problematizando o dia das 'lesbianas conversas' chileno

13 de janeiro, dia criado para celebrar as 'lésbicas convertidas', lésbicas por escolha política, pelo movimento lésbico chileno.

Soube que os países próximos de língua espanhola estiveram celebrando recentemente um tal dia das ‘lesbianas conversas’, lésbicas convertidas. Lésbicas que são lésbicas por ‘escolha política’, que foram ‘convertidas’ à lesbiandade – termo que achei de mal-gosto e cristão.
Eu acredito sim que a sexualidade é socialmente construída, assim como a sexualidade das mulheres heterossexuais, que ninguém nasce heterossexual e sim se torna, que a sociedade investe MUITO para construir uma mulher como hetero.
PORÉM, esse dia me pareceu também ter o potencial pra muitas atrocidades.
Eu JÁ ACHO que existe uma objetificação suficiente das lésbicas no feminismo, e o lesbianismo em si se tornando fetiche político. As feministas heteros tratando lésbicas como ‘cura hetero’.
Não somos salvadoras de mulheres heterossexuais.
Parece que a lesbofobia é tanta que somente há valor numa política e movimento voltado para lésbicas se ele for sobre mulheres heteros. Sobre CONVERTER mulheres heteros.
Primeiro, eu não tenho menor interesse em mulheres heteros e muito menos feminilizadas. Ser lésbica não significa pra mim ‘gostar de mulheres’ e sim gostar de LÉSBICAS.
Segundo, quando vamos ver um movimento lésbico que paute em primeiro lugar, as lésbicas, principalmente as que sempre foram, as que sempre se fuderam pela lesbofobia, sem movimento feminista pra falar sobre heterossexualidade compulsoria, e que não tiveram privilegio de se assumir ‘por opção’ dentro dum movimento daora e até de certa forma positivo pra isso (em termos)?
Emfim, as lésbicas são inexistentes no feminismo, a não ser que sejam instrumento politico. Até falar em butch ou em lésbicas que nunca estiveram com homens é tomado com hostilidade, como algo que ‘deslegitimasse’ as lésbicas que se assumiram depois.
Eu já fui super rachada e cansei de ser hostilizada por pautar essas questões.
Eu sei que toda mulher pode ser lésbica. Eu não entendo feministas que caem em discursos biologicistas como ‘lésbica não é escolha nasci assim’. Ok eu acredito, mas isso não quer dizer que a heterossexualidade seja natural. Isso é Cultura. Patriarcal.
Eu não acredito em orientações sexuais, mas em construções sexuais. E ser lésbica não é política identitária, é resistência. Tenh sido consciente ou não. Na maioria das vezes não é uma resistência de forma consciente, mas basicamente é uma resistência à atrocidade da feminilização.
Mas isso não quer dizer que não haja uma atualidade do mundo onde há um sistema heterossexuais, e subjetividades heterossexualizadas, e que elas não exerçam opressão.
O feminismo é totalmente hostil ao debate sobre privilégios que essas subjetividades possam portar. Mas qualquer corporalidade lésbica sabe que existe muita diferença entre as vivências, que somos privadas de muitas coisas até básicas, e que esses benefícios do sistema, embora não apaguem a condição da mulher hetero como oprimida, por outro lado sim a reconhecem e conferem até direitos básicos que fazem toda diferença.
Essas subjetividades heterossexuais devem ser responsabilizadas pela opressão que exercem e pelas condições diferenciais de favorecimento pelo sistema que possuem. E aí incluo as heteros em relação à lésbicas, que embora o feminismo negue (eu sou lésbica radical e acho o termo feminismo desgastado embora faça parte da minha visão um feminismo lésbico), existe sim uma relação de poder de mulheres heterossexuais para com mulheres lésbicas.
Nossos corpos, sexualidades, nossa energia e nosso esforço ativista não existir para ‘converter heteros’. Deve ser sobre nós mesmas. Sobre quem tá mais vulnerável, que nunca é pautada pelo feminismo, que não tem nenhuma política sobre, que nunca é visível: as lésbicas, as butches, as sapatonas, as lésbicas despolitizadas, pobres, sem acesso a feminismo, etc.
È uma heresia para o feminismo colocar as lésbicas em primeiro lugar nas nossas políticas lésbicas. Temos que pedir licença para existir, temos que ser aprovadas se nossa teoria e politicas possam ser apropriadas por mulheres não-lésbicas.
Em que dedicamos nossa energia? Qual nosso projeto político lésbico?
Está muito bem que heteros queiram viver de forma lésbica, mas que o façam de forma responsável. Um dia para fingir que é lésbica, acessar corpos lésbicos e no outro retornar à homens, parece algo bastante depreciativo…
E se ‘tornar lésbica’ sem entender o quanto isso pode ser colonizatorio, se responsabilizar do lugar que uma ocupa, de seus privilégios em relação a outras lésbicas, das vivencias diferenciais, que tanto o feminismo e lésbicas que se assumem depois negam, é importante. Entender o quanto uma leva uma construção heterocentrada depoiis para políticas lésbicas, surgindo depois esses festivais de análises e ações heterocentradas e violentas para com lésbicas partindo de lésbicas heterocentradas.
É polêmico e pouco aceito o que eu quero compartilhar, mas eu acho que lésbicas e mulheres heteros devem pensar sobre seus lugares e as opressões que podem exercer. Entender a opressão das butches e lésbicas que o são de longa data, entender os efeitos da feminilização e da formação heterossexual nas relações com outras lésbicas, parar de ver lésbicas e relações lésbicas, lesbianidade, como um paraíso livre de problemas ou como fuga de problemas das relações heterossexuais, emfim parar de ver lésbicas de forma fetichista e questionar a visão estereotipada que pode acabar se levando, querendo higienizar com feminismo as lésbicas, tratando butches como ‘mulheres que querem copiar homens’ e vendo como predadoras sexuais e outras fantasias heterossexuais que se pode carregar ou haver internalizado da sociedade.
Falei o que pensava, espero que encontre eco com alguém.