Buter sobre interpretações erradas sobre seu conceito de gênero

Tradução livre retirada das páginas 324-325 de "Cuerpos que importan"

A publicação de Problemas de Gênero coincidiu com a aparição de uma série de obras que afirmavam que “o vestido faz a mulher”, mas eu nunca pensei que o gênero fosse como um vestido, tampouco que o vestido fizesse a mulher. A isto se resume, não obstante, as necessidades políticas de um movimento queer emergente em que chegou a ocupar um lugar central no fato de dar publicidade à instância teatral.
A prática mediante a qual se produz a generização, a incorporação de normas, é uma prática compulsória, uma produção de força, embora não que ela se resulte completamente determinante. Posto que o gênero seja uma atribuição, se trata de uma atribuição que nunca se assume plenamente de acordo com a expectativa, as pessoas às quais se dirige nunca habitam por inteiro o ideal que se pretende que se assemelhem. Ademais, essa encarnação é um processo repetitivo. E a repetição poderia se construir precisamente como aquilo que mina a ambição de um domínio voluntarista designado pelo sujeito da linguagem.
Como se vê claramente em Paris Is Burning, o travestismo (drag no original) é uma postura subversiva problemática. Cumpre a função subversiva na medida em que reflete as personificações mundanas mediante as quais se estabelece e naturaliza os gêneros ideais desde o ponto de vista heterossexual e que mina o poder de tais gêneros ao produzir essa exposição. Mas nada garante que expor a condição naturalizada da heterossexualidade basta para subvertê-la. A heterossexualidade pode argumentar sua hegemonia através de sua desnaturalização, como quando vemos essas paródias de desnaturalização que reidealizam as normas heterossexuais sem questioná-las.

 

eu acho meio sacal essa rachação da butler, porque acho que ela tem coisas muito interessantes!!! entrou numa demonização…
Na verdade ela não acha que dá pra superar o gênero por meio da performance ou auto-nomeção, apenas desestabilizá-lo e mostrar que ele não é natural.
Eu usei butler na minha monografia sobre identidade e subjetividades lésbicas… ela tem reflexões bem válidas.
Mas muitos de seus conceitos são retirados de outros autores, como a mascarada de gênero que é da psicanalista Joan Riviere (acho incrível) e a idéia dos corpos abjetos que adoro, é da Kristeva. E o conceito de matriz heterossexual acho maravilhoso para apontar as leituras heterocentradas, neste sentido ela fez uma defesa fenomenal das butches contra a leitura de sua suposta ‘heteronormatividade’. Mas acho que ela realiza uma salada ao misturar Foucault, Lacan, Wittig. Ela terminou por des-materializar Wittig. Aliás muitos reinvindicam Wittig, mas eu a lendo vejo como ela é de fato, realmente materialista e radical.
E mais que tudo, esse queer dos 90 e a Butler são PÓS-IDENTITÁRIOS… Pois acham que as identidades são formas capturáveis pelo Estado e agenda de Direitos… o que concordo… só não concordo com a forma que resolvem resistir que termina numa invisibilidade, emfim toda coisa queer foi na verdade capturada. E quem inventou o termo teoria queer foi Teresa de Lauretis e depois denunciou o mesmo como capturado pelo neoliberalismo…
As separatistas também usavam o conceito de queer… Mas isso era antes desse conceito queer dos 90… especialmente a discussão dyke e butch dizia sobre a queerness das lésbicas frente as lesbicas politicas ou feminilizadas…

 
 

Outra é a sua bilbiografia masculina, acho que os 90 eram uma crise com os ideais separatistas… mas não demonizo mais.

 
 

A Butler criticou a Chimamanda por ter falado que mulheres trans eram mulheres trans?

Eu acho assim, as pessoas deveriam ter uma relação menos passional com intelectuais. Claro que intelectuais falam bosta. Você aproveita o que é útil do que eles falam. Sem personalismos.

 
   

Sim, a galera norte americana não teve acesso a traduções das materialistas. Elas tiveram acesso às diferencialistas (psicanalistas, tipo luce irigaray, helene cixous, etc), e daí esses textos entrando nos estudos de gênero, vieram a ajudar a constituir o feminismo pós-estrutural, pós-moderno. Se vc ler vai entender de onde vem essa brisa toda.

Sobre a matriz ht, já vi a Marilyn Frye falando nisso antes dela…

Algumas coisas que ela fala, já eram discussões no lesbianismo, feminismo, mas ela por sua popularidade e seu status mainstream na academia de genero, fez se tornarem conhecidas essas reflexões, mas desde outro marco.