'lesbofeminismo', lesbiandade e feminismo, ódio às lésbicas e a destruição da memória feminista

desenvolvendo

algumas reflexões sobre ‘lesbofeminismo’, ódio às lésbicas e a destruição da memória feminista.

Eu vejo o feminismo lésbico como parte do radfem uma consequencia historica do feminismo radical, e ele nasce no feminismo radical. O feminismo radical nasce na segunda onda feminista. Não toda segunda onda feminista era radical – embora partilhasse de alguns princípios do feminismo radical como o pessoal é político, a prática da autoconsciência, a autonomia política do movimento de mulheres com relação à esquerda, etc , não se pode entender feminismo radical sem entender e estudar a segunda onda feminista – : a radicalidade significou se separar das estrategias reformistas do movimento de mulheres, que era pautado na agenda de direitos, de reformas legais, o que se entendia como feminismo moderado (Liberal). Assim que eu vejo lesbianismo relacionado e concomitante com o momento de radicalização do feminismo, e eu considero – enquanto lésbica feminista radical – o lesbianismo uma proposta radical. Eu o adoto e o politizo como uma estratégia, visão, ética, filosofia, radical. As lésbicas feministas encontraram no feminismo a expressão política para seu movimento distanciando-se da definição de minoria sexual e se separando do movimento gay – as questões lésbicas são questões de mulheres, a opressão lésbica está relacionada com o patriarcado. Redefiniram lesbianismo enquanto projeto político, e sim, a separação entre feminismo radical e lesbianismo por um tempo não esteve clara…. se atribuiu à Ti Grace Atcikinson (que se fez lésbica radical) uma frase então muito dita naquele momento : “feminismo é a teoria, lesbianismo é a prática”. Muitas mulheres no movimento de mulheres se fizeram lésbicas por ver no lesbianismo uma consequencia de seu compromisso feminista. Eu me vejo dentro desta tradição. Meu feminismo lésbico traduz parte de minha visão feminista radical e de meu compromisso político com as mulheres.

Eu enxergo feminismo radical como um continumm mesmo e dentro dele podemos ver uma variedade de pensamentos e filosofias políticas centrados nas mulheres. A questão que eu coloco é: o que é radicalidade? Se essa questão não se faz a uma, não entendo o sentido de carregar um título como se fosse simplesmente uma política de identitária: dizer-se uma coisa para magicamente sê-lo,radicalidade me parece um processo constante de não se deixar tragar pelo patriarcado que assimila todos desafios que se colocam contra ele. Afinal radical é aquilo que propicia transformação radical, radical é um compromisso de não cooptação, de ir a raíz. Ser radical vai muito além de ter acordo com um ponto teórico de um pensamento, como ultimamente está ocorrendo com o esvaziamento e precarização do feminismo radical como se este se reduzindo-o unicamente a uma resposta para a ideologia trans.

Penso que estão novamente tentando apagar a herstoria, com a história de ‘lesbofeminismo’, extremamente lesbofóbica por sinal, tentando injustamente dissociá-lo de feminismo radical, e com isso desmerecendo o trabalho de tantas lésbicas feministas que o fizeram possível. Que fizeram possível muitas das mulheres de hoje, poder ter acesso a esse pensamento e se dizerem feministas radicais. A minha impressão é de que a questão está, para aquelas que atiram esse rótulo (definindo as lésbicas, quando somos nós quem temos que definir a nós mesmas), com o intuito de deslegitimar uma companheira lésbica ou uma feminista que dê prioridade política a seu povo lésbico ou a sua existência lésbica, que politize uma vivência que anda 24h por dia em nossas vidas, pra tentar ‘limpar a cara’ do feminismo radical “dessas sapatão”. No senso comum se automaticamente associa feministas à lésbicas, lésbica é a palavra que se atira a toda mulher que ouse pisar para fora dos mandatos que a definem enquanto classe sexual sob domínio masculino.

Por que sapatão é facilmente associada com radicalidade? O feminismo liberal segura cartazes escrito “Nem toda feminista é uma lésbica”. Estamos as radicais para repetir o mesmo? Até mesmo no senso comum isso ocorre, radicalidade é associada à lésbicas, o feminismo mesmo é associado à lésbicas, pensa-se que toda feminista é consequentemente uma lésbica. O senso comum pensa que toda feminista radical é lésbica e confunde facilmente feminismo radical com lesbianismo político. Isso não dá pistas do que é incômodo ao sistema? E não nos revela também que ‘radfemfobia’ é também lesbofobia?

Se a supremacia masculina considera lesbianidade uma ameaça, isso dá pistas de alguma coisa. Porém a onda agora é tentar apesentar um feminismo radical moderado para ser bem aceito pela ‘maioria’ (‘todas as mulheres’ obviamente na visão destas, são, ironicamente, as brancas e heterossexuais), um feminismo radical sem potência, não-misandrico, não lésbico, não visionário, não-violento, sem fúria, sem ruptura radical com a cultura dos homens. Marxista e pragmatista. As lésbicas historicamente apenas declaram a necessidade de uma teoria e movimento próprio quando ‘saem do armário’ no movimento e decidem e reivindicam a coragem para declarar que este é um assunto político, nos anos 70. O marco mais histórico é o manifesto “A Mulher que se identifica com a Mulher” do grupo Radicalesbians. Existia um medo do lesbianismo e tentativas de negar a legitimidade de que ele fosse um assunto político. Notem que a esquerda fazia o mesmo com os temas ‘de mulheres’, e por isso que surgiu a frase ‘O pessoal é político’. A esquerda se recusava a achar que sexualidade, aborto, parto, corpo, fossem temas políticos ao invés de naturais e privados. As feministas parece que também têm uma recusa a querer aceitar que o que acham que é mera sexualidade – que na verdade é resistencia a apropriação masculina ou pelo menos é assim conotada num sistema político heterosexista e de dominação e violência masculina – não é um tema privado, mas sim político, no caso a existência lésbica.

As lésbicas e a radicalização do movimento de mulheres sempre andaram juntas. Em latinoamerica as radicais (autonomas) são todas lésbicas, nunca este movimento foi dissociado do lesbianismo enquanto movimento político. Se entende a lesbianização de uma como uma estratégia fundamental à radicalidade e autonomia. Nunca se entendeu que não deva andar junto, lesbianidade e feminismo. Foram as lésbicas que impulsaram e impulsam as perspectivas mais radicais dentro do feminismo, são as mais visionárias. São as que mais se dispôem também a construir uma cultura própria de mulheres/lésbicas. E depois, as lésbicas feministas trabalham no movimento de mulheres, e sem sua energia o feminismo não existiria. Até na época das sufragistas as lésbicas eram as que praticamente levavam o movimento de mulheres com seu trabalho. Elas quem mais dependiam deste movimento, pois ao não querer ver-se obrigadas ao casamento e ao contrato heterossexual para sobreviver, mais dedicadamente trabalhavam num movimento para emancipação das mulheres. Mas sempre se cobrou que estivessem invisíveis para não comprometer a imagem deste movimento. Sempre se diluiu a palavra ‘lésbica’ em meio ao ‘mulheres’, o ‘womyn’ era o medo de falar em lésbicas, em cultura lésbica. Sempre foram sororárias mesmo quando tentavam dedicar energias especialmente a lésbicas, não esqueciam de lutar pela libertação da classe mulher como um todo. Parece que a história se repete. Heterossexismo internalizado?

Boa parte das pricipais teoricas que se lê no feminismo radical são lésbicas feministas, assim se reivindicam e escreveram em temas lésbicos. As lésbicas feministas como Jeffreys e Raymond, Elaine Audet, e outras, são as que tocam várias iniciativas contra o tráfico de mulheres como a Coalition Against Traffic on Women. Sem lésbicas haveria militância abolicionista da prostituição?

Outro dia estavam falando em discussão, feministas radicais de países anglo-saxônicos, por exemplo, que foram as lésbicas que coordenaram e criaram os abrigos para mulheres vitimas de estupro também nos 70 e 80. O feminismo radical é e foi praticamente levado graças ao trabalho e produções, pensamento, energia, de auto-intituladas lésbicas feministas radicais. São as lésbicas feministas, afinal, que mais energicamente defendem e protegem os espaços somente de mulheres e as perspectivas e práticas separatistas. São para estas que esses espaços são muito mais imprescindíveis. Mesmo feministas que não são ou eram exatamente lésbicas como Mackinnon ou Dworkin reconhecem e reconheciam, honravam a lesbianidade como aposta feminista.

A popularização recente do termo ‘lesbofeminismo’ vem sendo usado forma de separar o feminismo lésbico como constitutivo da tradição feminista radical, como parte deste, como impulsionador deste, como inspirador deste, como movimento e pensamento fundamental a muitos conceitos teóricos que feministas radicais hoje utilizam à exaustão como ‘Heterossexualidade Compulsória’ (conceito lésbico-feminista e construído para falar da existência lésbica, ironicamente hoje em dia foi sequestrado para falar unicamente de vivências heterossexuais e apagar muitas vezes discussões e opressão lésbicas) é algo pŕoblemático. É desonestidade intelectual e irresponsabilidade ética ao tentar apagar e distorcer as nossas memórias feministas, é uma atitude profundamente heterossexista ao repetir o que sempre ocorre com a existência lésbica, na história, na literatura, nas artes, no feminismo: ser desaparecida. Textos feministas radicais são de mais fácil acesso que textos de lésbicas separatistas, lésbicas separatistas são menos conhecidas que feministas radicais, e isso se deve à heterorrealidade, ao heterossexismo. O termo ‘lesbofeminismo’ na mão do que lésbicas feministas chamariam de heterofeministas, enquanto estratégia de negação das contribuições lésbicas à teoria a que hoje as feministas ‘radicais’ recorrem para fundamentar seu ativismo, expressa nada senão o nosso antigo conhecido ódio à lésbicas.

É diferente apagar-nos de um movimento teórico e quando nós por nossa decisão decidimos nos separar desse conceito para criar uma epistemologia própria e uma autonomia com relação ao feminismo, que é o movimento que faz o lesbianismo radical em relação ao feminismo, desistindo desse projeto para apostar num projeto político lésbico, por enxergar no feminismo, finalmente, mais uma manifestação da ideologia heterossexual. Se apostamos no ataque à heterossexualidade, poupar esse regime vai nos parecer, logicamente, mero reformismo, e não estamos dispostas a entregar nossas energias em tal projeto.

E opressão não é sofrimento, ou estaremos a repetir os absurdos liberais que transformam qualquer coisa em fobia e opressão, como é o caso da ‘bifobia’ que lembra horrivelmente uma marcha do orgulho hetero. Se feminismo lésbico meche com sua zona de conforto, o feminismo radical é sobre ‘o pessoal é político’, é sobre pensar sobre como nossos desejos, estéticas, seres, vidas, foram construídos sob supremacia masculina. Isso não é necessariamente agradável. O feminismo radical não é agradável. Ela é uma reflexão crítica que se propôe à ir às raízes. Se feminismo lésbico radical meche com sua zona de conforto, aceite o desafio de pensar o que ele propôe: ver heterossexualidade como regime político, ver heterossexualização como estratégia da dominação masculina, como processo de subjetivação, ver erotização do poder como consequência de nosso estatuto de casta sexual subjugada, que como Jeffreys fala, cresce desde pequena tendo desigualdade unicamente para erotizar. Não faça reversão, lésbicas não oprimem você, lésbicas são um povo oprimido e têm direito a uma teoria e movimentos próprios. Somos um movimento radical que se propôe a romper diretamente com o cerne do problema: homens, os agentes das violações, feminicidios, abusos, incesto, guerras, ditaduras, civilizações, genocídios, crimes ambientais, desmatamentos, armas bélicas, exploração animal, capitalismo, tráfico de mulheres, e tantos outros horrores. Nossa estratégia é válida e o feminismo radical trata-se de uma discussão sobre várias estratégias válidas para enfrentamento da dominação masculina, e ele é em essência, sim, um separatismo do pensamento centrado nas mulheres. E lesbianismo é a ética de amor e energias, identificação com mulheres/lésbicas.

(…)

Lista em Construção

algumas teóricas feministas radicais fundamentais na construção deste pensamento ou pensadoras atuantes, que se reinvindicam dentro da tradição do feminismo lésbico:

lésbicas feministas radicais (algumas são lésbicas feministas negras radicais e também indígenas)

Mary Daly (lésbica separatista também)
Adrienne Rich
Audre Lorde (negra)
Sheila Jeffreys (separatista também)
Janice Raymond
Ti Grace Atikinson
Carol Ann Douglas (autora do livro Love and Politics: Radical Feminism and Lesbian Theories, fala um pouco dessa tensão)
Denise Thompson (contemporanea, autora de Radical Feminism Today e de Read Between the lines: lesbian feminism critique of feminists accounts on sexuality)
Susan Hawthorne
Kathy Miriam (bastante marxista e um pouco critica do separatismo apesar de ter feito parte deste movimento, ainda reconhece-se dentro do feminismo lésbico fortemente)
Betty McLelan (separatista)
Sonia Johnson (separatista)
Julie Bindel (separatista)
Marilyn Frye
Charlotte Bunch
Cheryl Clarke (negra)
Pat Parker (negra)
Barbara Smith (negra)
Gloria Anzaldúa (indígena)
Cherie Moraga (indígena)
Combahee River Colective (coletivo de lésbicas negras radicais socialistas)
Valerie Solanas (separatista na sua teoria, apesar de não ter participado do separatismo por ter morrido antes que ele surgisse)
Jill Johnston
Celia Klitinzer

(Lierre Keith era lésbica feminista separatista nos 70 mas hoje é lésbica token numa organização eco-anarquista carnista, o Deep Green Resistance)

lésbicas separatistas

Julia Penelope
Sarah Lucia Hoagland
Marilyn Frye
Pippa Fleming (negra)
Bev Jo
Lilian Faderman
Ana Lee (negra)
Maria C (negra)
Vivienne Louise (negra)
Naomi Littlebear Morena (negra)
e muuuitas outras

lésbicas radicais materialistas

Monique Wittig
Ariane Brunnet
Jules Falquet
várias outras do movimento lesbianismo radical da França

lésbicas feministas autonomas latinoamericanas

margarita pisano
yan maria castro
patricia karina vergara
norma mongrovejo
julieta paredes (mujeres creando)
ochy curiel
ximena bedregal
francesca gargallo
andrea franulic
maria galindo (mujeres creando)

lésbicas no pensamento vegano feminista

Marthi Keel

(ainda colocarei referencias teoricas neste texto. ele não está acabado)

algumas referencias pra irem pesquisando :

Sheila Jeffreys, A Heresia Lésbica (há boa parte do livro traduzido em https://heresialesbica.noblogs.org)
Carol Ann Douglas: Love and Politics. Radical Feminism and Lesbian Theories.
Denise Thompson: Read Between the Lines. A Lesbian Feminist Critique of Feminist Accounts on Sexuality.
Sarah Lucia Hoagland: Lesbian Ethics. Toward New Values.
Monique Wittig. El Pensamiento Heterossexual.
Sarah Hoagland e Julia Penelope: For lesbians only. A Lesbian Separatist Anthology.
Dykes Loving Dykes. Dyke Separatist Politics for Lesbians Only.
Susan Hawthorne. The Despolitizicing of Lesbian Culture.
Julie Bindel. Artigo: Whoose Politics on Sex?
Documentário Angry Wimmin.
Andrea Dworkin: Orgulho Lésbico.
Sobre 1a onda feminista e lésbicas: Lilian Faderman sobre lésbicas na Alemanha no śeculo 19. Tá no livro Surpassing the Love of Men.


(Este texto se encontra na we.riseup, esta nota é editável. Se quiser agregar mais feministas radicais lésbicas e separatistas que você lembre à lista, sinta-se a vontade)

 

quero ajuda para editar este texto.. quem puder… defendendo o ‘lesbofeminismo’.
se der pra me ajudar a fazer uma lista das feministas radicais que eram lésbicas feministas, me ajudem.

 
 

marta aliria álvarez, marta inés restrepo de medellín, colombia.

 
 

que ajuda tão precisando na grupa? qualquer coisa me manda mensagem!

 
 

as lesbicas são sempre as que levam feminismo mais a serio e que não estão dispostas a negociar nenhum ponto com o patriarcado. as que mais firmemente defendem espaços de mulheres .

 
 

a contribuição radfem hetero para o apagamento lésbico é deplorável. artigo atualizado

 
 

Eu não conheço bem esse termo “lesbofeminismo”. Quem cunhou o termo e quem escreveu sobre ele? Em qual sentido ele seria lesbofóbico? Não entendi bem.

 
 

lesbofeminismo é usado em contexto latinoamericano para designar o feminismo lésbico. quem cunhou ele negativamente e a iniciativa de gerar uma campanha de difamação contra o feminismo lésbico e dissociá-lo do feminismo radical partiu de um coletivo de feministas radicais uspiano notório em sp. a forma autoritária com a qual clamavam representar a verdadeira teoria feminista radical fez com que tivessem muito peso na hora de transformar o termo ‘lesbofeminimo’ em um termo depreciativo em meio à feministas radicais. O sentido no qual é lesbofóbica a forma que se emprega o termo ‘lesbofeminismo’ parte de feministas heterossexuais ou de lésbicas heterocentradas que utilizam ele para separar certas idéias do feminismo radical de modo a torná-lo mais aceitável em meio à feministas radicais heterossexuais num geral, tentando separar principalmente a crítica à heterossexualidade da teoria feminista radical ou tornando certos conceitos como ‘heterossexualidade compulsória’ em conceitos heterocentrados, como se referissem exclusivamente sobre a vida das mulheres heterossexuais e sua socialização, sendo que uma vez estes foram cunhados pelas lésbicas para entenderem sua opressão, e logo, nos apagando.

 
 

Entendi, obrigada furi@. Não estava por dentro disso.

 
   

é o poder do RUMOR né chapa, outra vez este como categoria de análise válida e inovadora, sempre destruindo nossas histórias de mulheres, distorcendo (tegiversação como fala a franulic), sempre pra tentar afastar outras mulheres por meio da disseminação do medo e do pânico em torno à lésbicas, de um caminho de radicalização, ameaçador pra esse status quo reformista do patriarcado/feminismohetero.