99 2023-11-09
 

Desejo Genuíno
Por Vivienne Louise

Queridas lésbicas brancas separatistas:

Por que lésbicas brancas não tem um desejo genuíno para aprender sobre lésbicas de descendência africana (1)?
Por desejo genuíno eu não quero dizer uma forma de aquisição cultural que leva a roubar valores, arte, etc. e possuí-los através de mentiras e deturpação. Também não estou abordando certa “gentileza” que lésbicas
brancas oferecem para lésbicas com descendência africana que, inevitavelmente, leva a um relacionamento dominador, por exemplo, professor/estudante, mentor/aprendiz. Desejo genuíno não inclui essa marca
especial do chauvinismo liberal que habilita lésbicas brancas a aceitarem, na verdade esperarem, comportamentos inapropriados da parte das lésbicas de descendência africana (2).

O que eu estou abordando é um relacionamento de iguais onde é reconhecido que cada uma tem algo para trazer ao relacionamento. Onde as diferenças são verdadeiramente acolhidas e não apenas uma aprovação fingida. E onde crescimento e o desenvolvimento cultura lésbica é reconhecido como vindo do interior e em torno de nós.

Eu tenho sido integrante de um tipo de comunidade de mulheres lésbicas/lésbica-separatistas por 10 anos. Nesses anos eu tenho ouvido esses valores sendo defendidos sem vontade espontânea para apoiá-los. O que eu não entendo é por quê.

Tenho observado certo grau de contentamento que lésbicas brancas sentem entre si. Elas se sentem em casa e completamente confortáveis com pouca ou nenhuma diversidade racial em suas comunidades. É claro, eu nunca vi
esse contentamento em seu verdadeiro estado já que minha presença sempre muda a dinâmica. Eu imagino por que elas não percebem que estão perdendo algo. Por que elas não veem que sua visão do mundo é limitada e
que, ao aceitar essas limitações, estão aceitando o mandato de seus pais brancos?

É verdade que algumas lésbicas brancas reconhecem sim a ausência de lésbicas com descendência africana. Com frequência, porém, esse reconhecimento vem de culpa ou uma tentativa de correção política. A maior parte dos atos que são provenientes da culpa são sentidos pelo ator como forçados e artificiais. Ela não está convencida pelo valor do ato nem claramente que ele terá qualquer mérito intrínseco para ela. Essa atitude nunca irá facilitar o desenvolvimento de um desejo puro para aprender uma com as outras. Isso apenas promoverá uma postura de
missionário/convertido, uma evidente dinâmica que limita o outro.

Eu sei que a maioria de nós concorda que racismo é uma forma de colaboração com o patriarcado e que as falsas divisões criadas pelo patriarcado servem para nos enfraquecer individualmente e como comunidade. (3) No entanto, essas divisões ainda conseguem correr desenfreadamente em nossas comunidades.

Lésbicas descendentes de africanos têm chamado lésbicas brancas em seus atos de racismo e atitudes, de muitas formas e em muitos espaços. Na verdade, algum progresso tem sido feito, no qual lésbicas brancas não praticam algumas das formas comumente criticadas de racismo declarado.

No entanto, o racismo se manifesta de outras maneiras, eventualmente. Se as lésbicas brancas tratam da “exclusão” de lésbicas de descendência africana, em seguida, elas geralmente invertem e forçam seus valores
culturais nessas lésbicas de descendência africana que foram “incluídas”.

Por exemplo, o formato e linguagem usados em uma reunião irão refletir valores culturais brancos, alienando aquelas não educadas ou qualificadas nessas áreas. (4)

Embora muitas lésbicas brancas tenham bons corações e intenções sinceras, elas continuam parecendo infectadas com atitudes e ações racistas. Mesmo quando elas se importam profundamente com lésbicas de descendência africana em suas vidas, elas continuam incapazes de impedir que o racismo envenene esses relacionamentos.

Exemplos são as retiradas/desistências emocionais quando uma lésbica de descendência africana procura ou deseja a companhia de outras lésbicas de descendência africana como amante, ou deliberadamente intervir entre duas lésbicas de descendência africana criando uma situação de ou um/ou outro – ou uma amante branca ou uma amiga de descendência africana. Encorajar o isolamento de uma lésbica de descendência africana de sua cultura e raízes
étnicas é um ato de genocídio, por essa lésbica ser a única enfraquecida desse modo. Eu só quero saber: por quê?

Dado que eu não sou uma lésbica branca, eu só posso deduzir através de uma perspectiva externa. Eu notei que tenho enfrentado um grande medo de lésbicas brancas quando elas estão se reúnem e algumas lésbicas de descendência africana entram nessa situação. Eu experimento esse medo como uma parede fria feita de pedra impenetrável gritando “NÃO ENTRE, MANTENHA-SE AFASTADA”. Na natureza o medo tem um cheiro particular que animais podem reconhecer. Para mim, medo é uma força passivo-agressiva que mantém o número de lésbicas de descendência africana no mínimo. Apenas a mais determinada e valente de nós poderia ser capaz de suportar a temperatura congelante desse medo generalizado.

Eu assumo que esse medo é uma atitude cultural ensinada. Qual contrato cultural está sendo pelas lésbicas brancas radicais? Talvez o medo cultural seja uma aniquilação. Se não, o que é o medo, ou mais basicamente, qual é a raiz sistemática desse racismo?

Como lésbica descendente de africanos eu vejo o racismo como um gás venenoso. Eu não posso permitir a mim mesma ser exposta a um gás venenoso muitas vezes ou acabarei debilitada e enfraquecida. Isso, por consequência, limita meu contato com lésbicas brancas separatistas, como há muito tempo venho me cansando de acompanhar a mais nova manifestação racista.

Eu acredito que uma parte de vocês pensou sobre isso e até discutiram consigo mesmas. Se sim, espero que você tenha a coragem para trazer sua discussão em um fórum mais aberto, Se não, eu espero que minhas opiniões aqui possam levar a discussão do racismo para áreas mais profundas, uma que permita as razões sistemáticas serem nomeadas, examinadas e erradicadas.

Eu tenho escrito essa carta de um lugar de desejo genuíno em juntar-se e tornar-se uma comunidade real integralmente. Eu tenho minhas dúvidas sobre tal possibilidade, mas essa carta é minha tentativa em construir uma
ponte sobre as diferenças, com honestidade em vez de gestos superficiais.

Espero que ele seja ouvido a partir desses lugares de desejo genuíno presente, embora possivelmente adormecido, na maioria das lésbicas.

NOTAS

1. Eu não usei o termo popular “de cor” por acreditar que essa referência ao povo negro ao redor do mundo torna as diferenças entre nós invisíveis. Veja meu: “De cor: o que há em um nome”, Bay Area Women’s News, Jan/Fev 1988. Como uma afro-americana eu apenas abordo as questões pela minha perspectiva. Eu não pretendo entender ou abordar as inúmeras atitudes racistas que são exibidas em relação a outras lésbicas negras. Por lésbicas de “descendência africana” eu quero dizer sobre as lésbicas comumente lidas como negras nos EUA atualmente. Descendência africana como uma identificação cultural vai além da cor da pele. No entanto, este significado NÃO inclui a teoria antropológica que toda vida surgiu a partir da África e, portanto, somos todos descendentes de africanos.

2. Uma amiga (uma lésbica de descendência africana) está convencida de que lésbicas brancas ajudam lésbicas negras a continuarem “doentes” mantendo um duplo padrão de expectativas comportamentais. O duplo padrão comportamental branco permite lésbicas afro-americanas a agirem de certas formas que não seriam toleradas por outras lésbicas afro-americanas. As lésbicas afro-americanas nunca são empurradas a mudar hábitos inaceitáveis.

3. Classicismo, preconceito etário, o fisicalismo, anti-semitismo, etc., são apenas algumas das outras divisões impostas pelos valores patriarcais. Este artigo aborda apenas a questão do racismo.

4. Eu usei o termo “valores culturais brancos” para indicar os valores culturais da classe média branca anglo-saxã protestante dos EUA. Muitas lésbicas “brancas” de classes trabalhadoras ou pobres, descendentes dos países europeus mais escuros, e judias encontram certa quantidade de alienação nesses meios também.

 
 

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