A maioria das idéias pretendidamente “revolucionárias” passam por uma reforma na gestão do Poder. Colocam e defendem que há que governar para dispôr dos meios repressivos e assim, usá-los para fazer “o bem”. Mas o problema está precisamente aí: no Poder mesmo e na lógica repressiva. Uma coisa é defender-se e usar a violência para liberar-se, mas lliberar-se, inclusive, dando morte ao tirano, não quer dizer submeter. Outra coisa é atuar contra o atual governante mas para ocupar seu lugar. Usar a violência contra as instituições e os opressores que as gestionam e defender-se não é um ato de autoridade, é um ato defensivo e liberador. Nossa força pode se organizar e potenciar mas não se constitui em um Poder. A violência, para ser revolucionária, não tem que reproduzir o submetimento que se traduz em leis, prisões, polícias, torturas…. não tem que assentar-se em nenhuma forma de Poder seja o atual ou um “novo”. Aceitar a relação de um sobre outro é deixar com vida esta realidade que queremos revolucionar.
Nada nem ninguém pode modificar a natureza exploradora e repressiva do Poder. É ilusório acreditar que mediante a violência governativa se pode engendrar o contrário, a liberdade. Se a revolução necessita de chefes, tribunais, exércitos, prisões, polícias e toda essa casta de carrascos, então não é uma revolução.
Por isso não se deve fazer política. Este conceito foi acunhado nas cidades-Estados, e se refere à gestão da “Polis” (a cidade). Esta é um espaço urbano mediante o qual o Estado planifica e rege os espaços e a circulação dos indivíduos, por exemplo, com ruas estreitas ou largas, edifícios, grades, muralhas… para assim amontoá-los e governá-los melhor, contrariamente à vida em liberdade nas comunas rurais, a campo aberto.
O governo cria cidades e muralhas em torno a estas tanto para proteger=se de outros governos (todos eles são imperialistas na medida em que podem), como que para controlar e evitar a saída dos governados. Hoje, extendendo o significado de “o político”, se pode dizer que é a gestão da vida, e por tanto, das relações, mas sempre por meio do Poder. Ou seja, nada muda, para confundir “a arte de governar” com “a arte de se relacionar”. Assim, o discurso de: “tudo é política” é uma artimanha mentirosa que na realidade significa e quer nos fazer acreditar que não podemos criar algo realmente distinto ao existente, que não podemos sair nem terminar com o governo de uns sobre outros.
Então não se deve fazer política mas tampouco adotar uma posição passiva e conformista porque isso é deixar tudo muito fácil para os políticos, criminosos de luvas brancas. Deixá-los aí é acatar indiretamente o que eles determinam, a passividade lhes resulta funcional. Se entende? “Não fazer política” sem lutar contra a política é deixar que a política exista e que os políticos decidam e atuem sobre nossas vidas.
A mudança revolucionária passa por liberar as relações, a socialidade, da influência do Poder. Cada um de nós será a evidência da possibilidade de mudar o mundo senos relacionamos e organizamos sem chefes, sem dirigentes, e nos afirmamos pela revolução e construção social contra os governos e a política em qualquer de suas formas.
Os que queiram exemplos de uma gestão ‘distinta’ do Poder, que analizem os lugares onde este foi tomado por sua ala esquerda: Russia, Alemanha, Cuba, China… o ‘povo’ seguiu e segue oprimindo sob a autoridade dos representes da propriedade privada, do dinheiro, do exército… continuam explorados em nome do ‘povo’, do ‘anti-imperialismo’, do ‘comunismo’… a mentira do ‘socialismo real’ ficou em evidência faz tempo. Onde não se derrubou continua mentindo descaradamente. As novas, versões, ou ‘socialismo’ do século XXI são isso, novas versões da mesma coisa. E para mostrar, aí temos a Evo Morais, presidente indígena, reprimindo com sanha aos indígenas de “TIPNIS” que defendem seu lar, sua autonomia e a natureza contra a construção de uma carreteira para os caminhões do progresso, a exploração e o saqueio.
Ah sim! Justificações existem de sobra: que ‘nada é perfeito’, que ‘é preferível o mal-menor’ que os que protestam ‘são infiltrados do imperialismo yankee’ ou ‘agentes da direita’, ‘contra-revolucionários’, que ‘a culpa é do bloqueio dos países capitalistas’… (como se os ‘Estados socialistas’ pudessem deixar de ser capitalistas).
É preciso buscar, resgatar, do esquecimento e da calúnia as experiências anarquistas, em Russia, Alemanha, Cuba e em todas partes. Com os oprimidos, parte dos oprimidos, companheires, nunca dirigentes, nunca acima. Povos em armas que defenderam, anárquicos, suas comunas sem dinheiro contra todos os exércitos… Movimentos espontâneos dos oprimidos que anulavam o capitalismo nas ações, diretamente por sua ação direta, sem intermediários, sem governos. Haveriam conseguido se outra parte desses povos não tivesse sido arriada pela esquerda, que como sempre, trata, tratou e tratará de manipular e transar para ‘levar a água a seu moínho’: o moínho do Poder. “À liberdade pela liberdade” afirmava a epígrafe de uma publicação anarquista em Cuba nos anos 50. Nesse momento e lugar como em outros, companheires que encarnaram uma resistência ofensiva contra o opressor, uma vez derrotado Batista, foram sequestrados em prisões e centros de trabalho forçado, fuzilados, torturados por quem se adjudicava a revolução, o novo Poder, a esquerda.
Digam o que digam os políticos, os chefes, os que governam e os que querem ser os novos governantes… e também os apáticos, os lacaios, os submissos, os indiferentes… a luta contra toda autoridade, o anarquismo, por seu conteúdo sempre em fértil movimento em direção a liberdade, foi é e será a única possibilidade para uma mudança realmente revolucionária.
retirado da revista “organización sin autoridad”, n. 3, Buenos Aires agosto de 2012.