Apagamento da lesbiandade de Marielle Franco + trecho de lesbian ethics de sarah lucia hoagland

traduzido por raposa


(foto por coletiva visibilidade lésbica, rj)

“Lésbicas tem, acredito, uma relação particular com a opressão. Lésbicas são espancadas, são negadas a ter emprego, moradia, custódia de filhas e filhos; somos expelidas das universidades, internadas em hospícios, somos alvo de experimentação, assassinato e enfrentamos todo tipo de brutalidade que outras pessoas enfrentam sob diferentes formas de opressão. Mesmo assim, ainda que os efeitos sejam similares, penso que a opressão contra as lésbicas se distinguem de outras formas de opressão.

Em minha estimativa, lésbicas como um grupo não são primariamente marcadas como bodes expiatórios como, por exemplo, a opressão dos judeus foi construída. Lésbicas como um grupo não são primariamente caracterizadas de inferiores e retrógradas culturalmente como ocorre na justificativa de sistemas escravistas ou de exploração econômica. Lésbicas não tem suas terras roubadas para serem delimitadas e realocadas em reservas como ocorre na opressão contra os nativos norte-americanos. E lésbicas não são primariamente caracterizadas em relação a outros de forma que se defina nossas identidades como completas e nossa natureza preenchida através da subordinação de nossas vidas aos membros da sociedade dominante, como acontece na opressão contra as mulheres. A FORMA da opressão lésbica não é, em primeira instância, uma RELAÇÃO.

A sociedade paterna, ao invés disso, NEGA formalmente a existência lésbica: uma lésbica é descrita como uma mulher (heterossexual) que odeia homens (odiadora de homens/misândrica); o lesbianismo é tido como uma fase na vida de uma mulher (heterossexual); a lésbica é vista como uma mulher (heterossexual) que não é capaz de conquistar um homem; a lésbica é taxada como um homem no corpo de uma mulher (heterossexual). […] E a ideia de mulheres amando mulheres é, então, impossível, inconcebível”

O presente trecho de Éticas Lésbicas (Lesbian Ethics) de Sarah Lucia Hoagland me remeteu instantaneamente ao fato de que a mídia, em grande parte, pretendeu negar a existência de Mônica, a companheira de Marielle. Programas e manchetes jornalísticas de massa não mencionaram sequer uma vez o fato de que Marielle era ativista LÉSBICA, negra, periférica. Ela estava confrontando o genocídio contra o povo negro e marginalizado, e também estava confrontando a lesbofobia! Em seu último pronunciamento aos parlamentares, Marielle afirmou a palavra LÉSBICA inúmeras vezes e enfatizou o combate contra os lesbocídios que acontecem no país. Expôs a atrocidade do fato de que, por semana, em geral, uma lésbica é assassinada, por ódio. Isso contando que nem todas, provavelmente, chegam ao conhecimento da população.

Até mesmo dentro dos movimentos sociais e de grupos autoproclamados feministas (heterossexuais) a lesbofobia se manifestou no sentido da invisibilização e hostilidade contra as lésbicas que estão denunciando o crime como de ódio racista, fascista e lesbofóbico! Mulheres hostilizando lésbicas por dizermos a verdade que o patriarcado sempre buscou e sempre buscará negar: NOSSA EXISTÊNCIA E RESISTÊNCIA. Pessoas quiseram espalhar a falsa notícia de que Marielle era uma mulher bissexual. O que quem sabe o mínimo sobre o ativismo dela vai notar rapidamente que não é realidade. Um grande desrespeito e uma grande hipocrisia são as palavras que consigo usar para definir tamanho mal gosto!
E como se não bastasse, rumores e difamações circulam a respeito de anos remotos da vereadora.
Porém RESISTIMOS, de luto, LUTAMOS! Não permitiremos que a existência das lésbicas negras que vem confrontando e sofrendo as mais drásticas consequências da violência policial seja esquecida!

Marielle Presente!

filosofialesbica.tumblr.com/post/172003897790/marielle-e-mônica-presente


arte de raposa

Para quem ainda disputa em rede social que Marielle era bissexual, eu digo: heterossexualidade compulsória empurra mulheres a homens e consiste em um esforço constante apagar a existência lésbica. Quando não nomeamos as caídas nessa guerra contra as mulheres pelos homens, estamos assassinando as lésbicas pela segunda vez. E quanto a tantas antepassadas que sequer puderam dizer seus nomes antes de serem queimadas pelas fogueiras, de padecerem nos campos de concentração, ou saber que podiam existir como tal? Como recuperar as histórias lésbicas, senão nomeando, para além de uma política de identidade grotescamente banal?

“Éramos duas mulheres que não se encaixavam no estereótipo do que rotulavam como sapatão. Havia riscos na favela. Era perigoso. ‘Vocês gostam de mulher porque não conheceram homens de verdade’. ‘Você nunca conheceu um peru de verdade.’ Ouvimos isso muitas vezes. Às vezes, vinha de amigos mesmo. Mas, quando vinha de estranhos, era amedrontador. Além de tudo, temíamos a possibilidade de um ‘estupro corretivo’.”

A pressão ao redor, ao lado de dificuldades financeiras, acabou colocando o relacionamento em xeque. “A gente terminou muitas vezes, voltou muitas vezes.” Monica teve relacionamentos com outros homens e outras mulheres; Marielle, com outros homens. “Buscar relacionamentos com homens era uma forma de simplificar a vida. Eram histórias mais fáceis de se viver.” Mônica sobre sua relação com Marielle em entrevista ao BBC

LÉSBICAS EXISTEM