Maria Lucia Karam - A esquerda punitiva

em anexo a direita para baixar

A excepcionalidade da atuação do
sistema penal é de sua própria essência,
regendo-se a lógica da pen.a pela
seletividade, que permite a individualização
do criminoso e sua conseqüente
e útil demonização, processo
que se reproduz mesmo quando se
pretende, como nos delitos sócio-econômicos,
trabalhar com a responsabilidade
’penal de pessoas jurídicas,
pois a individualização e a demonização
do criminoso são características
inerentes à reação punitiva, empresas
ou instituições também podendo
perfeitamente ser individualizadas,
e demonizadas, de igual forma se
ocultando, através destes mecanismos
ideológicos, a lógica e a razão
do sistema gerador e incentivador dos
abusos do poder realizados em atividades
desenvolvidas naqueles organismos.

A monopolizadora reação
contra um ou outro autor de condutas
socialmente negativas, gerando a
satisfação e o alívio experimentados
com a punição e conseqüente identificação
do inimigo,, do mau, do perigoso,
não só desvia as atenções como
afasta a busca de outras soluções
mais eficazes, dispensando a investigação-das
razões ensejadoras daquelas
situações negativas, ao provocar
a superficial sensação de que, com a
punição, o problema já estaria satisfatp,riamente
resolvido. Aí se encontra
um dos principais ângulos da funcionalidade
do sistema penal, que,
tornando invisíveis as fontes geradoras
da criminalidade de qualquer natureza,
permite e incentiva a crença
em desvios pessoais a ’serem combatidos,
deixando encobertos e intocados
os desvios estruturais que os alimentam.

 

quis por todas essas tags mas não consegui todas:

punitivismo, violência no movimento social, linchamento, violência de grupo, escracho, trashing, hostilidade horizontal, justiça popular, justiça transformativa, acontabilidade comunitária, processo de responsabilização, misoginia, queima das bruxas, sociedade penal, exposições, exposição, public shaming, sociedade do espetáculo, violência entre lésbicas, relações entre mulheres, relações lésbicas, sistema prisional, mulheres presas, lesbofobia, discriminação, exclusão, bode expiatório, resolução de conflitos, cnv, comunicação não-violenta

=/

 
   

Sobre a discussão do punitivismo, eu sei que ela é muito apropriada pelos homens. Assim como a crítica à política de identidades e as críticas à teoria da interseccionalidade. Homens de esquerda ficam doídos de não serem o centro de tudo, de ter que dividir prioridade política com outros grupos, já que classe é onde eles se projetam talvez por ser a única opressão que estes no caso vivenciem enquanto homens brancos (caso tenham alguma outra teoria sobre por que homens de esquerda priorizam classe me expliquem. Porque pensando assim sua luta também é identitária de repente, é sobre eles e ninguém mais, nenhum outro sistema de opressão estrutural).

Mas eu elaborei hoje refletindo sobre essas questões, uma teoria do por que é certo pensar que é diferente no caso das mulheres, recusar os extremos dessas teorias:

Eu estava pensando sobre as atrocidades masculinas mesmo, e sobre as experiências dessas atrocidades dentro do movimento social. As vivências de muitas e muitas mulheres no movimento social de violências graves como estupros, agressões físicas, agressões durante gravidez, a perversidade do gaslight masculino, destruição patrimonial, ameaças a suas crianças ou manipulação delas, perseguição, difamação e destruição da sua imagem, sabotagem social e tudo que ocorre e que na maioria das vezes, se perdoa e que termina com as mulheres se afastando dos espaços militantes em 100% das vezes.
Fora do âmbito militante, pensem em todas atrocidades masculinas pelo mundo: tráfico de mulheres, tráfico de meninas, casamento infantil (de meninas obvio, a palavra infantil nos apaga), prostituição infantil, violência e mutilação obstétrica, apedrejamento de mulheres adúlteras, queima de viuvas, mulheres-barriga de aluguéis, infibulação do clitóris, estupros, pornografia… emfim toda essa lista infindavel de perversidades.

Os homens SÃO UM RISCO. E já tá comprovado que em qualquer lugar e qualquer formato que se apresente. Isso se prova a todo momento, a cada vez que alguma mulher cai fora da esquerda, resolve que é impossivel militar com eles.

Eles não são desconstruíveis. Eles tem muito poder nas mãos. Eles não tem interesse nisso. Não adianta agitarmos cartazes do tipo ‘ensinem-os a não nos estuprarem’. Eles não querem aprender isso! Pra que?

Eles se incomodam de ter que rever privilégios, porque a situação deles é a mais comoda, e por questões constitucionais: desde crianças, eles são criados no mais absoluto narcisismo, são colocados no topo, são egocentricos, frios, autocentrados. Não veem ninguem e nada além deles, e objetificam todas suas relações, desde as com mulheres até com o planeta, o meio ambiente. Eles não sentem, só sentem por eles mesmos, o que possa lesar eles. A capacidade de empatia é seriamente falhosa na constituição subjetiva masculina.

E as mulheres? As mulheres são criadas na empatia (Carol Gilliman), para a sensibilidade com os outros. Isso nos coloca numa posição constitucional de poder se identificar com os outros.

Além disso, as mulheres são oprimidas. Não lembro agora qual teórica que dizia que as mulheres por vivenciarem a opressão, tem a maior capacidade para se identificar com oprimidos, e engajar em lutas sociais.

Por isso, pelo cuidado dos outros, pela empatia, e pela identificação com desempoderados, condição que entende desde outra perspectiva mas que se parece, elas são as maiorias de vegetarianas, são as que engajam em militancias de outras temáticas que não contemplam as suas exclusivamente, são as que conseguem sentir por meio de imaginar a dor do outro. Elas vivem a exclusão também, a discriminação, o abuso, a exploração, assim como animais, assim como crianças, assim como indígenas, assim como imigrantes, etc.

As mulheres tem essa capacidade. E elas embora recebam benefício de sua associação com homens, no caso do elitismo ou branquitude, elas não possuem um poder estrutural tal como homens possuem.

Embora a mulher branca possa ser racista e exerça racismo e poder sobre mulheres negras, dificilmente se verão violencias como as cometidas por homens: os líderes da ku kux klan, as maiorias das gangues skinheads, os traficadores de escravos e conquistadores, toda história e maiores atrocidades, foram realizadaas por HOMENS brancos. E até hoje, são homens brancos a mando do Estado, que exterminam a população negra.

Então por essas coisas eu defendo que, se a teoria interseccional diz que mulheres podem reproduzir poder, eu ainda acredito que apostar que mulheres brancas possam empatizar e querer entender, se responsabilizar de seus privilégios e estudar a história, e apoiar essas lutas, é uma coisa. Homens apoiarem, quererem entender, supostamente empatizarem com luta das mulheres, é outra coisa. Eles não tem esse interesse, são muitos séculos de atrocidades que persistem, a toda prova do contrário a cada dia que nos chegam novos casos de mulheres falando que seus namorados hiper feministos as degradaram, a cada momento que chega alguém relatando os abusos severos acobertados por uma organização de esquerda onde militava e que já não consegue mais pisar.

Por isso eu ainda aposto na crítica ao punitivismo no que vemos dentro do feminismo, eu acho cruel, e acho uma divergência de foco na atrocidade masculina que a mais perversa que já existiu, e que são os inventores originais de todas formas de discriminação e exploração, escravidão, que podemos ver. Eu ainda acredito nessa teoria, isso não quer dizer que mulheres não colaboraram com homens brancos capitalistas e imperialistas na história, ou que não sejam racistas ou não tenham responsabilidade sobre o racismo histórico que ajudaram a perpetuar, e que muitas ainda engajam. Existe agência nessa participação, ainda reproduzimos racismo. Mas não são as mulheres que estão realizando o genocídio da juventude negra, nem as mulheres que matam a criança que pede comida, nem as mulheres que fazem as guerras, as colonizações, os imperialismos, as bombas nucleares, os estupros corretivos, a expulsão de indígenas, etc