crítica ao pós-porno

Vou resumir bem resumidão meu argumento contra pós-porno e qualquer tipo de pornografia supostamente alternativa, ‘queer’, independente, ‘feminista’ e ‘anarquista’:

Bom você pode começar, como feminista radical, por argumentar naquela velha questão de como consentimento é socialmente produzido, e que agência em realidade não existe, ou se existe é em circuntancias determinadas, patriarcais e tudo mais. Um analise material é sobre aquele queerporn tube por exemplo, pessoas gordas, negras, trans, lésbicas femmes etc aparecendo ‘voluntariamente’ como se fosse afirmação da sua sexualidade, exibir-se ali pra qualquer público desconhecido, seja homem ou mulher, enlucrando um site supostamente de gente queer que de qualquer modo tá enlucrando de sua exibição ali, que a pessoa ainda por cima entende como política e afirmativa de sua identidade e sexualidade. Filmes em geral performando uso de dildos, sadomasoquismo, ‘fodeção’ estilo hard, um repertório sempre circulando em torno a essa erotização do ‘sexo pesado’ que já se vê sendo valorada pelo patriarcado. Isso é colonização, de onde que isso amplia os repertórios eróticos de alguém? Me parece que vicia a sexualidade num circuito de gozar apenas com esse imaginário, bem repetitivo no patriarcado.

Eu acho ainda mais grave que se considere que sexo possa ser uma afirmação pra pessoas que sofrem opressões históricas, relacionadas a raça, sexualidade, disconformidade de gênero, e sejam coisificadas como minoria excêntrica, e que a afirmação de uma se resuma a sexo e pela sexualidade me parece obviamente machista, sexista… sem contar a relação já problemática que esses sistemas estabelecem com nossas sexualidades, me parece intrinsicamente abusivo oferecer isso como alguma espécie de saída.

Mas acho mesmo que começar por argumentar por aí é sempre um erro, como se fosse justificação, e ainda nos podem acusar de vitimizar as pessoas, que obviamente são vítimas, só que estão dissociando abusos por meio de práticas de risco, exposição, repetição de sexualidade traumática, negando realidade por meio de serem seduzidas e comprarem a idéia da transgressão e da liberdade do ser de fazer o que quiser, o de escolher a própria opressão e ‘curar abusos’ por meio de repetí-los. É preciso entender agência em contexto e historicidade de cada sujeito. Essa agência expressa o que? Por que essas escolhas e não outras, de libertação?

Outro problema de pós-porno é quem consome ou se outorga o direito de consumir imagens visuais de outras pessoas. Quando se vale ou atribui consentimento a outra pessoa que tá sendo reproduzida mil vezes num vídeo pornográfico, não tem como isso não ser um uso do corpo de alguém – em imagem. Por que não abusivo? Mesmo que o outro tenha consentido, a pergunta se dirige aos meus atos, porque me acho neste direito? Essa é a lógica de clientes de prostituição, que ao consumir pessoas em situação de exploração sexual, estão sendo prostituidores dessa pessoa, embora se as represente como ‘clientes’ no seu direito. Eles também se autorizam pelo consentimento atribuído a outra pessoa, se vale até mesmo se este é alegado pela voz dessa pessoa, como se não houvesse um contexto que produzisse essa ‘escolha ativa’ da pessoa, contextos de opressão patriarcal, racial, lesbofóbica, capitalista-classista.

Me soa algo abusivo e coisificador consumir imagens de pessoas e sexualidade de pessoas em imagem visual, independente de que sejam pessoas queer, se o contexto é queer, se alegam voluntariedade, consentirem ou o que seja. Seja dum ponto de vista social ou mesmo inter-relacional, esse consentimento é produto de circunstâncias materiais, é viciado e fictício, as perguntas devem ser: o que leva uma lésbica, uma negra, uma pobre, uma butch, uma deficiente, uma mulher gorda, a querer expôr seu corpo para ser consumido por platéias anônimas, massificado na internet? Perguntar-se sobre esses lugares é útil, pois por que a pornografia alternativa seria a alternativa oferecida de construção de auto-estima desses grupos? No Patriarcado, historicamente, a auto-estima das mulheres já deriva destas enquanto objetos de prazer, enquanto sexo, enquanto desejáveis ou não. Condições sociais opressivas produzem essas escolhas também. Qualquer relação sexual entre duas pessoas já tem alguma relação de poder, dado ocorrerem numa sociedade patriarcal onde os modos de sexualidade são produzidos para benefício deste e da supremacia masculina e sua manutenção. Acesso as mulheres ou destruição de suas possibilidades de vinculação íntima, no caso das lésbicas, como analisaria ondas do posporno, poliamor, anti-monogamia, genitalização das relações, negação das relações profundas e ética cínica nas relações. Nossa sexualidade está longe ainda de ser vivida de modo livre, mesmo esse consentimento possível na atualidade da pessoa tem que ser re elaborado a todo momento das interações como uma política de redução de danos. As vezes o tal ‘consentimento’, tão tema constante em fanzines queer e anarquistas, só acaba virando uma forma de manipulação mais sofisticada.

 

“as ferramentas do senhor não irão destruir a casa grande.” gostei muito da crítica, concordo muito.

 
 

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