Uma aposta para o futuro

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UMA APOSTA PARA O FUTURO

A organização anarquista, o Estado Islâmico,
a crise e o espaço sideral

JOSEP GARDENYES, outono de 2015
Texto original em espanhol

Os sucessos e as deficiências do Anarquismo

Num momento em que o anarquismo está crescendo pelo mundo, também encontramos, curiosamente, uma sensação cada vez maior de cinismo, perda e crise existencial vividas tanto individualmente quanto coletivamente. E, ao que parece, é maior que o ciclo geracional de esgotamento típico das últimas décadas. Muitas das táticas anarquistas de destruição e confrontamento (por exemplo, as formas de atacar e gerar distúrbios com os rostos cobertos) foram adotadas por muitas pessoas de fora do círculo anarquista. E em lugares como Egito, Grécia, EUA, Brasil ou Espanha sabemos que a passagem destas táticas foram em parte diretas. O silêncio no qual a sociedade tentou enterrar o anarquismo durante décadas acabou sendo definitivamente quebrado. Em diferentes países como Grécia, Chile ou EUA, anarquistas tornaram-se uma força política, capaz de influenciar os discursos sociais e desmascarar, pelo menos, algumas das defesas discursivas que os Estados democráticos usam para alcançar seus objetivos. E aqui, na Espanha, vimos o fenômeno do #yotambiensoyanarquista (#eutambémsouanarquista), através do qual milhares de pessoas se posicionaram no lado dos ana rquistas que não apenas foram reprimidos como também rotulados pelo Estado como “terroristas”.

Entretanto, as ideias e práticas positivas do anarquismo não seguiram adiante. E não foi por desconhecimento. Pelo contrário, em vários movimentos sociais que criaram experiências e conflitos importantes, as práticas de tomar decisões em assembleia, o consenso e a rejeição de partidos políticos e representantes foram momentaneamente generalizadas, para logo em seguida serem abandonadas. E a autogestão espalha-se cada vez mais, porém distanciando-se de um horizonte revolucionário, reivindicando ao invés disso rentabilidade, produtividade, o dinheiro e outras ferramentas capitalistas, disfarçando este caminho cego com uma falsa sofisticação, como podemos observar no setor mais dogmático da Cooperativa Integral Catalana (que, para sermos sinceros, também inclui muitos projetos importantes e radicais).

Cada vez mais companheiras em cada vez mais países passaram por conflitos surpreendentes nos quais todas as mentiras sagradas foram questionadas. Novas cumplicidades e amplas relações de solidariedade se abriram e as forças da ordem perderam o controle; mas, depois, tudo voltou a ser como antes, talvez com alguma diferença na configuração ou nos disfarces do poder.

É verdade que as lutas, como tudo na natureza, são cíclicas e precisamos aprender agir de acordo com essa ciclicidade. Nesse sentido, companheiras do CrimethInc fizeram uma compilação de textos sobre o que fazer “Depois da Crista”, recentemente traduzidos para o castelhano. Mas a inquietação atual vai muito mais longe, pois acreditamos que estamos na beira de perder nossa chance de intervir nos conflitos em andamento e frustrar as tentativas do capitalismo de adaptar-se a novas crises, que vêm relampejando pelo mundo e são transtemáticas, entrelaçando as arenas da ecologia, economia, ideologia, política, tecnologia e cultura.

Precisamos analisar com urgência as deficiências do anarquismo que está no auge nos últimos anos. Por que existe tão pouca cumplicidade com as práticas positivas anarquistas?

Não podemos culpar a falta de disseminação, embora mais propaganda sempre ajude. Os mecanismos da propaganda anarquista melhoraram muito na última década. E de uma forma alheia a nossa própria atividade, tendo em vista as reações da sociedade oficial à nossa presença, muitos acadêmicos e celebridades acabaram mencionando e até aderindo às ideias anarquistas. Hoje, livros radicais podem se tornar bestsellers, como “A Revolução que Vem”, do Comitê Invisível, provou. Não digo isso para celebrá-lo, mas para evidenciar que, em muitos países pelo menos, qualquer pessoa que queira conhecer as ideias anarquistas pode fazê-lo.

O Estado Islâmico

Não podemos, tampouco, culpar a distorção midiática por espalhar uma ideia errada do que é o anarquismo. A mídia fabrica suas difamações e suas narrativas policiais constantemente, e elas devem ser levadas em consideração, mas seria vitimismo jogar nela a responsabilidade pelo nosso isolamento. Podemos usar uma comparação para colocar o problema em perspectiva: na mídia, ninguém recebe pior cobertura que os fundamentalistas islâmicos. Eles são descritos como terroristas dos mais extremos e monstros. Mesmo assim, uma grande porcentagem da juventude marginalizada na Europa simpatiza ou mesmo apoia diretamente os movimentos jihadistas. É claro que eles tendem a ser imigrantes de países muçulmanos, mas muitos deles nasceram aqui (na Europa) e a “Europa democrática” não os convenceu. E também encontramos uma importante porcentagem de europeus convertidos ao islã fundamentalista. Na verdade, é um fenômeno muito significante para o nosso tempo que o movimento antissistêmico mais atrativo seja o jihadismo. Ou sendo mais preciso: atrativo para alguns e totalmente repulsivo e horripilante para outros.

Como os jihadistas fazem seu recrutamento? Majoritariamente através de meios como o Twitter e fóruns de internet, ferramentas que anarquistas vêm usando por anos, sem alcançar resultados similares.

Se uma comparação entre a propaganda do Estado Islâmico e a do anarquismo parece absurda ou mórbida, ou se ela lembra as operações pseudo-intelectuais de jornalistas e acadêmicos da direita tentando ligar diferentes tipos de subversão, é porque o seu propósito é satírico. Hoje, o sistema composto pela polícia e a mídia novamente obriga anarquistas a interpretar o papel de terroristas, pelo menos em certos países. Mas esse é um elenco que ridiculariza o próprio diretor, porque no espetáculo do terrorismo nós anarquistas não temos nem como competir: não estamos à altura das jihadistas. É como se o Chuck Noris, depois de derrotar uma invasão alienígena de insetos com três metros de altura, armados com lasers e motosserras, tivesse que dar conta de um entregador de pizza mal-encarado. Não produz uma boa sequência.

O fantasma do terrorismo anarquista também ridiculariza aquele camaradas que colocam muita importância na prática dos atentados (ataques que funcionam como “propaganda pela ação”) – numa era em que o Estado está cada vez mais capacitado em absorver e tirar vantagem dos choques causados pelos atentados de forma muito mais devastadora do que nós mesmos – e aqueles que imaginam-se como os inimigos inquebráveis do Estado – numa era em que a guerra é cada vez mais unilateral. Talvez os nossos ataques precisem assumir um novo sentido simbólico e uma nova relação com os conflitos sociais. Eles não são as investidas mais importantes numa guerra dramática,1 mas um tipo de antimáquina que introduzimos nas brechas dos conflitos sociais, para que elas generalizem-se e sabotem a materialização das relações de poder.

Entretanto, a sátira é acima de tudo direcionada àquelas companheiras populistas que tentam reproduzir os sucessos da propaganda de qualquer entidade, não importa o quão distante do anarquismo, como acontece com os partidos de esquerda e as empresas de marketing. Eles nunca ousariam copiar a fórmula de recrutamento do Estado Islâmico, não por uma crítica de incompatibilidade entre métodos anarquistas e autoritários (o que também os impediria de copiar as técnicas de marketing e de recrutamento organizadas pelos partidos políticos), mas por causa de um impulso acrítico de fugir de coisas que gerem mídia desfavorável, da mesma forma que fogem daquelas práticas anarquistas que também são estigmatizadas pela mídia.

O sucesso do Estado Islâmico refuta qualquer tentativa de culpar a difamação, a ignorância e a mídia desfavorável pelos fracassos do anarquismo.

Se existisse alguma coisa atrativa no anarquismo, ela brilharia por si mesma, não importando as campanhas difamatórias da imprensa. Não encontraremos nossos defeitos na disseminação e na propaganda. As ideias anarquista não estão escondidas. Pelo contrário, elas não estão sendo procuradas. Elas não são distorcidas, senão que ninguém se importa de torná-las claras. Se não estão triunfando é porque não são úteis.

Se o fracasso do anarquismo tem como consequência o aparecimento de novos partidos de esquerda, como veremos mais a frente, podemos dizer que o fracasso das insurreições do banlieue (os subúrbios pobres da França, onde as maiores revoltas estouraram em 2005, semelhantes às revoltas em seguida na Inglaterra) contribuíram para o jihadismo. Em ambos casos, grandes setores da sociedade falharam nas suas tentativas de auto-organizar suas lutas, e consequentemente, procuraram pelo poder para alcançar as mudanças que queriam.

Assim, o poder em si é um elemento chave. Um movimento sem poder social, como o anarquismo, que, além disso, busca dissolver ou descentralizar o poder, não pode copiar as fórmulas de um movimento que exerce poder de fato. Um peixe teria mais chance aprendendo a se mexer com um pato.
O poder sempre atrai mais seguidores que uma ideia bonita, e graças à situação geopolítica no Oriente Médio e às políticas extremamente míopes dos Estados Unidos (já há alguns anos em decadência irreversível), os jihadistas foram capazes de agarrar uma quantidade significante de poder e de se mostrar como a oposição mais dedicada e feroz aos símbolos e líderes presumidos do sistema global atual.

E aqui encontramos a verdadeira importância da figura do terrorismo jihadista. Desde 1991 e a queda da União Soviética, o sistema-mundo capitalista sente falta de uma dicotomia de opostos para modular e recuperar todos os movimentos dissidentes. O capitalismo liberal foi mais efetivo em países desenvolvidos e também em escala global, enquanto o capitalismo de Estado (URSS, China, Cuba, etc.) foi, pelo menos, tão efetivo em países subdesenvolvidos, onde movimentos revolucionários tinham uma possibilidade de abolir o sistema econômico (o capitalismo nesses países precisou do Estado para impulsionar o seu desenvolvimento, e também para institucionalizar ou neutralizar as forças dissidentes que poderiam interrompê-lo).

Durante décadas, todos os movimentos sociais do mundo tinham que se subordinar a um desses dois paradigmas, ousando, no máximo, constituir uma oposição leal. Desde 1921 – com a iminente vitória bolchevique na Guerra Civil Russa e a derrota dos movimentos revolucionários na Itália e Alemanha (graças à burocracia dos partidos comunista e socialista, como também dos sindicatos libertários), que inaugurou uma realpolitik estatista entre as lideranças da URSS, as quais por décadas dedicaram-se a sufocar qualquer movimento revolucionário que não pudessem controlar ou que não respondessem aos seus interesses geopolíticos – o horizonte revolucionário havia se extinguido. Qualquer movimento de rebelião estava condicionado a aceitar os preceitos e o patrocínio de um dos dois polos dominantes. E a “liberdade” do primeiro polo e o anticapitalismo do segundo eram ambos mentiras.

Daí em diante, anarquistas estavam completamente marginalizadas. Esquerdistas ingênuos, aliados a um desses polos, denunciariam sua suposta falta de pragmatismo, enquanto a direita os acusaria de serem agentes comunistas. O anarquismo perdeu completamente o seu protagonismo. Essas dinâmicas somente se acentuariam na Guerra Civil Espanhola, aquele breve florescimento de esperança no último país onde o proletariado ainda não havia recebido o aviso de que a revolução havia sido derrotada.

Em 1991, pela primeira vez em setenta anos, não havia uma dicotomia global capaz de modular as revoltas. Os malvados desapareceram e com eles desapareceu qualquer esperança de que os vencedores tivessem que se mostrar como bonzinhos. As misérias do sistema apenas aumentavam e já não havia mais a quem culpar. As primeiras linhas autônomas de luta que apareceram vieram dos movimentos indígenas, tanto em Oka como em Chiapas. Elas também estiveram subordinados às políticas da esquerda, com consequências desastrosas, tanto para as vítimas dos genocídios socialistas quanto para os iludidos que optaram pela paciência democrática. Em seguida, o movimento antiglobalização apareceu e dentro dele anarquistas ganharam cada vez mais protagonismo e influência. O outro polo num novo antagonismo global havia começado a se definir por si mesmo. Sua tensão interior era entre aqueles que tinham muitos recursos e pouca legitimidade, e que propunham a legitimidade de algumas instituições dominantes contra outras, e aqueles que projetaram um horizonte revolucionário e um caminho baseado na horizontalidade de auto-organização.

Em 2001, com os atentados jihadistas contra as capitais econômicas e políticas de Nova Iorque e Washington, o sistema-mundo adotou um novo paradigma baseado mais uma vez numa dicotomia de opostos: entre democracia e terrorismo. Como todo paradigma, este não surgiu do nada. Seus laboratórios foram países como Espanha ou Alemanha que já possuíam políticas integrais antiterrorismo (mais avançadas que as tentativas anêmicas de Reagan ou Clinton de instalar o antiterrorismo). Mas a partir de 2001, ela se desenvolveu tomando a forma de uma conjuntura de narrativa moral, discurso político, mandatos institucionais, vínculos entre Estados e recursos juridico-militares que qualquer governo aliado com as potências globais poderiam lançar mão. 2

É importantíssimo reconhecer que estamos novamente a ponto de perder qualquer possibilidade de protagonismo ou influência nos conflitos globais. Portanto, precisamos analisar as diferenças entre o velho e o novo polo do mal. Por um lado, o terrorismo é muito pior, muitos mais terrível que o seu predecessor. Somente pessoas de uma identidade bem específica podem ser seduzidas pelo jihadismo, muito diferente de todos aqueles seguidores ignorantes e acríticos, aqueles lambe-botas que a URSS ganhou da esquerda mundial. As pretensões necessárias de liberdade e igualdade do bloco liberal, durante a Guerra Fria, em geral limitaram as capacidades repressivas dos Estados ocidentais com respeito às suas dissidências internas. Tinham que trabalhar arduamente para se mostrarem mais justos que os Estados comunistas, dadas suas enormes desigualdades. Agora, estas mesmas dinâmicas não acontecem mais. Os Estados de hoje precisam fazer muito pouco para se diferenciarem dos aparentemente bárbaros jihadistas. Novamente, é um choque de civilizações, mas desta vez se os malvados parecem tão extremamente incivilizados, os mocinhos podem se safar com um grau ainda maior de barbaridade, acima de tudo se vierem com uniformes esplêndidos, tecnologias impessoais e o posicionamento estratégico militar ordenado e disciplinado, como pudemos ver este outono em Paris e em outras capitais europeias.

Além disso, a figura do jihadismo é muito menos inclusiva que o comunismo. É pouco factível para a direita acusar as anarquistas de serem agentes do fundamentalismo islâmico, ou para a esquerda de acusá-las de serem pouco pragmáticas por não apoiá-la, como nos acusaram por não apoiar o Estado comunista. Por outro lado, pelo mundo, a maioria das pessoas marginalizadas nunca se sentiram identificadas com o fundamentalismo islâmico (embora exista um bilhão de pessoas as quais organizações como o Estado Islâmico estão procurando representar e influenciar como correligionárias).

A nova dicotomia possui outra fraqueza: totalmente oposta à dicotomia que reinava durante a Guerra Fria, a presente foi construída numa era em que as principais potências mundiais desfrutam de muito pouca legitimidade e confiança. A figura inflada, avara e arrogante dos Estados Unidos em 2001 está muito longe da heroica protetora da liberdade das duas Grandes Guerras. E a Europa de 2015, a da austeridade, da corrupção, das fronteiras sangrentas, não parece nem um pouco melhor.

Em outras palavras, vivemos num mundo onde os poderosos estão tentando esconder e esmagar revoltas, o desejo de liberdade e os movimentos revolucionários sob o pretexto de antiterrorismo. O antiterrorismo ainda convence, ainda mobiliza as pessoas e serve para justificar mais repressão e controle, mas ao mesmo tempo, este é um mundo em crise, no qual a maioria das pessoas inquietas, das pessoas raivosas, das pessoas precárias estão em dúvida sobre em qual dos dois polos de poder confiar. É uma dicotomia feita para ser desmontada, para permitir-nos, uma vez mais, criar um espaço autodefinido de luta e liberdade.
Ainda assim, parece que poucas anarquistas perceberam que atacar o antiterrorismo, discursivamente e na prática, irá não apenas desmobilizar uma das mais potentes armas do arsenal estatal, mas pode também ser nossa única chance de recuperar nosso protagonismo, autodefinir uma subjetividade de negação e rebelião, e lançar caminhos revolucionários para os próximos anos.

Lutar contra a dicotomia de opostos do terrorismo de uma posição anarquista pode nos colocar em contato com aliados inesperados, como prefigura o crescimento da solidariedade com o movimento de libertação curda, dado que os verdadeiros oponentes e vítimas dos fundamentalistas do Estado Islâmico pelo Sul Global terão que ou se aliar com o Ocidente ou desenvolver suas próprias visões anarquistas. Na verdade, o Estado Islâmico tem muito a ver com o Syriza e o Podemos; as diferenças mais chocantes são meramente em função do nível de violência que tem sido considerado normal nas sociedades em que nasceram, e da relativa legitimidade que tal violência concede aos discursos e práticas de vingança.

Os escritos de Osama Bin Laden demonstram que a Al Qaeda era majoritariamente uma tentativa de abrir espaço para um capitalismo islâmico. Seu objetivo sugere imediatamente uma predisposição para cooptar e liderar os amplos movimentos anticoloniais nos quais a organização surgiu. Na verdade, a necessidade geopolítica original da Al Qaeda de lutar contra a URSS e os EUA prenunciava a situação histórica subsequente. Nos anos 1960 e 1970, os movimentos anticoloniais ganharam a independência (e perderam qualquer possibilidade de liberdade) recorrendo a uma das duas potências mundiais para obter ajuda e proteção. Ao terminar a Guerra Fria, esses movimentos, ainda aturdidos com seus êxitos fracassados, se encontravam desamparados. A organização descentralizada e sem Estado da Al Qaeda foi uma adaptação necessária para uma situação mais insegura. Para que pudessem exercer uma relação de vanguarda, tendo em vista a falta de direção dos movimentos anticoloniais (que neste momento se preparavam para sua fase anti-globalização), a Al Qaeda teve que espalhar uma ideologia que promovesse a pureza ortodoxa (os fundamentalistas islâmicos fizeram o mesmo papel que os marxistas fizeram antes) e usar táticas espetaculares para capturar a atenção mundial (da mesma forma que grupos como o RAF e as Brigadas Vermelhas ganharam a hegemonia em amplos movimentos).

Em ambas frentes, o Estado Islâmico os ultrapassou, convertendo uma rede descentralizada em uma estrutura de Estado. Enquanto a Al Qaeda simplesmente eclipsava outros elementos dos movimentos de resistência no Afeganistão, Iraque e em outros lugares, o Estado Islâmico tem a possibilidade de monopolizar a resistência, dizimando quaisquer elementos que se oponham tanto ao fundamentalismo quanto ao Ocidente. (Incidentalmente, o fato de que o Estado Islâmico centralizou uma rede descentralizada e deu ao Ocidente o que sua lógica militar convencional há muito suplicava – um Estado inimigo – sugere o envolvimento dos serviços secretos ocidentais na sua criação; entretanto, ao contrário dos conspiradores malucos, temos que insistir que não faz muita diferença, pois em qualquer caso, aquilo a que anarquistas se opõem – a lógica estatal – estaria igualmente presente).

Da mesma forma, o Syriza e o Podemos surgiram do meio de movimentos descentralizados mas perdidos, sobre os quais rapidamente impuseram hegemonia, transformando-os em forças estatistas. O fato de que eles espalharam miséria através do instrumento da lei e não de bombas ou facas é uma diferença estética mais significativa para cientistas políticos do que para pessoas interessadas em emancipar-se.

A Crise

O capitalismo está numa crise profunda. Não é a primeira vez e não será a última, porém a novidade é que esta crise de acumulação se sobrepõe a uma crise planetária, quer dizer, com o fracasso escancarado dos ecossistemas que sustentam a vida neste planeta. E também é a primeira vez que uma crise de acumulação ocorre num mundo com armas nucleares, na qual não está claro quem será o próximo poder político a organizar o sistema-mundo e na qual a potência que chegou ao seu crepúsculo ainda possui a força militar para liquidar qualquer competidor que busque tomar o seu lugar. Aos poucos, os Estados Unidos vão perdendo sua hegemonia, incapazes de impor sua vontade no Sudeste asiático, no Oriente Médio, na América do Sul e no leste europeu. Apesar de tudo, eles mantêm a força para assegurar que nenhuma outra potência possa impor uma nova hegemonia. Se eles não conseguirem fazer um acordo para compartilhar poder num novo sistema global, meia dúzia de países possuem a capacidade de explodir o planeta para garantir que ninguém fique com nada.

A expansão industrial liderada pelos Estados Unidos após a II Guerra Mundial, alcançou sua conclusão nos anos 1970 e desde então a expansão financeira tem gerado tanta mais-valia que não há onde colocá-la. A maioria das atividades econômicas migraram para países como a China, Coreia do Sul, Vietnã, Singapura, Malásia, Turquia e Brasil. Porém, as estruturas e instituições de gerenciamento econômico permanecem na América do Norte e na Europa Ocidental. E várias dessas estruturas foram seriamente abaladas por falências e escândalos relacionados à crise de 2008. Os supostos líderes mundiais não conseguem mais oferecer um lar seguro para o Capital.

Uma recessão e um colapso da magnitude da quebra de 1929 foram apenas evitados, por enquanto, pela migração massiva de capital para os mercados imobiliários – o mais adequando para a especulação e absorção de quantias enormes de capital – da China, Turquia e Brasil. A bolha está prestes a estourar.

O Espaço Sideral

O que pode evitar que ela estoure? Se o padrão vigente na economia global desde o século XV continuar, somente uma nova expansão industrial. Onde tal expansão poderia acontecer, e em que matéria? Não está claro. Existe um novo processo de industrialização capaz de absorver a maior quantidade de capital líquido da história e também produzir lucros? A produção descontrolada de smartphones e bugigangas semelhantes não alcançaram o que era necessário – nem de longe – e estes produtos já estão chegando aos cantos mais pobres do mundo. E quais são os novos territórios que podem ser desenvolvidos? A África parece ser o único continente que poderia ainda receber um intenso processo de desenvolvimento capitalista, mas não é grande o suficiente – nem em população, nem em território – para absorver a quantidade inimaginável de capital líquido que está nesse momento procurando investimento; nem imaginamos que se for investido na África ele seja capaz de produzir lucros imediatos.

É preciso entender que com cada expansão, a quantidade de capital em jogo aumenta exponencialmente. Em contraste, a população do mundo não está crescendo tão rápido e o planeta não cresce em absoluto. Na verdade, a capacidade energética e biológica do planeta necessária para sustentar o processo econômico de sua mais ingrata espécie está diminuindo.

Logicamente, o único país que não foi conquistado pelo capitalismo, o único terreno capaz de receber sua próxima expansão é o espaço sideral. Dizemos isso com toda seriedade: será através da mineração de asteroides e da terraformação de Marte (transformação da atmosfera e superfície de um planeta para torná-lo semelhante à Terra). O capitalismo está com problemas aqui, e talvez seja nossa única esperança para tornar a crise atual em um golpe que leve à ruína do sistema-mundo ao invés de servir como ímpeto para mais uma restruturação: pela primeira vez na história, pode ser que a crise de acumulação tenha chegado antes das tecnologias necessárias para a próxima expansão econômica. Ainda restam alguns tantos anos para uma colonização rentável do espaço sideral.

A Imaginação

Aqui vemos onde o Estado nos colocou em xeque. Desde muito tempo, ele matou a capacidade popular da imaginação. Há cem anos, haviam imaginários revolucionários muito vivos. Insistimos em que tais imaginários sejam indispensáveis para uma revolução, que nenhuma insurreição pode crescer e superar os seus obstáculos internos sem um imaginário revolucionário amplo e compartilhado e sem uma imaginação popular capaz de adaptar esse imaginário, de forma descentralizada, de acordo com as necessidades da luta.

Os imaginários revolucionários morreram afogados em sangue nas batalhas da Primeira Guerra Mundial, um drama mórbido que demonstrou a fraqueza fatal da classe proletária; e também foram sufocados pelo cinismo bolchevique depois de sua contrarrevolução russa, que demonstrou que as instituições de poder são mais fortes e determinantes que a classe, e que o proletariado pode facilmente ser educado para servir como opressores.

Ultimamente, a imaginação, ou seja, a capacidade de gerar novos imaginários, atrofiou até quase morrer graças às técnicas do Espetáculo, à indústria do entretenimento primeiramente modelada em Hollywood e mais recentemente nos novos dispositivos tecnológicos: computadores, videogames e aplicativos, que tão poucos revolucionários apontaram como seus inimigos mais ferozes.

Com a morte da imaginação, quem conseguirá resistir quando o capitalismo oferecer novos mundos? No momento em que ele alcançar seu sonho interessado e revelá-lo como mais um passo em direção à exploração, talvez muitas revolucionárias também se arrependam das suas posturas ingênuas, vagas, acríticas, populistas e covardes a favor da tecnologia. Porém, será tarde demais.

Colapso ou Tecnossocialismo

Se o capitalismo não conseguir ressuscitar-se e empreender uma expansão industrial antes que a bolha especulativa estoure, acabaremos tendo que enfrentar uma pobreza muito mais extrema que a que já conhecemos.

Estamos preparados para resistir à emigração e à fome, à desintegração de nossas frágeis comunidades devido à miséria extrema? Ou não estamos nem pensando nisso? Não estamos apostando numa ruptura violenta e catastrófica com o sistema capitalista que atualmente nos alimenta? Ou imaginamos que conseguiremos seguir comendo de supermercados, que haverá uma transição suave entre o sistema de dinheiro e empresas e autogestão total, que após uma greve geral ou evento similar desmontaremos umas barricadas, consertaremos alguns danos e continuaremos vivendo como antes, só que sem leis ou patrões?

Existe uma outra possibilidade: um colapso controlado em direção a um tecnossocialismo pior que a mais horripilante história de ficção científica. A destruição da infraestrutura e de valor sempre foi uma atividade importante para o capitalismo. A devastação produzida por uma guerra ou uma decadência que constitui o primeiro estágio da gentrificação são vitais para facilitar um crescimento econômico posterior. Neste sentido, novas tecnologias em desenvolvimento pela Google e a Apple apresentam uma chance de abrir caminho para o capitalismo atualmente estagnado.

A Internet das Coisas poderia ser meramente um aumento sem precedentes do nível de controle tecnológico; finalmente, a realização da sociedade panóptica. Porém, ele poderia evoluir para um tipo de tecnossocialismo, ou seja, uma racionalização extrema dos processos econômicos, substituindo, por fim, os interesses de curto prazo da burguesia (da época anterior do capitalismo) e das multinacionais (da época atual, que pode estar chegando ao seu fim). Para entender isso mais claramente, podemos pegar o exemplo dos novos carros inteligentes (smartcars). De acordo com a lógica atual, eles seriam apenas outro produto: um carro elétrico e automatizado que dirige sozinho; um modelo de carro mais caro, mais fetichizado, disponível para os consumidores mais ricos; outra invenção que daria à companhia que detém sua patente uma vantagem efêmera no mercado.

Mas, se a abordagem – especialmente da Google – que busca uma racionalização transformadora através de novas tecnologias vira realidade (e, no momento, o único obstáculo é a incerteza de se os Estados irão apoiar ou impedir esta transformação, já que a tecnologia existe), estaremos de frente a outra possibilidade. O carro inteligente, para pegar esse exemplo, não seria mais um produto a ser comprado por indivíduos de acordo com a lógica da propriedade privada em vigor. Novas tecnologias permitiriam que o carro inteligente funcionasse como uma propriedade coletiva-alienada distribuída da maneira mais eficiente possível (como exemplo temos o primitivo modelo do Bicing em Barcelona*). Através de um aplicativo, reservaríamos uma viagem e o carro inteligente viria lhe pegar. Você pagaria uma cota, já que o carro não te pertenceria, mas ele seria um aspecto da própria cidade.

Então, quais seriam as consequências desse tipo de organização tecno-econômica? Para além do desaparecimento das companhias de táxi, seria o fim – ou pelo menos uma redução crucial – do empreendimento capitalista mais importante do período pós-guerra: as fábricas de automóveis e as companhias de petróleo. Isso permitiria um “decrescimento” significante como um caminho para a expansão capitalista. Pela primeira vez, a destruição sistemática que faz parte da expansão cíclica capitalista não seria o resultado semi-descontrolado de um processo de guerra ou decadência. Ao invés disso, ele surgiria de uma restruturação racional por excelência. A propriedade coletiva-alienada e os algoritmos que gerenciam-na permitiriam a utilização e a distribuição mais eficiente da totalidade dos veículos, de modo que eles sempre estariam em uso ou recarregando. Isso possibilitaria uma grande redução no número total de veículos e na infraestrutura de transporte. Colocando de outro modo, nos encontramos de frente a um modelo de expansão capitalista (a produção de novas tecnologias, a transformação total das cidades) que é completamente compatível com a precariedade (qualquer consumidor pode se deslocar sem possuir seu próprio veículo, cada pessoa pode se virar consumindo menos) e com a crise ecológica. E mais, o mesmo conceito de propriedade coletiva-alienada, com gerenciamento hiper-racional, pode ser posto em prática com respeito à moradia, educação, e outros pilares fundamentais que prendem as pessoas exploradas à economia.

Justamente como Jason Radegas e Lev Zlody (2001) previram, o socialismo de Marx não foi possível segundo a evolução das forças produtivas, mas segundo a evolução das forças do controle social. A propriedade coletiva sempre foi praticável, mas apenas agora a propriedade coletiva-alienada poderia virar realidade: uma propriedade distribuída de acordo com uma lógica coletiva, compartilhada, mas que é desenvolvida e controlada pelas estruturas de poder.

O fascismo

Até agora, insistimos na ideia de que o antifascismo é – e tem sido desde os anos 1920 – uma estratégia da esquerda para controlar movimentos e frear as lutas verdadeiramente anticapitalistas. Ele também sempre foi um fracasso se o pensarmos como uma luta contra o fascismo. As estratégias propriamente anarquistas para combater o fascismo eram muito mais efetivas, porque entendiam o fascismo como uma ferramenta da burguesia – e nesse sentido, da democracia -, e dessa forma eles atacaram diretamente o fascismo não no ponto onde ele entrava em conflito com a democracia (direitos, liberdades civis, moderação), mas onde ele convergia com os interesses dos proprietários e governantes. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o antifascismo tem se baseado em exagero, pânico e erro, como uma análise mais sóbria do fenômeno do neofascismo em países como Rússia, Grécia ou Espanha bem demonstra. O fascismo foi reduzido a um fantoche e a uma arma minoritária dentro do arsenal democrático.

Porém, se uma crise ainda mais forte chegar, se a metodologia democrática do gerenciamento do capital quebrar e for deslegitimada, será que o fascismo voltaria? Não desconsideramos a possibilidade, mas prevemos que isso só acontecerá em poucos países menos cosmopolitas, onde líderes e tecnocratas com perspectivas globais não possuem interesses estratégicos e tampouco entendem muito bem as particularidades culturais (como a Hungria ou Bulgária) Em geral, vemos duas possibilidades: sua sobrevivência na democracia, na qual o neofascismo é tolerado como uma ferramenta minoritária (como na Alemanha) ou suprimido/admoestado se ele ousar exceder seu mandato muito limitado (como na Grécia ou Rússia), e na qual as ditaduras não-fascistas são tolerados na periferia, sempre com a esperança de que um dia irão se tornar uma democracia estável; ou o surgimento de uma nova estruturação político-econômica do poder.

Fazemos essa previsão porque o fascismo é o resultado de uma relação de classes muito específica, na qual uma burguesia nacional se une com elementos da classe média, com organizadores de sindicatos ou de movimentos sociais e com instituições como a imprensa e os militares. Porém, hoje as burguesias nacionais não existem como atores poderosos e independentes. O totalitarismo do sistema-mundo atual é uma tecnocracia, um totalitarismo do material incorporado nas arquiteturas sociais e na organização tecnológica da vida. Em suma, ele é totalmente compatível com a democracia e não tem nenhuma necessidade de carismas nem de alianças conscientes ou pactuadas entre classes, com seus protagonistas indispensáveis e atores proativos. É claro que isso só mudaria com a emergência de um modelo de sistema-mundo não apenas superior mas também promovido por uma potência capaz de derrotar e substituir a potência e o arquiteto do sistema-mundo atual; ou com o colapso do sistema em que vivemos e a ausência de qualquer alternativa hegemônica.

Sobre Classes e Tecnocratas

Em todo caso, o colapso é apenas uma possibilidade. Entretanto, a crise e a austeridade já estão aqui. Precisamos contra-atacá-los e para isso temos que criticar o neoliberalismo que atualmente predomina no pensamento dos tecnocratas e líderes de Estado. Porém, esta tarefa não será realizada pelo jeito fácil, de retratar o neoliberalismo e a austeridade como o grande mal quando eles são apenas mais uma faceta do capitalismo. Porque, se o capitalismo resolver essa crise evitando um colapso econômico, a prosperidade voltará e teremos perdido – companheiros populistas: tomem nota! – toda a força e influência ganhas através de discursos oportunistas que buscam afinidades e simpatias superficiais através do falatório do mal da crise, do mal da austeridade. Não podemos esquecer o quão solitários estávamos na era do crescimento econômico, quando éramos praticamente os únicos que protestavam contra o capitalismo.

A resistência do capitalismo global em face a um possível colapso demonstra que as estruturas atuais de gerenciamento econômico (FMI, bancos centrais, Reserva Federal, bancos privados protegidos pelos tesouros estatais) são muito mais fortes agora que em épocas anteriores. E a habilidade do Estado chinês – um possível sucessor como líder global – de evitar ou ao menos protelar a explosão de uma bolha financeira no seu país e o colapso do seu mercado de ações salvou, até agora, a economia global que se tivesse ficado nas mãos do eixo Wall Street – Washington já teria fracassado. Para nós, isso reflete a maior capacidade tecnocrática de um Estado mais centralizado para direcionar a acumulação de capital e gerenciar os seus excessos.3 Um sistema de partido único tem claramente menos possibilidades de frear e recuperar a revolta popular, mas talvez essa não seja mais a principal preocupação dos governantes. Se o modelo chinês triunfar nos próximos anos, já temos uma imagem da organização do poder no futuro. Ao contrário, se a democracia não for ultrapassada, o fascismo também não irá desaparecer, pois o fascismo é o antagonista intrínseco (ou seja, o irmão pequeno, o complemento) da democracia. Uma democracia forte suaviza o fascismo, uma democracia fraca usa-o como uma ferramenta subordinada, enquanto uma democracia fracassada sem estrutura político-econômica que se supere se rende a ele.

Tudo isso sugere, pelo menos para uma leitora astuta, uma importante mudança na estruturação do capitalismo e da sociedade de classes anterior. A sociedade de classe mudou. Isso é um fato. Uma classe de investidores burgueses unidos por interesses de classe (os quais são interpretados subjetivamente por cada um) e divididas por competição e distintas afinidades nacionais, funciona muito diferente de um sistema de redes de instituições e empresas tecnocráticas onde as ações individuais são moduladas por um funcionamento institucional impessoal, e no qual uma gigantesca parte dos fluxos de capital está automatizada e gerida por algoritmos. Esta diferença é evidente em todos os níveis: as relações entre Estados (ou ninguém percebeu que não houve guerras entre os grandes Estados, como aquelas que marcaram os séculos anteriores a 1945?); a diminuição da importância de capitalistas individuais; a proporção de capital fixo e líquido controlado por entidades inumanas/institucionais; a forma como as grandes corporações funcionam mais com instituições público/privadas do que empresas dirigidas por um capitalista; o aumento do poder das instituições e burocracias em face a indivíduos ricos ou políticos carismáticos; o declínio da importância da figura do burguês como proprietário ou investidor; a grande flexibilidade e o desaparecimento de linhas fixas entre trabalhadores e patrões/gerentes de capital e da disciplina de trabalho; o crescimento astronômico da importância de gerentes, diretores, especialistas e outras espécies de tecnocratas, e um longo etcétera.

Infelizmente, uma análise detalhada dessas mudanças, fora dos círculos de especialistas e acadêmicos sem perspectivas revolucionárias ou experiências de conflitos nas ruas, não tem sido comum.4 Alguns até atacam dogmaticamente as tentativas de perceber e entender essas mudanças, seja por apego quase religioso à figura do proletariado, evidente entre companheiros como os do Proletarios Internacionalistas ou uma irrisória combinação de ignorância e arrogância presente em textos como “Cuando se señala la luna”.

O resultado dessa falta de investigação são camaradas que propõem que a crise é apenas um show e uma conspiração, e muitos outros que não pensaram nas possíveis saídas da crise que os poderosos dispõem.

Para dizê-lo de uma forma mais clara, embora também simplista: a austeridade, que começou logo após a crise dos anos 1970 e assinalou o fim da expansão industrial e o começo da expansão financeira, reflete a necessidade vital do capitalismo de abrir mais esferas da vida e da sociedade para o investimento do capital líquido excessivamente abundante que ele gerou. A privatização é uma forma de abrir mais infraestruturas e instituições para os investimentos. A austeridade não evita a crise – já que a acumulação de capital é infinita e o investimento bem-sucedido de mais-valia somente gera mais mais-valia que precisa ser investida ou será perdida -, ao invés disso, ela prolonga-a. Porém, os gerentes do capital são incapazes de fazer qualquer outra coisa, da mesma forma que pessoas morrendo de fome matarão a galinha ao invés de esperar que ela ponha ovos.

Frear com a austeridade e dar outra vez prioridade para subsídios sociais, os poderosos poderão parar o avanço de uma revolta popular. Mas, no momento, e com boa razão, eles temem muito mais um colapso econômico – que é inevitável, até que uma fronteira até hoje desconhecida seja aberta para a expansão econômica – do que uma revolta popular, já que, ao que parece, ela é meramente uma possibilidade distante. Mesmo que comecem a temer uma revolta, eles não podem parar de olhar para novos terrenos para investir seu capital. Então, continuarão pressionando pela austeridade. E somente um Estado economicamente autossuficiente (e nem a Alemanha, que evitou o aumento do seu orçamento com os empréstimos, como fazem os EUA, atende a esse critério) seria capaz de resistir à pressão, ou um Estado suficientemente poderoso para quebrar com as normas imperantes e descumprir com os grandes credores.

As Promessas da Esquerda

Neste panorama, os novos partidos da esquerda prometeram o que eles são incapazes de conseguir: acabar com a austeridade sem destruir o capitalismo. Como dissemos, a austeridade só pode acabar através de uma nova expansão capitalista ou de uma revolução social que finalmente derrube as incorrigíveis dinâmicas internas do capitalismo. E como mostrou muitas vezes a História, o Estado não é capaz de destruir o capitalismo (a não ser que apareça um sistema ainda mais explorador) porque o Estado é um aparato de alienação e dominação que é obrigado a abastecer-se e alimentar-se através das estruturas mais eficientemente exploradoras. Se você impõe sua vontade com uma arma, a única coisa que você nunca irá fazer é fechar a fábrica de balas. Um povo autossuficiente não gera a mais-valia alienável que o Estado necessita para se financiar e impor suas decisões.

Nós anarquistas estamos perfeitamente posicionadas para indicar a incoerência e o irrealismo da esquerda, mas estamos perdidas numa grande confusão. Em parte, ela é ideológica. A recusa de muitos anarquistas em desenvolver críticas profundas e sensatas à democracia e à tecnologia os converte em promotores empolgados dos principais eixos de controle social que o Estado dispõe nesta conjuntura tão decisiva. Apelam a estes valores tão fundamentais do sistema atual de dominação por medo, por preguiça, por oportunismo e por falta de qualquer análise escrupulosa. É muito mais fácil “chegar ao povo” denunciando os políticos da vez do que questionando os pilares da própria sociedade. Hoje em dia, qualquer pessoa que critica a democracia ou a tecnologia se expõe à pior marginalização e perseguição. Na sinistra simulação de uma estratégia, estes populistas se rendem às exigências do próprio sistema e fazem apologia aos valores que o seu suposto inimigo lhes ensinou e não lhes permitirá questionar.

Porém, mais que ideológica, a confusão é psíquica. Após os golpes repressivos, depois de presenciar tantas vezes como cada êxito que conseguimos se desvanece por motivos que ainda não terminamos de entender, ficamos cansados. Sem a imaginação, não temos nenhum horizonte revolucionário. Sem uma análise renovada global, não entendemos o que está acontecendo com o mundo ao nosso redor. E sem ânimos não podemos gerar projetualidades conflitivas que nos permitam aprender enquanto agimos. Ficamos estagnados, paramos, perdemos nossas energias em iniciativas dedicadas ao fracasso.

As propostas anarquistas

Os novos partidos de esquerda, desde o Podemos ao Barcelona en Comú, surgiram da morte do movimento 15M. Pelo menos em Barcelona e Madrid, a participação anarquista ajudou a vencer os partidos de esquerda e os políticos de base na sua tentativa de centralizar o movimento e utilizá-lo exclusivamente para exercer pressão institucional. Sim, uma parte do movimento organizou manifestações em Madrid e em Bruxelas para exigir a reforma constitucional, mas em geral se manteve a recusa aos partidos políticos, dirigiu-se a maioria de suas energias para os protestos mais diretos e em Barcelona, pelo menos, a coisa caminhou para assembleias de bairro e outros espaços mais difíceis de centralizar. E as assembleias de bairro formaram parte de um grande laboratório para a radicalização das greves, o apoio a lutas anteriormente parciais e isoladas, a definitiva derrota do pacifismo e a melhora dos métodos de comunicação, difusão e assembleias.

Os políticos de base não conseguiram capturar o movimento nem se aproveitar de suas estruturas; criaram seus novos partidos depois da morte do movimento das praças. Estes partidos alimentaram-se precisamente da decepção popular, do pensamento de que todo aquele movimento não havia servido para nada. Portanto, poderíamos dizer que nós anarquistas tivemos êxito na negação das manobras de institucionalização das lutas, mas experimentamos um fracasso completo no momento de introduzir nossas propostas nos espaços sociais emergentes. Algumas de nós ficamos envergonhadas porque nossas ideias eram muito ousadas e outras por carência de visão e de propostas em si mesmas. Outras ainda, que eram mais radicais, foram tão frágeis que nem sequer souberam expressar e por em prática suas ideias em espaços onde também existiam ideias contrárias às suas. Por acaso as ideias anarquistas não podem ser defendidas quando entram em contato com ideias reformistas? Cederam os novos espaços aos reformistas sem nem ao menos travar a batalha.

Foi uma conquista importante que muitas daquelas assembleias não tenham se convertido em espaços centralizados de decisões unitárias capazes de representar e controlar todo um movimento. Mas, não soubemos lançar propostas anarquistas que pudessem servir a outras pessoas dentro das assembleias descentralizadas que ajudamos a criar. Ao fim, os institucionalizadores das lutas ganharam o conflito, mesmo tendo que esperar alguns anos.

Conseguimos – e não foi graças a nós mesmos, mas devido à capacidade anárquica latente nas próprias pessoas – um primeiro passo em direção à auto-organização da sociedade. Mas as pessoas, e com alguma razão, esbarraram com a inutilidade das assembleias autônomas. Agora, com menos razão, voltam a depositar suas esperanças nas estruturas democráticas, apostando desta vez em novos representantes e novos partidos. Sem dúvida não é nossa responsabilidade, como iluminados, mostrar às pessoas como devem organizar suas vidas nem aproveitar-nos das assembleias. Mas vivemos num mundo no qual todas as pressões estruturais nos afastam da auto-organização e nos conduzem à representação e à passividade. Se nós, anarquistas, que passamos todo o dia pensando nessas coisas, não fomos capazes de conceber nem de por em prática naqueles espaços multitudinários as propostas que correspondiam a nossos próprios desejos e necessidades, como ousamos culpar os outros por não o havermos conseguido?5

Quais poderiam ter sido as propostas anarquistas para a auto-organização? Hipoteticamente é impossível dar as respostas mais inteligentes a esta pergunta. Somente a partir da prática e da inteligência coletiva seria possível desenvolver os caminhos mais adequados. Porém, pode-se oferecer algumas sugestões para não ficar na abstração.

A experiência das Xarxes de Suport Mutu – as redes de apoio mútuo, um modelo de pressão coletiva como respostas para problemas de moradia e trabalho, desenvolvido em Seattle e que apareceu primeiro no bairro barcelonês de Clot – foi interessante. Deu lugar a batalhas pequenas mas importantes, porém, ao final demonstrou a falta de paciência generalizada entre as anarquistas e a grande dificuldade, na sociedade atual, para evitar dinâmicas de assistencialismo. A maioria dos grupos deste tipo renderam-se em pouco tempo, em vez de fazer um trabalho profundo no bairro para encontrar outras pessoas com problemas econômicos e vontade de resistir.

A Plataforma de Afetados pelas Hipotecas (PAH) teve mais êxito neste sentido, mas muitas vezes ao custo de emperrar qualquer avanço em sua própria luta. Estamos falando de demandas e visões reformistas, discursos criminalizadores e não solidários a outras formas de luta (o uso da autodefesa e dos distúrbios contra os despejos, o uso da ocupação de casas que não pertencem aos bancos) e uma recusa a criticar a propriedade privada ou a inclusão de pessoas que pagam aluguel. As minoritárias Plataformas de Afetados pelas Hipotecas e pelo Capitalismo (PAHC) superaram algumas dessas limitações, mas a organização geral ficou com poucas possibilidades fora da via eleitoral, assim como com poucas perspectivas ilegalistas, dado que pouquíssimos anarquistas (e aqui me incluo) participaram nesta organização de ação direta e discursos reformistas.

Dentro de um espaço mais amplo como um assembleia de cidade ou de bairro, existia a possibilidade – não testada – de transformar este modelo para que deixasse para trás os traços de grupo ativista especializado e adotasse características mais radicais e combativas. Em seu momento, o exemplo das auto-reduções nos bairros proletários da Itália doas anos 1960 e 1970 fui muito importante. Teria sido um modelo interessante: se eles cortam os serviços sociais, em vez de exigir mudanças no âmbito das leis, vamos instaurar nossos próprios cortes, não pagando impostos sobre produtos ou o transporte público, pagando somente metade do gás, da água e da luz, do aluguel, etc. Um espaço amplo teria sido ideal para organizar iniciativas desse tipo, porém não foi feito. Deixou-se as questões da miséria e da precariedade para serem geridas por cada um de forma individualista e isolada.

Sim, houve manifestações em Barcelona contra o aumento da tarifa do transporte público, mas a resposta foi dominada por uma assembleia reformista que nós anarquistas não éramos capazes de contrastar, mesmo sendo os organizadores mais ativos das sucessivas campanhas no metrô e no ônibus. Fora alguns protestos pontuais, a proposta do transporte público gratuito só foi posta no nível da propaganda e não da ação. E aí nos perdemos em questões muito importantes mas pouco úteis no momento, sobre uma cidade anarquista (isso existiria?) e o transporte ideal (teria algum transporte ideal?). As poucas vezes que propusemos um transporte gratuito, nós mesmas quase não acreditávamos na proposta, já que não estávamos convencidas de que as cidades e os metrôs existiriam no nosso mundo ideal, e tampouco tivemos essa conversa – a da revolução – com nossas vizinhas e companheiras de assembleia. Aos nossos próprios olhos éramos umas sonhadoras sem fundamentos práticos, de modo que mordíamos a língua inclusive quando fazíamos nossas propostas. Não propomos que se negasse a pagar – não como proposta pontual, mas todos os dias – como medida de contra-ataque, e não entendemos as assembleias como um espaço para propor e organizar tais medidas.

Existiam todos os elementos para uma luta exitosa no metrô e no ônibus: novas tecnologias para tornar visível e evitar os controles (fiscais); associações ou seguros solidários para pagar multas em coletivo; raiva popular contra a subida dos preços e a turistificação, precarização e gentrificação generalizadas na cidade; assembleias em todos os bairros para organizar propostas fora do controle dos partidos políticos e plataformas de pactos; e ainda uma capacidade difusa de sabotagem. Teria sido possível vinculá-la com a luta contra as fronteiras (dado a cumplicidade dos seguranças do metrô em identificar e bater em imigrantes) e com a luta contra o aumento do controle social (dado a prevista implementação de um sistema integrado de rastreamento e vigilância por toda a rede de transporte público). Teria sido possível que ganhasse a forma de sabotagem contra as tecnologias de controle no metrô, a abertura das estações, a desabilitação das máquinas de bilhetes e uma massiva propaganda fomentando o catracaço, uma ação que beneficia todo mundo, que fomenta a ilegalidade e que não se remete a um pactismo com as autoridades. Em vez disso, foram feitas manifestações pontuais que bloquearam as linhas de transporte, apenas incomodando as pessoas que não queriam passar ainda mais tempo se deslocando entre o trabalho e sua casa, e com o único objetivo de pressionar a TBM (administração do transporte público) e a prefeitura a implementar uma mudança.

Uma campanha exitosa desse tipo teria podido servir como um passo em direção a um grande acontecimento, como uma greve de aluguéis. Uma greve assim exige muito mais compromisso que a greve geral de um dia, tece vínculos de solidariedade mais fortes entre seus participantes e também gera oportunidades para o combate (que talvez seja a única vantagem sobre as espetaculares greves gerais), dado que os vizinhos têm que defender-se contra os inevitáveis despejos. Sim, uma greve de aluguéis está muito longe de acontecer, mas não tão longe como a revolução. O que nos falta não são possibilidades, mas seriedade.

Paralelamente a estas atividades de construção de poder coletivo e contra-ataque imediato contra a miséria, faltariam atividades mais ideais, focadas em criar espaços próprios onde as relações sociais que queremos pudessem começar a florescer. Praças e hortas ocupadas, redes de intercâmbio e dádiva, oficinas. Neste sentido, sim, temos exemplos: o Ateneo de Oficios de Poble Sec ou o Ágora de Juan Andrés no Raval; os dois projetos aumentaram bastante a intensidade e as possibilidades das lutas nessas zonas, mas o seu reconhecimento como exemplos importantes não foi muito amplo.

E em seguida, sempre existem os projetos e as atividades – tanto destrutivas como construtivas – que somente surgirão de grupos anarquistas mais ou menos afins. São imprescindíveis, mas se as linhas paralelas não se encontrarem em espaços amplos e heterogêneos, ficarão isoladas e com poucas possibilidades de conseguir seus objetivos.

Resumindo: as pessoas não se distanciam do anarquismo porque acreditam nos dogmas estatistas. Acreditam nos dogmas estatistas porque estão obrigadas a reproduzi-los. As crenças não determinam as ações da maioria das pessoas, mas, ao contrário, suas ações determinam suas crenças. Acreditarão no que resulte mais cômodo enquanto tiverem que viver sob as imposições do Estado.

Dada essa sociedade-prisão, o anarquismo não será espalhado com mais ou melhor propaganda. Será espalhado se puder exercer força contra as estruturas dominantes, se conseguir por em práticas suas ideias – ao menos de forma limitada – e se elas puderem ser úteis para as pessoas na sua vida cotidiana. As primeiras pessoas a erguerem a bandeira da anarquia numa sociedade sempre são as sonhadoras, mas nós não somos tão especiais. Tendemos a ser pessoas mais sensíveis – de uma forma ou de outra – e para nós o anarquismo é útil desde o início, precisamente porque não aguentamos a vida nesta sociedade, com todas as suas mentiras e imposições. O anarquismo corresponde às nossas necessidades psicossociais. As outras pessoas não são cegas às mentiras e imposições, mas elas aguentam-nas e inventam a si mesmas as desculpas adequadas. A necessidade de sobreviver é um dos argumentos mais fortes e razoáveis que existe e, hoje em dia, é o Estado quem garante a sobrevivência da população.

Populismo e suicídio revolucionário

Nem as tarefas dos grupos de afinidade nem as propostas práticas em espaços heterogêneos constituíram o maior esforço de uma grande parte dos anarquistas nos últimos anos. Pelo contrário, cada vez mais companheiros estão se dedicando ao suicídio revolucionário. Ao nosso ver, o maior problema do anarquismo atual é o populismo.

Se apostamos numa tensão entre as necessidades sociais e antissociais da luta, reconhecemos que o auto-isolamento é a maldição das companheiras que não sabem superar as contradições da posição antissocial, e o populismo é a maldição das companheiras que não sabem superar as contradições da posição social.

Se, fora do meio anarquista, os novos partidos de esquerda são a consequência da morte dos movimentos contra a austeridade, dentro do meio anarquista sua consequência é o populismo. Pode-se perceber uma angústia, um medo, uma reação aos êxitos eleitorais de algumas ativistas que antes estavam nas assembleias ou em manifestações conosco.

Os companheiros que estão presos numa posição antissocial reagem à previsível e eterna dinâmica da institucionalização isolando-se ainda mais. Se algumas pessoas dos movimentos heterogêneos contra a austeridade (ou anteriormente contra a globalização) atualmente estão na política, os antissociais se aferram a essa tragédia mundana apontando-a como a prova de que a participação em tais movimentos foi um erro. Assim, demonstram a fragilidade de sua posição e a falta de radicalidade de sua visão. Os esquerdistas com sua mera presença conseguem distanciá-los dos conflitos sociais, os quais são sempre sujos, complexos e sempre atraem oportunistas e institucionalizadores. Os que se acham “mais radicais” estão buscando espaços puros de antagonismos – coisa que não existe -, porque não sabem defender ideias e práticas radicais em espaços heterogêneos.

Por outro lado, os populistas sentem seu isolamento mas não entendem as raízes dele. Com um conjunto de métodos equivocados, fundamentados numa debilidade crônica e uma amnésia histórica realmente muito trágica, estes anarquistas populistas caem numa fuga desenfreada para frente, o que eles chamam de “chegar nas pessoas”.

A maioria dos populistas que conheço tem menos contatos com gente fora do gueto que uma típica anarquista antissocial. Vi alguns fracassarem como insurrecionalistas e agora estão fracassando como organizadores de massas. Não chegaram às pessoas em absoluto. Entretanto, estão obcecados em “sair do gueto” e vivem satisfeitos (ilusoriamente) por serem mais consequentes que os outros anarquistas, nós que ficamos no gueto.

Para começar, não entendem o que é o gueto nem de onde ele vem. Não podemos ser mais categóricos: o gueto é construído unicamente pelo Estado. Não entender este fato básico é ignorar por completo a natureza da sociedade atual. Para eles, o gueto significa viver em uma okupa porque é legal, se vestir de preto, ir de vez em quando a manifestações e conversas, e colar em festas para beber cerveja barata e tomar uma droguinha nos lugares típicos do nosso meio.

Mas nem todas temos a mesma experiência. Algumas de nós começamos a ocupar porque não tínhamos dinheiro para pagar um aluguel. Vestimos a roupa que conseguimos reciclar ou roubar. Não vamos a festas, nem insultamos nossos corpos com drogas, e conhecemos nossas vizinhas. Tenho amigas que alugam e trabalham em empregos normais e também estão metidas no gueto, igual a mim.

Então, o que é o gueto? O gueto é ter que mentir sobre quem somos para que não nos mandem embora de nossos trabalhos. É ter que esconder os detalhes de nossas vidas quando falamos com pessoas desconhecidas. É ter que fingir sermos pessoas normais quando buscamos um apartamento, realizamos trâmites burocráticos ou cruzamos fronteiras. É saber que podem nos tachar de terroristas e jogar-nos na cadeia.

Esses são os muros do gueto. São estruturas sociais que nos controlam, nos castigam e nos isolam. Me parece míope que os companheiros populistas não saibam disso. É uma mostra de sua grave falta de seriedade e de uma posição cômoda onde nunca foram buscar os verdadeiros muros de sua prisão.

E sim, faz todo sentido a categoria “pessoal normal” como categoria que exclui a nós mesmas. A pessoa normal é a pessoa normalizada, que segue as normas de sua sociedade. Ser anarquista não é normal. E o que fazem com as pessoas que não seguem as normas de sua sociedade? Pois então: jogam-nas em um gueto.

Podemos decorar os muros de nosso gueto e até colocar azulejos para que fiquem mais legais – como fazem muitos rebeldes estéticos – ou podemos perfurá-los com pequenos buracos para poder passar mensagens. Mas é totalmente errôneo pensar que esse gueto fomos nós que construímos. Enquanto o capitalismo existir, também existirá o gueto. Ele é apenas mais uma estrutura integrante da sociedade espetacular e do próprio Estado.

Os populistas não estão saindo do seu isolamento. Na verdade, fora do gueto as pessoas estão muito mais isoladas que dentro dele. Dentro, pelo menos, existem práticas de solidariedade e apoio mútuo mais vivas que na sociedade normalizada. Antes da revolução, só existe uma maneira de sair do gueto que é normalizar-se, acatar as normas da sociedade. E parece que os companheiros populistas estão fazendo isso cada vez mais.

No populismo, fica evidente o abandono das práticas radicais. Os proponentes de várias iniciativas de organização de massas na Feira do Livro anarquista de Barcelona, em 2015, sabiam disfarçar muito bem suas palavras para não dizer barbaridades alarmantes. Insistiam que não estavam rebaixando seus discursos nem suas práticas, mas ao mesmo tempo defendiam constantemente que era importante diluir os discursos e as práticas anarquistas para “chegar às pessoas”. Porém, vários de seus seguidores, que não sabiam policiar sua língua tão bem como um político, faziam em seguida uma equivalência direta entre “sair do gueto” e “abandonar a autogestão” para reivindicar as instituições públicas.

E falando de abandono de princípios, nos últimos anos tem-se visto uma nova aposta no municipalismo, tanto dos partidos, organizações e plataformas de esquerda (como a CUP****, Arran e a Barcelona en Comú), como de grupos libertários, como o Embat. Para a esquerda, faz todo sentido: ela precisa encontrar um novo disfarce, um novo aroma, para que o cadáver da via institucional – que ela nunca deixa de arrastar – possa parecer vivo mais uma vez, depois de tantos fracassos. Mas e por que também o deveriam fomentar os anarquistas? O municipalismo é a ponte perfeita entre o movimento social e sua auto-traição. É mais uma via de institucionalização.

A conquista do município é um engano. Atividades de gestão estatal ao nível municipal não são menos alienantes por serem menos distantes. Métodos de alienação política, métodos baseados na autoridade e na obediência não mudam de natureza se o corpo político é de 100 milhões ou de 10 mil pessoas. As cidades-Estado da Grécia Antiga contavam com muito menos pessoas que uma típica prefeitura conta hoje e eram capazes de organizar sistemas de escravidão, de castigo e execução, de patriarcado, de comércio explorador e de guerra. Na verdade, a maioria dos primeiros Estados não eram mais que municípios.

Os municipalistas não possuem exemplos de êxitos realmente revolucionários, tirando Rojava. Mas Rojava não tem nada a ver com o municipalismo de Bookchin nem com o da CUP. Não conseguiram a autonomia necessária para começar seu experimento através de um processo gradual de protestos e eleições, mas através de uma guerra civil na qual tinham à disposição um grande exército. E se os curdos conseguirem liberar duradouramente uma parte do seu território, só terão criado um Estado mais descentralizado que a típica carnificina burocrática dos marxista-leninistas. Num futuro próximo, todavia, terão que resolver a contradição entre as tendências inerentes das estruturas centralizadas – de centralizar cada vez mais seu poder – e seu desejo pela liberdade. Ou criarão um novo Estado, um novo sistema de dominação, ou o abolirão por completo. Não ousamos dizer como terão que se organizar para superar essa contradição; não sabemos. Mas qualquer pessoa neste planeta é capaz de afirmar – com toda a razão – que os Estados não se reformam: ou são destruídos ou te dominam.

Um municipalismo supostamente revolucionário não tem argumentos históricos. Se fundamenta na debilidade, no fracasso de outras práticas de luta e na falta de visão de como proceder.

Outro princípio abandonado por uma parte dos anarquistas populistas é o da solidariedade. Em resposta às ondas repressivas entre 2013 e 2015 que, até hoje, resultou em 68 anarquistas detidas por “terrorismo” em todo o Estado (espanhol), muitas pessoas demonstraram solidariedade apesar do medo de serem as próximas a cair. Porém, algumas assembleias e organizações – pelo que vi, sempre de caráter populista – se distanciaram das represálias, negando-se a dar qualquer apoio e inclusive justificando a repressão. É preciso dizer que muitos setores da esquerda independentista (que luta pela separação das regiões da Espanha) foram muito mais solidários que estes anarquistas.

Sua recusa à solidariedade se conecta com uma desvinculação – generalizada entre quase todos os populistas – das práticas combativas. Em uma coletiva de imprensa convocada por várias formações anarco-populistas por causa das detenções da segunda fase da Operação Pandora em outubro de 2015, os porta-vozes diziam o que era e o que não era o anarquismo (de forma que os meios de comunicação capitalistas ampliavam seus discursos imbecis e não solidários). Repudiavam a violência. Por fim, conseguem sua própria pacificação. O último meio que lhes resta é a difusão. Porém carentes de força e solidariedade, a única coisa que podem difundir são ideias vazias.

Quando se trata de difusão, os anarquistas populistas se apropriam de técnicas de marketing sem nenhum escrúpulo nem análise histórica. Tudo bem conhecer a ciência do marketing e de relações públicas como técnicas de controle de massa, mas é totalmente incoerente que anarquistas se proponham aproveitar de tais técnicas.

Para deixar mais claro nossa recusa ao marketing, deveremos entender o que ele é e o que não é. Negá-lo não significa descartar a importância da estética, do bom desenho e da boa diagramação ou técnicas de difusão bem trabalhadas. Entretanto, existe uma diferença fundamental: a difusão anarquista começa por uma ideia que se quer comunicar; depois buscamos o formato mais adequado para a comunicação da ideia. Ao contrário, a prática de marketing condiciona o conteúdo à forma porque seu objetivo fundamental não é a difusão de uma ideia mas a venda de um produto, seja um carro novo ou “a marca” anarquista (expressão insuportável que temos ouvido sair da boca de companheiros populistas). A propaganda do marketing sempre tem que ser atrativa e fácil de digerir.

São duas práticas totalmente opostas. O marketing não é capaz de difundir ideias profundas, que são as únicas que possuem alguma possibilidade de ajudar-nos a mudar este mundo de sistemas de dominação tão complexos. O marketing está projetado para vender algo – qualquer merda – em grandes quantidades.

Temos visto como companheiros populistas têm se queixado de que os textos eram muito longos, inclusive quando se tratava de panfletos habilmente diagramados, com uma boa distribuição de espaço, e textos escritos com elegância e sem nada de supérfluo. Não sugeriram buscar um formato mais adequado para o texto em questão nem uma correção que permitisse comunicar a mesma informação em menos palavras (repito, tanto o formato como o texto eram impecáveis), mas queriam impor uma proibição implícita a textos muito compridos para caber em um tweet. Estão sendo cúmplices da infantilização de seus leitores e da atrofia de suas próprias capacidades intelectuais.

Consideremos um exemplo concreto. Passamos da verborreia inútil das contas de Twitter que mantêm certos grupos populistas, para analisar brevemente um dos projetos de difusão com a maior qualidade entre todas as formações populistas: Hola Dictadura, uma revista que fala sobre o uso das leis antiterroristas.

Já foi evidenciado que neste presente texto expressamos críticas bem fortes. Não se trata de jogar merda pra todo lado nem de criar inimizades baratas, assim como achamos necessário fazer elogios quando forem merecidos. Hola Dictadura demonstra um alto nível tanto em seu projeto quanto em sua preparação. É evidente que está bem trabalhado. Quem me dera que a propaganda anarquista fosse preparada com tanta dedicação, habilidade e seriedade. Porém, se analisarmos somente a revista em si, separada das práticas pacificadas e pro-capitalistas dos populistas, ainda teríamos que fazer críticas. Nota-se que as autoras submeteram a comunicação de ideias às exigências de um produto de marketing: ser atrativo e fácil de digerir.

Hola Dictadura contém ideias muito simples, pouca informação e menos análise. Dá a quem a recebe a sensação de que se está lendo através da tela de um smartphone. Se parece com uma dessas revistas gringas para patriotas sem cérebro, como a Time.

O conteúdo de Hola Dictadura é, sem dúvida, muitíssimo melhor que o da Time. Sério, seria ótimo que todo mundo a lesse. Teríamos menos apoio popular às políticas antiterrorismo. Porém, no final, a revista não consegue nada mais que ser uma crítica progressista. Não há nenhuma análise propriamente anarquista, o que quer dizer que todas as ideias apresentadas na revista apoiam os valores democráticos. Tem o seu motivo: as ideias anarquistas são mais complicadas de explicar e mais difíceis de aceitar, porque toda a formação e informação que as pessoas têm absorvido ao longo das suas vidas foi produzida através de várias estruturas sociais para que apoiem as crenças fundamentais do Estado, do patriarcado e do capitalismo. É muito mais fácil utilizar argumentos progressistas contra o antiterrorismo para convencer as pessoas. Ao enfrentar um movimento animado por tais argumentos, o Estado não teria nenhum problema em desviá-lo ou absorvê-lo mediante uma reforma, porque não são críticas radicais que vão à raiz do problema.

Não se trata de um repúdio de identidade. O problema não é que a revista não sai toda em preto, com péssima diagramação, cheia de as-na-bola e referências ao Estado e ao Capital. O problema é que ela mesma se trai, opta por uma via fácil que o Estado já sabe controlar, e não engloba a profundidade necessária para desenvolver uma luta inteligente.

Um maior conhecimento da história já vetaria qualquer aposta anarquista pelo uso do marketing. Não custa muito descobrir as origens dessa profissão. É sabido que o “pai” das relações públicas e do marketing é Edward Bernays, importante assessor de dezenas de presidentes e corporações mundiais. Qualquer conhecimento de sua obra deixa claro que se trata unicamente de técnicas de manipulação de massas.

A história também nos oferece outros episódios que os populistas ignoram, ou por preguiça ou por escolha. Bernays inventou a filosofia e a ciência do marketing, mas não foi ele quem inventou muitas das suas técnicas específicas. Os populistas de hoje não são os primeiros a tentar utilizar métodos estéticos para difundir suas ideias e mudar o mundo. No início do século XX, os dadaístas já haviam tentado conseguir uma revolução através da comunicação subversiva, e o fizeram com muito mais inteligência, criatividade e dedicação que os populistas de hoje. E foi um tremendo fracasso. Porém, as empresas capitalistas tomaram nota e se apropriaram das técnicas desenvolvidas pelos dadaístas. Seus avanços estéticos, suas técnicas de comunicação, acabaram sendo mais eficazes quando ligadas a processos capitalistas, utilizados para vender produtos e não para uma sedução revolucionária. O inovador artista russo Rodchenko teve um destino parecido com sua obra, aproveitada tanto pelas autoridades bolcheviques como, mais tarde, pela indústria de relações públicas do Ocidente.

A ânsia por fazer marketing só se justifica pela debilidade não examinada dos populistas. Eles se percebem sozinhos, mas não entenderam as estruturas sociais que provocam seu isolamento, nem possuem nenhuma projetualidade revolucionária para romper com essas estruturas.

O que eles querem é recrutar.

Para criticar a prática de recrutamento, pode ser proveitoso pegar o exemplo da FAC, a Federação Anarquista Catalã. Temos que dizer que esta organização é heterogênea e seria totalmente injusto tachá-la de populista, ainda que contenha elementos populistas. Também teríamos que dizer que sua campanha de apresentação, na qual podemos analisar dinâmicas populistas, foi feita com uma energia e um entusiasmo louváveis. Estaríamos numa posição bastante melhor se cada projeto anarquista (aberto) se esforçasse tanto assim para convidar à colaboração e abrir-se à participação.

Porém, é preciso fazer uma crítica ao cartaz e ao vídeo que publicaram para essa campanha, sob o lema “Já passou pela sua cabeça que você pode ser um anarquista?”. Os materiais de apresentação não fazem uma única referência séria aos conflitos sociais, às realidades da luta, nem ao enorme desafio que enfrentamos como anarquistas. Ao contrário, chamam o público a identificar-se como anarquistas, buscando uma cumplicidade sem riscos, sem profundidade de ideias, sem compromissos fortes, sem processos de transformação total (e nem sequer me refiro à transformação do mundo, mas à transformação pessoal que todas tivemos que viver para sermos anarquistas). Claro, num cartaz ou num vídeo, não se pode comunicar tudo o que é necessário, mas é possível tornar visível que existem críticas mais profundas, que existem riscos, que existe conflito.

A propaganda pode ser um convite para buscar, para investigar, para aprofundar, para começar o processo de transformação. Porém, o recrutamento não pretende nada disso.

Os materiais de apresentação da FAC caem na exigência do marketing de serem atrativos e fáceis de digerir. Ir pra prisão não é atrativo. Apanhar da polícia não é atrativo. Passar horas e horas em assembleias não é atrativo. Anos e décadas de derrota não são atrativos. Portanto, isso fica fora da visão que as populistas apresentam do anarquismo.

Baseando-se somente nestes materiais, daria pra ser anarquista até dormindo. Mas não dá. É claro que é preciso dormir, descansar, mas não é esse o ponto. Mesmo que a auto-organização e a oposição às injustiças pareçam geniais, as pessoas não querem se dedicar à destruição do Estado e, nem a médio ou a longo prazo, apoiarão quem está comprometido com isso. Não ganhamos nada com alianças e cumplicidades ilusórias.

Há que se perguntar: que tipo de pessoa será recrutada com uma visão tão atraente do anarquismo? Gente que se distanciará da luta e que renunciará à violência no momento em que a polícia vier e arrombar a porta de madrugada para levar nossas companheiras? Gente que se deixa levar por eleições ou que entra nas instituições municipais? Gente que não está num processo de auto-aprendizagem, leitura e crítica profundas, que não entende como funciona o mundo em que vive nem onde reside a raiz da opressão?

E se se recruta mediante propaganda superficial, quais são as vantagens de uma organização grande, inflada por pessoas com expectativas irreais e com uma ignorância total da história das lutas?

Diante dessas críticas, só encontrei respostas evasivas. Não se trata de uma dicotomia entre ser muitas ou poucas anarquistas. A maioria das formações populistas são tão pequenas como um conjunto de grupos de afinidade informais ou como um único grupo.

Frequentemente, a mania de recrutar ou criar uma grande organização anarquista ou “uma capacidade de mobilização” não é nada mais que um substituto que esconde uma falta absoluta de lutas próprias. Nas lutas, aprofundamos nossas ideias e práticas e encontramos novas companheiras, novas cumplicidades. Acaba que são as pessoas que não têm uma luta em seu cotidiano, que não sabem encontrar os conflitos sociais, que querem criar uma organização grande baseada no recrutamento, ou uma capacidade mobilizadora baseada em técnicas sedutoras de comunicação.

Organização anarquista

Grande parte das iniciativas de organização anarquista que vimos fracassar nos últimos anos foram sufocadas por pessoas que não tinham sua própria projetualidade, não sabiam encontrar e desenvolver sua própria luta, e exigiram que a organização em si fosse um espaço para geração de lutas.

Mas não são as siglas que criam lutas. As lutas nascem nas ruas. As organizações ou servem para coordenar e ampliar uma atividade já existente ou não servem. Como disseram os companheiros do MIL6: “a organização é a organização das tarefas da luta”.

Portanto, a necessidade de organização depende da densidade da atividade anarquista em um lugar ou região.

A unidade mais básica que conforma a densidade anarquista é o projeto. Os projetos individuais costumam se auto-organizar. Nessa categoria encontramos centros sociais, grupos de ação, grupos de propaganda, publicações, grupos de trabalhadoras, hortas, assembleias, iniciativas feministas, grupos de autodefesa e treinamento, etc. O ideal é que se escolha as estruturas e o nível de formalidade e informalidade que melhor sirvam ao seu projeto, livre de dogmas e esquemas prévios. Podem utilizar o consenso formal, o consenso informal, a separação de tarefas e funções, a delegação ou inclusive a votação, se sabem se proteger do perigo das maiorias. Também podem ser as iniciativas de um indivíduo que busca cumplicidades e colaborações pontuais, como costuma ser uma parte desproporcional dos pequenos projetos de maior qualidade e duração.

Entra todas estas opções, a informalidade favorece a confiança, a afinidade e um funcionamento fluido e rápido. A formalidade facilita a criação de um espaço para receber gente nova e também facilita mudanças nas dinâmicas internas, se existe a vontade decisiva para tanto. Este último ponto é de suma importância. Quando falamos de dinâmicas internas que um grupo queira mudar, pensamos em coisas como irresponsabilidade e falta de compromisso, falta de autocrítica, hierarquias, comportamentos sexistas. Muitas pessoas pensam que uma estrutura formal em si pode mudar ou superar uma dinâmica interna nociva no grupo. Isso é totalmente falso. Como bem comprova a democracia – em pequena ou grande escala – as estruturas formais também servem para esconder dinâmicas desagradáveis ou para gerar a ilusão de que se está solucionando um problema. O mais importante é sempre a cultura do grupo, que se reproduz sobretudo nos espaços informais.

É necessário que entendamos que não se trata de uma dicotomia, simetria ou congruência entre esses dois termos. O informal sempre supera o formal. Não existe nenhuma estrutura formal capaz de substituir o espaço informal. Nem o Estado mais burocrático está livre de espaços e relações informais; na verdade, é através de canais informais por onde costuma se mover o poder legitimado e escondido por trás das estruturas formais. É porque a realidade, em si mesma, é informal. Um racionalismo acrítico entre certos anarquistas fez desaparecer o reconhecimento de que o universo é caótico, e essa é uma das poucas vantagens que temos contra o Estado.

Então, para mudar dinâmicas inoportunas, o mais importante será a vontade decisiva do grupo para fazê-lo. Aprovar uma estrutura formal para solucionar o problema é uma maneira de lavar as mãos. Não obstante, as estruturas formais podem servir como ferramentas se realmente existe a vontade necessária, porque nos obrigam a sair de nossos padrões e comportamentos habituais e frequentemente não examinados.

As estruturas formais podem facilitar a entrada de novas pessoas (que pode ser, ou não, um objetivo do projeto), deixando claro que não se trata de um grupo fechado de amigos. Porém, sobretudo se são muito efusivas, também podem espantar as pessoas novas dando a aparência de uma seita ou de um partido político. Um grupo muito isolado, por exemplo em um país ou região com poucas anarquistas, pode aproveitar da formalidade para facilitar o contato com outras pessoas isoladas buscando companheiras, ou com companheiras no estrangeiro.

Nas assembleias heterogêneas e inter-geracionais normalmente é melhor a informalidade se não se trata de um espaço para tomar decisões unitárias, porque gera um âmbito familiar e de confiança, e normalmente são os jovens bichos políticos aqueles que dominam mais facilmente as estruturas formais. Porém, se se trata de um espaço para tomar decisões unitárias, a formalidade pode ser melhor para ajudar a aprendizagem sobre como tomar decisões em igualdade (sempre lembrando que a igualdade é ilusória) e para evitar o controle da assembleia por uma hierarquia informal. Haverão certas pessoas que sabem controlar melhor as estruturas formais, e isso é um perigo, mas sendo um espaço heterogêneo e portanto com menos confiança, as participantes não teriam tanta facilidade para a crítica direta, que é a melhor arma contra as hierarquias informais.

Aqui aparece uma dinâmica importante. Num espaço de tomada de decisões unitárias (as decisões se aplicam a todas, com a ideia de que todas as ações também se tomem de forma unida), o poder está centralizado e portanto existe o problema do controle da assembleia. Num espaço descentralizado – de coordenação entre grupos e indivíduos autônomos, de encontro, de decisões por adesão – o poder está difuso e não existe a mesma problemática.

Antes de passar à questão da meta-organização ou organização em maior escala, é preciso dizer uma coisa sobre o histórico debate entre as posturas formais e informais. Mesmo que o debate normalmente tenha se desenvolvido de forma desnecessária opondo duas formas de organização, cada uma com suas vantagens e desvantagens, como se tivéssemos que escolher entre uma ou outra, os partidários do formal tendem a equivocar-se mais. Costumam desconhecer a história das traições e fracassos das grandes estruturas formais, e costumam recorrer à demagogia em vez do argumento lúcido (por exemplo, mesclando a informalidade com o fracasso das estruturas formais). Se as pessoas de uma organização formal não cumprem os compromissos que tomam formalmente, e se continuam criando hierarquias informais, não nos encontramos diante de um exemplo de informalidade, mas de um exemplo de fracasso da formalidade.

Para além dos projetos individuais, existe a questão da meta-organização – a organização de organizações – e a pretensão de organização em grande escala ou de grande envergadura. É aqui onde o critério de densidade ganha uma importância crítica. Quando falamos de densidade, nos referimos à frequência, intensidade e proximidade de atividades anarquistas, incluindo todos os projetos individuais que acabamos de mencionar.

Muitas vezes, as propostas para mais organização aparecem de desertos anarquistas – regiões com muito pouca atividade e muito poucas anarquistas – ou de lamaçais anarquistas – regiões com muitas anarquistas, mas que estão atoladas ou pouco ativas (por exemplo, Barcelona depois da queda dos novos movimentos populares). Estas estão destinadas ao fracasso. A organização em si não gera mais atividade se não há nada para ser organizado. Pelo contrário, gasta-se muitíssima energia para construir umas estruturas que desde o primeiro momento serão imobilizadas. Existem poucas coisas mais tristes que uma “organização de massas” ou “plataforma” anarquista com entre 5 e 15 membros em todo um país, como as que apareceram várias vezes na Inglaterra, nos Bálcãs e nas Américas. Também é triste ver dezenas de companheiros dedicar muitíssimo tempo construindo uma grande organização enquanto falham no trabalho de bairro, na subversão do local de trabalho e na luta de rua.

A meta-organização, com poucas exceções, só tem sentido quando existe uma grande densidade anarquista. Nestes momentos, companheiros que antes sempre se opunham às iniciativas de grande organização que haviam visto antes mudarão de ideia e começarão a apoiar uma ou outra iniciativa (quem dera, sem perder sua crítica anterior), como aconteceu na Catalunha ou na Grécia.

Quando existem muitos projetos anarquistas na mesma região, é possível ampliar suas próprias forças e superar problemas e limitações antes insuperáveis com a organização, abrindo novas dimensões de lutas. Ou podem centralizar-se, abandonar seus terrenos prévios de luta e cair imobilizados pela unidade.

Um texto da recente iniciativa da “La Trobada de Infraestructures Libertàries” (Encontro de Infraestruturas Libertárias) oferece um exemplo do que significa abrir uma nova dimensão de luta. Na Catalunha, existem muitos projetos construtivos (como hortas, oficinas, gráficas…) Individualmente, cada um tem que se virar por conta própria, normalmente buscando a sobrevivência dentro da legalidade democrática e do mercado capitalista, e às vezes caindo em suas ideologias, quando começam a apostar no alternativismo ou a reivindicar o uso do dinheiro e a produção de mercadorias “de consciência”. Mas coordenando-se, teriam a possibilidade de desenvolver uma economia de dádiva, colocar em prática relações anárquicas e tornar-se parte mais integral das lutas.

Outro exemplo, hipotético mas baseado em experiências reais, seria o de um país onde existissem vários grupos de apoio a presos. Organizando-se conjuntamente, seria possível compartilhar recursos e experiências, evitar a duplicação de esforços e garantir que nenhum preso fique sem apoio e que todos os aspectos do apoio estejam bem elaborados. O fato de que as iniciativas de coordenação sejam posteriores à existência dos projetos individuais é de grande ajuda, pois demonstra que cada grupo já tem uma prática real e capacidade de auto-organização. Tendo aberto seu próprio caminho, cada grupo terá perspectivas diversas e autônomas. Ao contrario, iniciativas e projetos que surgem de uma grande organização são como casas construídas a partir do telhado. Não terão uma experiência e uma atividade já desenvolvidas. O mais provável é que sejam fantasmas.

Se acontece de haver a densidade necessária para iniciar a meta-organização, que forma deveria tomar?

O encontro é a opção mais informal. Funciona como uma assembleia ou um conjunto de espaços diversos para potencializar os vínculos entre as pessoas e os projetos que elas compõem. Está estruturado para facilitar a auto-organização entre os participantes, vários dos quais podem iniciar uma estrutura conjunta sem que todo mundo participe. Quer dizer, funciona por adesão. Pode ser um espaço de debate, mas não de consenso (para além do consenso sobre certos mínimos). Pode-se lançar propostas no encontro, mas para buscar cumplicidades e não para conseguir uma decisão unitária entre todos. É a estrutura descentralizada por excelência.

Suas vantagens são que não apresenta o perigo da centralização nem da burocratização. É uma organização muito fluida e leve onde se potencializa a vontade das participantes e que morre no momento em que se deixa de dedicar-lhe energias. Suas desvantagens são que não possibilita a ação unitária ou a preparação e o planejamento de campanhas e atividades entre todas, nos momentos em que venha a ser necessário. Nesse tipo de eventualidade, teríamos que trabalhar como assembleias, que poderiam ou não funcionar segundo o número de participantes e o grau de diferença entre elas.

A coordenação é formal, mas também põe muita ênfase na autonomia de seus integrantes. Pode servir para dispor recursos e lançar propostas em comum – por adesão ou de forma descentralizada – e também para planejar ações e campanhas unitárias. As participantes podem ser indivíduos e coletivos, ou só coletivos, mas é diferente de uma assembleia ou de um coletivo porque se supõe que é um ponto de convergência de forças, forças disponíveis que superam as dos indivíduos presentes na gestão do espaço. Também se supõe que seus participantes têm suas próprias lutas, recursos e redes. O planejamento pode ser gerido em grupos de trabalho, na própria assembleia, se não for muito grande, ou os coletivos podem trazer propostas já elaboradas. Em qualquer caso, existe um processo de delegação que serve para comunicar as propostas entre a assembleia central da coordenação e os coletivos que a compõem.

Em uma coordenação é possível organizar debates entre seus participantes, mas não é o mais comum, dado que não se está buscando uma unidade maior, como em uma federação, nem um aprofundamento dos vínculos, como em um encontro, mas um contato pragmático para atividades concretas.

A federação é formal e centralizada. Para conformar uma federação de verdade é necessário, ao menos, três níveis organizativos: o dos grupos locais, um nível intermediário para os grupos de uma mesma zona e o nível mais alto para todos os grupos. Porém, algumas federações muito reduzidas só têm o primeiro e o terceiro nível. Paralelamente às assembleias ou às plenárias de cada nível, pode existir um secretariado ou um comitê. Isso aumenta bastante a burocracia e o perigo da conversão em uma organização autoritária (como foi em grande parte o trajeto da CNT, a maior federação anarquista da história), mas pode ser necessário para dar constância e agilidade à obra da organização. É claro, se se trata de uma federação anarquista, os postos no secretariado e no comitê serão rotativos e revogáveis.

Para funcionar como federação, todos os grupos locais ou grupos integrantes devem ser simétricos (por exemplo, todos têm que ser assembleias de bairro, ou sindicatos, ou escolas livres, etc.) Se não o são, a federação é ilusória. Esses grupos não são autônomos, o que buscam é uma certa unidade; e seus contatos não são flexíveis, mas pretendem ser de longa duração.

Diferente de uma coordenação, a federação pode criar novos grupos integrantes e mudar a forma na qual os grupos integrantes relacionam-se entre si. Funciona por delegação. Mesmo que as plenárias sejam abertas a todos os membros para fomentar a transparência, cada grupo integrante tem que falar com uma voz (imposição artificial e com tendências autoritárias, já que nenhum grupo humano é verdadeiramente homogêneo).

Se traçamos o esquema organizativo de uma federação, produzimos um triângulo. A linha horizontal são todos os grupos locais; no meio estão os níveis de organização intermediários, cada vez mais estreitos; e o ponto seria o espaço central que une toda a federação: a assembleia superior com seu comitê ou secretariado, se houver. É imprescindível, de uma perspectiva anarquista, que o ponto deste triângulo esteja embaixo e não em cima, porque o triângulo com o ponto em cima também é o esquema organizativo de Estado.

O que significa isso, para além do clichê? Que o nível organizativo mais importante e a concentração da força teriam que estar entre os grupos locais, e que a assembleia central deveria ter uma importância e um uso limitados. Por exemplo: que grande parte das iniciativas surja dos grupos locais, cheguem aos níveis intermediários e daí sejam adotadas por outros grupos locais; que os grupos locais sejam autossuficientes em grande parte de sua atividade e que somente recorram aos níveis mais altos para buscar recursos ou ampliar seus efeitos, em vez de estar à espera das campanhas e diretrizes marcadas pelo nível central.

Podemos comparar duas federações importantes para as anarquistas. Os Haudenosaunee ou “Seis Nações” são uma confederação de seis nações indígenas norte-americanas, entre elas os Mohawk e os Oneida. Sua confederação conta com mais de 700 anos de história e serviu para resistir a várias tentativas de impor uma autoridade estatal, tanto vindas de líderes internos como mediante invasão e colonização.

A CNT é a confederação mais poderosa e eficaz que os anarquistas no Ocidente construíram em sua História. Após 26 anos de sua fundação, converteu-se em uma organização hierárquica, impondo a autoridade governamental à grande parte das classes baixas na Espanha, onde o Estado fora negado na insurreição de julho de 1936. Num amplo território, o poder estatal havia desaparecido, substituído pela auto-organização. A CNT, sobretudo seus grupos locais de níveis inferiores, iniciou uma parte dessa auto-organização, mas outra parte foi espontânea, enquanto os líderes da CNT freavam as expropriações e as coletivizações não favorecidas pelo governo. Só a CNT foi capaz de restaurar a autoridade estatal nas zonas livres (ou de impedir uma insurreição quando os comunistas e republicanos esmagaram-nas) através da política antifascista da Frente Popular.

A diferença entre essas duas confederações, a que teve êxito e a que fracassou, é que os grupos locais dos Haudenosaunee eram povos ou casas comunais que tinham um alto grau de autossuficiência, que a importância e a força residiam no que no Ocidente poderia ser chamado de nível “baixo” da federação, enquanto na CNT foi o contrário: foram nos congressos e comitês estatais onde se exercia o poder. Entre as Haudenosaunee, ninguém ocupa um posto no nível central e as assembleias com a totalidade da confederação ocorrem de forma irregular, em casos de necessidade. Quer dizer, normalmente não existe o nível central ou “superior” da federação. Outra diferença é que as sociedades que compõem as Haudenosaunee são mais ou menos antipatriarcais (com diferenças entre uma nação e outra) enquanto que a CNT foi claramente uma organização de homens, mesmo que as mulheres tenham tido um papel imprescindível nas lutas contemporâneas.

Se em algum lugar é tido como proveitoso ou necessário – com lucidez e uma estudada familiaridade de nossa história – o grau de coordenação estreita possibilitado por uma federação: tudo bem, vamos em frente. Mas é imprescindível que nunca se pretenda ser uma organização aglutinadora, que sempre se mantenha uma certa igualdade e solidariedade com as revolucionárias (anarquistas e outras) que estejam fora da organização. Uma federação pode ser poderosa, mas é a forma organizativa mais perigosa, de uma perspectiva anarquista.

Na Grécia, provavelmente o país com a maior densidade anarquista, atualmente existem duas confederações em processo de construção. Parece um bom sinal o fato de que ambas coloquem a questão de como se relacionar com os extensos setores do espaço anarquista que não participam nas federações, e que nenhuma pretenda abarcar ou aglutinar toda a atividade anarquista.

Próximos passos

Para que haja qualquer possibilidade de destruir esta sociedade-prisão ou de mudar o destino horroroso que está sobre nós, será imprescindível: deixar de conceber nossa debilidade em termos de difusão; abandonar as práticas de recrutamento e os delírios de organização de massas que ele representa; criticar energicamente as correntes que recorrem ao marketing e ao populismo. Porém, muito mais que atacar nossos erros, temos que encontrar outros caminhos, com ações mais que com palavras.

Para começar, não poderá haver apenas um caminho. Nenhuma prática é capaz de abarcar todas as atividades necessárias para uma revolução. É preciso imaginar a revolta como um ecossistema. Se pretendemos ser a única espécie, matamos a revolução.

Mas, seja como for, todas e todos deveríamos dar atenção à sobrevivência. Isso significa que nossos projetos e as atividades que fomentamos e ampliamos mediante a organização devem se preocupar com a autogestão da vida; devem ser úteis tanto para nós como para outras pessoas; devem apoiar e aumentar nossas capacidades de luta, entendendo a luta como um aspecto básico da sobrevivência para as pessoas que almejam pela liberdade; tendo perspectivas das possíveis mudanças no sistema capitalista, desde o colapso até uma transformação profunda na arquitetura do sistema-mundo.

Também deveríamos buscar iniciativas de síntese, as que confundem as categorias de alienação capitalista e as que juntam forças distintas para superar as visões típicas que as anarquistas dogmáticas, desde as populistas até uma parte das anarquistas antissociais, não fazem mais que fortalecer.

Para torná-la concreta, essa superação, essa síntese, poderia tomar a forma de uma rede entre companheiras sociais e companheiras antissociais, artísticas e teóricas, com predisposição para o cuidado e com predisposição para o ataque, que admiram os conhecimentos e capacidades das demais, que não se insultam entre elas pelas costas, que utilizam seus próprios conhecimentos não para fortalecer seus egos nem em busca de sucesso individual mas para o benefício de todas, que se concebem como uma comunidade de luta e que buscam uma complementariedade em suas ações, não concordando sempre, mas sim mantendo um sentimento básico de solidariedade, apoio mútuo e respeito.

Os projetos que aumentam nossas capacidades de luta poderiam tomar a forma de um grupo de terapias alternativas ou de autogestão da saúde, que oferece seus conhecimentos a pessoas feridas nas manifestações ou a companheiras que saem da prisão; de projetos rurais (que frequentemente ficam isolados) que servem como espaços para jornadas, para descanso e também para o trabalho físico para as assembleias urbanas que têm um ritmo impraticável; de companheiras combativas que arriscam seus corpos e sua liberdade não ao apontar inimigos muitas vezes simbólicos (atividade também necessária, mesmo que limitada) mas defendendo uma horta, uma clínica, uma casa ou um centro social contra um despejo; de um grupo especializado em propaganda e difusão ajudando a espalhar ideias mais radicais, provocativas e marginalizadas; de redes de pessoas que conseguem cada vez mais abastecer suas necessidades sem recorrer às relações mediadas pelo dinheiro e comerciais, sem fugir do conflito com o capitalismo, mas buscando-o e convidando mais pessoas para fazê-lo juntas.

Como disse um companheiro mapuche, explicando um projeto de autogeração de eletricidade numa comunidade em resistência: “não queremos gerar nossa própria eletricidade simplesmente para conseguir autossuficiência, mas atacar e sabotar as infraestruturas do Estado e das empresas que ocupam nosso território, infraestruturas das quais, atualmente, somos dependentes.”

Isso é o que significa ampliar a capacidade de luta. E como a revolta é um ecossistema, cada uma de nós temos nosso papel. A separação em correntes ideológicas, normalmente representativa de diferenças de caráter e não de lúcidas críticas teóricas, é outra função de alienação capitalista dentro dos nossos meios.

Aqueles que se dedicam ao ataque não conseguiram mantê-lo frente à repressão. Os que não se dedicam ao ataque não puderam evitar sua própria pacificação. Os que foram ao campo não puderam deixar o capitalismo pra trás. Os que ficaram na cidade não puderam semear nada nas fissuras que abriram no asfalto. É preciso voltar a juntar essas tendências distintas, para que existam em uma tensão criativa e fecunda.

Os caminhos já marcados só levam a um futuro horroroso.

Em conclusão…

… Compartilhamos uma avaliação da estagnação atual do movimento anarquista. Consideramos a necessidade de que nós anarquistas nos posicionemos seriamente com respeito a certas forças globais: a transformação total da sociedade pelas tecnologias emergentes e a geopolítica do antiterrorismo. Olhamos as possibilidades de saídas da crise do capitalismo e como elas poderiam afetar as estratégias que utilizamos.

Para responder a esses desafios, superar a estagnação, fomentar relações anárquicas, influenciar nos conflitos sociais e marcar uma posição fora da competição estéril entre democracia e terrorismo, propus a adoção de uma visão caótica, plural e ecossistêmica da revolta e da sociedade para organizar nossa atividade de tal forma que abra novas dimensões de luta e possa evitar os perigos da centralização; para conseguir a complementariedade e o conflito criativo entre diferentes correntes, em vez da imposição da unidade; e para reformular nossa atividade como a reconquista da vida (com todos os conhecimentos concretos e concepções de sobrevivência que isso acarreta) em vez da produção ou negação de abstrações (difusão, recrutamento, pureza ideológica, …).

Que estas palavras sirvam para debater e afiar nossas práticas.

 

o arquivo .ODT está aqui ao lado

 
 

To achando alguns detalhes. Em breve passo o um a um.

 
 

Arrumei alguns erros de digitação que encontrei enquanto lia.

 
 

sistema-mundio” é por querer? Vi várias vezes e fui corrigindo… mas cheguei a pensar se não tava viajando. Tipo admoestado que eu quase corrigi pra administrado :P

 
 

“mundio”!! como é que pude escrever 3 vezes o mesmo erro!!!
hahaha

 
 

Subi o ODT corrigido.
Nele tem notas de rodapé!!
Tâ-dam.

(as notas não tão prontas/traduzidas ainda… eita relaxo)

 
 

que massa galera:
Revisão total e completa!

Absorto, que tal a “droguinha”?

 
 

Precisa de diagramação?

 
 

Achei uma boa a alteração na parte das drogas, até pq speed nem é comum ao redor do mundo.

 
 

offtopic Gente, fora do tópico da tradução/revisão, mas SUPER dentro do assunto do texto. Tava lendo que rolou uma conferẽncia dos bambambãs da ciência sobre os perigos do desenvolvimento da AI. A conclusão que elxs chegaram foi que o maior perigo é o impacto econômico e a extinção da classe média bem em consonância com a teoria desenvolvida nesse texto.

matéria
Videos da conferência

 
 

O editorial que escreveu a “aposta” deu um completada no tópico “Capitalismo no espaço”:
segadores.alscarrers.org/nuevas-tecnologias-new-technologies

Quem tiver na pilha de traduzir, joga aqui numa wiki!!

 
 

Eh bem bom esse daí tmb!

 
 

[Fora de tópico, a continuação] Tem uma outra matéria interessante naquele mesmo site sobre programadores serem os novos peões da classe média:
www.wired.com/2017/02/programming-is-the-new-blue-collar-job

 
 

to lendo impresso e achei alguns errinhos de plural e concordancia.
mudei tb a palavra subvenção pelo sinonimo subsidio pq né… quem fala subvenção? hehe

 
 

Posso diagramar! Alguém já está diagramando?

 
 

tô querendo fazer um impressão, mas ainda não mexi nisso. É que ainda não sei se vai ser zine, se vou colocar umas imagens, se vai ser livreto, qual tamanho de impressão e se vou colocar junto o anexo do capitalismo espacial (quero traduzir em breve!!! socorro)

Mas monta uma aí, cusco.

 
 

pra quem quiser já ir tocando a tradução do anexo, tá aqui a wiki

 
 

Vou montar pois queremos imprimir um zine.

 
 

Estão faltando as traduções das notas de rodapé, né? Não as encontrei.

 
 

ai, ai, ai.
Esse pessoal fazendo as coisas pela metade.

Cara, ainda não voltei a esse texto.
Farei isso na semana que vem.

E tem duas sugestões na seção “próximos passos” que ainda não foram confirmadas.

 
 

Eu concordo com as duas sugestões!

 
 

Eu tmb!

 
 

não gostava da segunda sugestão. Mudei ali pra outra coisa.

 
 

ficou massa a diagramação!!
só a letra miúda que preferia maior, haha

 
 

hermano!
sobe o arquivo do scribus tb.

 
 

feito

 
 

Senti uma parcialidade no “miúda” e “legível”.

 
 

HAHAHAHAHA
Não tens ideia de em quantos frontes estou lutando por letras mais agradáveis de ler.
E isso que considero a minha visão excelente!

 
 

Beleza. Mas é que principalmente pra impressão autônoma estilo zine a quantidade de páginas faz uma diferença significativa no custo.

E alguma novidade na tradução das notas de rodapé? Tem alguém tocando isso ou parou de vez a tradução?

 
   

Subi novas versões hoje. Estão com leves correções no texto e as notas de rodapé completas!